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Tributação, covid-19 e a trava de 30% do IRPJ e da CSLL

Diversos países vivem uma detração econômica em decorrência da pandemia do coronavírus, razão pela qual o Brasil vem adotando diversas medidas cíveis, trabalhistas, empresariais e tributárias para auxiliar a sociedade a suplantar esse período difícil.

21/5/2020

Esta reflexão se propõe a lançar algumas ideias acerca da possibilidade da flexibilização temporária da trava de 30% para a compensação dos prejuízos fiscais do IRPJ e da CSLL como instrumento apto ao enfrentamento da crise econômica provocada pela covid-19 em favor das empresas.

Diversos países vivem uma detração econômica em decorrência da pandemia do coronavírus, razão pela qual o Brasil vem adotando diversas medidas cíveis, trabalhistas, empresariais e tributárias para auxiliar a sociedade a suplantar esse período difícil. Por outro lado, o Poder Público demanda recursos para o financiamento dos acentuados gastos com o combate ao vírus, cujo montante previsto é de R$ 253 bilhões para a União, segundo informações do Tesouro Nacional (2020) atualizadas até o dia 30.4.2020. 

Para custear essas despesas, foram propostas medidas para aumentar a carga tributária das pessoas físicas e jurídicas com maior capacidade contributiva, como foi o caso dos PLPs 183/2019, 34/2020 e do PL 911/2020, que, respectivamente, sugerem a criação do Imposto sobre Grande Fortunas, empréstimo compulsório, além do aumento da alíquota da CSLL dos bancos de 20% para 50%.

A despeito dessas sugestões, respeitados doutrinadores, como Fernando Scaff (2020), têm defendido que o momento vivenciado não é propício para a adoção de medidas de aumento da tributação, pois acabariam por asfixiar os agentes econômicos, paralisando ainda mais a engrenagem da economia. Sugere o citado tributarista que a crise seja combatida pelo endividamento público sustentado e não por meio da obtenção de novas receitas públicas. O posicionamento é coerente.

Uma interessante sugestão foi proposta por Heleno Taveira Torres (PROFESSOR, 2020), em webinar intitulado "Medidas tributárias e previdenciárias relacionadas ao período de força maior", realizado no dia 30.3.20. Trata-se da proposta que possibilita a eliminação temporária da trava de 30% para a compensação dos prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL, com o fito de permitir que as empresas possam aproveitar integralmente, na apuração do lucro líquido de 2020, os prejuízos fiscais acumulados dos anos anteriores.

É fato que o advento da covid-19 fez com que muitas empresas elaborassem novas projeções para as despesas e os lucros, de modo que a escolha pela sistemática do lucro real, em detrimento do presumido, deve ser pensada, pois a primeira permite o abatimento de inúmeras deduções, além da compensação dos prejuízos fiscais, enquanto a segunda não permite essas subtrações (COVID, 2020).

Atualmente, a questão do abatimento dos prejuízos está regulamentada nos arts. 42 e 58 da lei 8.981/95 e nos arts. 15 e 16 da lei 9.065/95. A determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, que se constitui no lucro líquido apurado no período, poderá ser reduzida em até 30%, tendo em conta o resultado negativo apurado em anos-base anteriores.

A norma aduz que a base de cálculo para a cobrança tanto do IRPJ quanto da CSLL é determinada pelo lucro líquido do período, que se constitui no resultado das receitas e despesas, bem como das adições e reduções autorizadas pela legislação tributária. A trava se traduz na possibilidade assegurada pelo ordenamento jurídico de até 30% do lucro líquido ser abatido de prejuízos fiscais e das bases de cálculo negativas dos anos anteriores.

A despeito das dúvidas sobre a constitucionalidade dessa limitação, o STF, no julgamento do RE 591.340/SP, com repercussão geral reconhecida, em 27.6.19, decidiu que os dispositivos legais supracitados são constitucionais, fixando a seguinte tese: é constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL.

O rel. originário min. Marco Aurélio aduziu que a discussão objeto do recurso julgado apenas se direcionava a pessoas jurídicas em pleno exercício do seu objeto social e não para aquelas que tiveram as suas atividades encerradas por extinção, fusão, cisão parcial ou total, ou por incorporação.

A própria lógica da trava se direciona para a noção de continuidade da empresa, pois preceitua que o lucro líquido de exercícios posteriores poderá ser reduzido em até 30%, levando em conta a compensação com os prejuízos fiscais havidos em períodos anteriores, o que denota que a empresa tem que estar em pleno funcionamento.

Na ocasião, conforme se depreende do voto vencedor do min. Alexandre de Moraes, os contribuintes defenderam que a impossibilidade de compensação integral dos prejuízos se traduziria em empréstimo compulsório inconstitucional, posto que não estabelecido em lei complementar.

Aduziram também haver violação do princípio da capacidade contributiva, pois a limitação dificultaria a recomposição do patrimônio do contribuinte, assim como que a tributação estaria incidindo sobre o patrimônio da pessoa jurídica, e não sobre a sua renda, em detrimento da regra de competência do Imposto de Renda trazida no art. 153, III, da CF/88.

