Desde que o STF decidiu o recurso extraordinário que esteve na base do tema 210 de repercussão geral, nosso escritório tem lutado com todo empenho em defesa do princípio da reparação civil integral.
Não nos alongaremos muito aqui sobre ela, mas lembramos que a tese que defendemos é a seguinte: a decisão não incide sobre os casos envolvendo transporte aéreo internacional de carga, mas somente sobre os de passageiros com bagagens extraviadas. Razões ônticas diferentes e, portanto, as de decidir também.
Defendemos ainda que a interpretação sistêmica da própria Convenção de Montreal permite dizer: a limitação tarifada não terá espaço quando o dano for causado por conduta temerária do transportador (culpa grave ou dolo).
E, por fim, defendemos que qualquer que seja a visão acerca do assunto, a limitação tarifada não é oponível ao segurador sub-rogado, sob pena de deformar a essência do ressarcimento, desfigurar o art. 786 do Código Civil e esvaziar a súmula 188 do Supremo Tribunal Federal.
Em nosso modesto, mas seguro entender, em se tratando de segurador sub-rogado autor de ação regressiva de ressarcimento contra transportador aéreo, o conteúdo do tema 210 colide com o da súmula 188, criando a estranha situação em que o Supremo Tribunal Federal se contradiz.
Desde a decisão de repercussão geral temos vencido casos com a aplicação do princípio da reparação civil integral e vencidos outros, mas com a observação da limitação tarifada da Convenção de Montreal, o que mais do que uma vitória parcial é, em verdade, uma derrota minimizada.
O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo possui decisões nos dois sentidos. O assunto ainda consumirá rios de tinta, e não parece próximo de uma definição geral. Temos casos pendentes tanto no STJ como no STF, e aguardamos ansiosos os futuros julgamentos.
Em que pese a confiança em relação ao que acreditamos ser a melhor interpretação do Direito, não negamos a enormidade dos riscos. Pesa contra nosso entendimento algo que, questionamentos à parte, tem inegável peso dentro de visão mais ortodoxa do contratualismo: o chamado frete ad valorem.
Ele é o contraponto da tese e não pode ser desprezado como argumento menor, por mais que existam outros argumentos, bem robustos, expondo sobre o não cabimento do frete ad valorem, uma vez que revestido, em algum grau, de dirigismo contratual.
Em certa sessão de julgamento, após a Corte paulista decidir pelo critério de limitação tarifada, ouvimos do advogado adversário a seguinte afirmação: “basta os donos de carga declararem o valor e pagarem um pouco mais pelo transporte que o problema cairá por terra, e as transportadoras não terão mais como se defender”.
Evidentemente sabemos que a questão é mais complexa que isso. Mas não temos como dizer que a afirmação esteja errada ou, pelo menos, essencialmente errada.
Em relação a casos em curso, nada há que se fazer senão lutar muito, com todas as armas argumentativas e estratégicas possíveis; entretanto, antevemos um cenário sombrio por causa da pandemia covid-19.
O setor aéreo foi um dos mais prejudicados pelos efeitos profiláticos e sociais do combate ao contexto pandêmico, amargando prejuízos bilionários. Governos de todo o mundo emprestaram muito dinheiro para as empresas transportadores, a fim de as manter em operação.
Diante disso, somos levados a cogitar, com ressalvas e a contragosto, que possivelmente aumentará a força da tese antagônica à nossa, ao menos nos próximos meses, talvez anos. Vislumbramos a possibilidade concreta de os Tribunais serem mais abertos à limitação tarifada, acomodando-se na decisão de repercussão geral, tema 210 do STF.
É um alerta que em nada nos desmotiva, mas que precise ser feito.
Aliás, para a defesa da reparação civil integral estamos nos valendo até mesmo da visão econômica do Direito, segundo a Escola de Chicago, que influenciou a elaboração do atual Código de Processo Civil.
De todo modo, ousamos deixar uma sugestão para o futuro mais imediato: um diálogo robusto com corretores de seguro e grandes players econômicos a fim de motivarem segurados a pagar o frete ad valorem, à declaração de valor quando dos embarques de cargas.
Com isso, a discussão ficará no plano apenas factual, da pura responsabilidade civil.
Segurados não deixarão de celebrar contratos de seguro porque o risco de danos ainda persistirá. Transportadores não os pagarão facilmente apenas porque o valor foi declarado e um frete maior foi pago.
Para o segurado continuará a valer a restituição do status patrimonial antes do sinistro; para a seguradora a certeza de que, vencendo a lide, não terá que se debater com limitações do gênero ou com a estranha decisão de repercussão geral do STF. Será um jogo em que segurado e segurador vencerão, integralmente.
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