Ainda consoante o voto vencedor, a possibilidade de compensação dos prejuízos surgiu com a lei Federal 157/1947, que previu essa faculdade sem qualquer limitação, de modo que os resultados negativos poderiam ser integralmente aproveitados, desde que o fossem nos três exercícios subsequentes. Após, o decreto-lei 1.493/73 aumentou esse prazo, determinando que os prejuízos pudessem ser compensados dentro dos quatro exercícios financeiros subsequentes. Por fim, depois de outras modificações, adveio a norma atualmente em vigor, que determina que os prejuízos pretéritos podem ser compensados até o limite de 30% do lucro líquido do período.

É importante destacar que não existe limitação temporal para a compensação dos resultados negativos anteriores, que podem ser compensados indefinidamente nos períodos subsequentes, desde que respeitada a "trava" de 30% do lucro líquido do período em apuração.

Assim, a decisão estabeleceu que essas leis introduziram técnicas fiscais de compensação completa do resultado negativo havido em anos anteriores, apenas com o condicionamento de que o ajuste não ocorresse integralmente em um único período, em razão da limitação, nada impedindo que se desse nos demais anos subsequentes, preservando-se o direito da compensação dos prejuízos.

Com essa conclusão, afastou-se a violação dos princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da proibição do caráter confiscatório da tributação, prevalecendo o entendimento pela constitucionalidade da limitação.

Recentemente, o STJ iniciou o julgamento do REsp 1.805.925/SP (STJ, 2019), que analisa a possibilidade da "trava" de 30% ser desconsiderada para a compensação dos prejuízos de empresas extintas, tendo o relator do caso min. Napoleão Nunes Maia Filho, votado no sentido de que todos os prejuízos pudessem ser compensados sem a limitação no último período de apuração, sob pena de se perder o direito de compensar os resultados negativos, já que a empresa deixaria de existir. O julgamento está pendente desde 4.2.20, em razão de pedido de vistas feito pelo min. Benedito Gonçalves.

O que se vislumbra, diante das inúmeras mudanças pelas quais o tema vem passando desde 1947, é que as regras podem ser alteradas conforme as políticas fiscais adotadas pelo governo, conforme a maior ou menor necessidade de austeridade fiscal do momento. Assim, os limites quantitativos - percentual da trava - e temporais - prazo para abatimento nos anos subsequentes – podem ser modificados, sem que isso implique em violação aos princípios constitucionais tributários, tendo essa observação sido expressamente feita pelo min. Alexandre de Moraes no julgamento do RE 591.340/SP.

Portanto, a opção trazida por Heleno Torres é oportuna e conveniente, de modo que uma alteração temporária relacionada com os limites quantitativos da trava pode ser sugerida, com a finalidade de possibilitar que as empresas tenham um alívio tributário neste momento de crise e possam direcionar as suas finanças para a consagração do princípio da preservação da empresa e para a manutenção dos empregos.

Nesse sentido, ousamos ir além e propomos uma alteração legislativa, a fim de tornar possível a compensação dos prejuízos fiscais do IRPJ e das bases negativas da CSLL sem limites em relação ao lucro líquido, para o ano de 2020, e a fixação em percentual maior que o atualmente previsto no ano de 2021 - por exemplo, 45% -, voltando a vigorar as regras anteriores a partir de 2022. A fixação de patamares graduais parece ser medida coerente com a finalidade da flexibilização proposta, considerando que fornecerá maior fôlego às empresas não só em 2020, mas também em 2021, ano em que, muito provavelmente, ainda serão sentidos os efeitos da crise econômica.

Essa medida seria mais um instrumento de política tributária do Governo Federal em prol do combate à crise provocada pela covid-19, indo ao encontro das opiniões das autoridades intelectuais da área de que a sua superação encontra melhor caminho no endividamento público responsável da União e não mediante o aumento da carga tributária.

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COVID-19 e o imposto de renda das empresas. Valor. São Paulo, 24 abr. 2020. Acesso em: 2 mai. 2020.

MONITORAMENTO dos gastos da União com Combate à COVID-19. TESOURO NACIONAL. Brasília, 30 abr. 2020. Acesso em: 2 mai. 2020.

PROFESSOR Heleno Torres propõe pacto fiscal para lidar com crise do coronavírus. Migalhas. São Paulo, 30 mar. 2020. Acesso em: 2 mai. 2020.

SCAFF, Fernando Facury. Nesta crise não se deve aumentar tributo – simples assim. CONJUR. São Paulo, 06 abr. 2020. Acesso em: 2 mai. 2020.

STJ julga trava de 30% para a compensação do prejuízo de empresas extintas. JOTA. São Paulo, 18 out. 2019. Acesso em: 2 mai. 2020.

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*Saulo Gonçalves Santos é mestre em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Professor da Pós-graduação de Direito Tributárioda UNIFOR. Procurador do Município de Caucaia/CE. Advogado sócio da área tributária do Braga Lincoln Advogados. Ex-Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE). 

*Ricardo Facundo Ferreira Filho é mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pós-graduado em Direito Constitucional. Advogado da União.

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