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Coronavírus e meio ambiente de trabalho: De pandemias, pantomimas e panaceias

Desde a fase epidêmica, combater o avanço da síndrome se tornou a preocupação prioritária da Organização Mundial da Saúde, que logo a classificou como “emergência de saúde pública de importância internacional".

19/5/2020

Introdução. A pandemia: escalada do desalento

Nos primeiros dias de 2020, o mundo soube do surto endêmico de uma nova forma de coronavírus – o SARS-CoV-2 –, à altura restrito à cidade de Wuhan, capital da província da China central, entrecortada pelos rios Yangtzé e Han. Ao contrário de seus análogos já conhecidos (a SARS e a MERS, p. ex.1), a doença provocada pelo SARS-Cov-2 – conhecida como covid-19 – tinha por características sintomáticas a manifestação mais intensa e duradoura de coriza, febre, diarreia, vômito, falta de apetite, perda do olfato e do paladar, aguda dificuldade respiratória e dores no corpo que poderiam evoluir para um quadro de pneumonia grave.

Desde a fase epidêmica, combater o avanço da síndrome se tornou a preocupação prioritária da Organização Mundial da Saúde, que logo a classificou como “emergência de saúde pública de importância internacional” (= “public health emergency of international concern”, ou PHEIC), no mais elevado nível de alerta do Regulamento Sanitário Internacional. Na dicção de Tedros Adhanom Ghebreyesus (diretor-geral da OMS) e de Roberto Azevêdo (diretor-geral da OMC),

[o] objetivo do Regulamento Sanitário Internacional é prevenir, proteger contra, controlar e proporcionar uma resposta de saúde pública à disseminação internacional de doenças de modo proporcional aos riscos à saúde pública, com vista a minimizar a interferência no tráfego e no comércio internacionais. As regras da OMC fornecem aos governos as flexibilidades necessárias para enfrentar situações de escassez de suprimentos médicos essenciais e/ou desafios de saúde pública. No entanto, qualquer medida tomada para promover a saúde pública deve ser "direcionada, proporcional, transparente e temporária", em consonância com os recentes apelos dos líderes mundiais. Os governos devem evitar medidas que possam interromper as cadeias de fornecimento e impactar negativamente as pessoas mais pobres e vulneráveis, notadamentee em países em desenvolvimento e menos desenvolvidos que são tipicamente dependentes de importações de medicamentos e equipamentos médicos.2

A sigla covid-19 combina a expressão anglófona “Coronavirus disease” com o ano de surgimento da moléstia (2019). Nas semanas e meses seguintes, o surto ganharia o status de epidemia, atingindo as demais metrópoles chinesas e extrapolando as fronteiras daquele País em direção ao Japão e à Coreia do Sul para, então, se dispersar por todo o mundo, no embalo do frenético trânsito de pessoas e de bens a caracterizar a economia globalizada do século XXI. Em 11 de março de 2020, era reconhecida como uma pandemia: doença de alto poder de contágio, que se espalha velozmente ao longo das fronteiras nacionais, alcança vários Estados nacionais e tende à contaminação planetária.3

No final de fevereiro, após a covid-19 se propagar em solo europeu, foram registrados os primeiros casos no Brasil. No decorrer do mês de março, os doentes já eram contados aos milhares e os mortos às centenas, restando ao Ministério da Saúde reconhecer – e anunciar – a ocorrência de transmissão comunitária em todo o território nacional. Em termos epidemiológicos, tal estágio é caracterizado pela dispersão autônoma da doença em uma determinada região geográfica e pela impossibilidade de identificação e de controle a respeito de sua cadeia de contágio.4 No momento em que encerramos a redação deste artigo, o Brasil ultrapassa a marca dos catorze mil mortos pelo novo coronavírus (no mundo, somam-se mais de 302 mil óbitos).5

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1 Identificaram-se, até este momento, sete variedades de coronavírus humanos (HCoVs), entre eles o SARS-COV (causador da SARS, ou Síndrome Respiratória Aguda Grave), o MERS-COV (causador da MERS, ou Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e o SARS-CoV-2 (vírus causador da COVID-19). Cfr. “Folha informativa - COVID 19”, 14.5.2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 14.05.20.

2 AZEVÊDO, Roberto. GHEBREYESUS, Tedros Adhanom. Joint statement. 20.4.2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 15.05.20. Tradução livre. No original em inglês: “The purpose of the International Health Regulations is to prevent, protect against, control and provide a public health response to the international spread of disease in ways that are commensurate with public health risks, with a view to minimizing interference with international traffic and trade. WTO rules provide governments with the flexibilities they may need to address essential medical supply shortages and/or public health challenges. But any measure taken to promote public health that restricts trade should be “targeted, proportionate, transparent and temporary”, consistent with recent calls from world leaders. Governments need to avoid measures that can disrupt supply chains and negatively impact the poorest and most vulnerable, notably in developing and least developed countries that are typically reliant on imports of medicines and medical equipment”. A declaração conjunta foi publicada após o reconhecimento do estado de pandemia global.

3 Cfr. GREENBERG, Raymond S.; DANIELS, Stephen R.; FLANDERS, W. Dana; ELEY, John William; BORING, III, John R. Epidemiologia Clínica. Trad. BURNIER, Jussara. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005, pp. 18 e ss. As pandemias – de que são (ou foram) exemplos a peste negra (século XIV, dizimando cerca de 200 milhões de pessoas em 10 anos), a gripe espanhola (que matou aproximadamente 50 milhões de pessoas entre 1918 e 1920) e a própria SIDA (modalidade de “pandemia duradoura”, que já infectou 38 milhões de pessoas no mundo) – diferem conceituamente das epidemias, das endemias e dos surtos. A epidemia espalha-se dentro dos limites de um mesmo país, superando os números ordinários de contágio esperados pelas organizações nacionais de saúde. A endemia atinge determinada região com frequência (a chamada “faixa endêmica”), afetando basicamente os habitantes daquela região, não raro em condições de sazonalidade (e.g., a febre amarela em municípios da região Norte do Brasil); nos termos do art. 20, II, §1º, “d”, da lei 8.213/91, descaracteriza a patologia como doença do trabalho, “salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho” (= demonstração/presunção de nexo etiológico). O surto, enfim, extrapola os números ordinários de contágio, mas alcança espaços geograficamente restritos e tende a ter curta duração, sem sazonalidades (e.g., um surto de sarampo em determinado grupo escolar).

4 Segundo o conceito epidemiológico definido pelo próprio Ministério da Saúde, a transmissão comunitária compreende “[a] incapacidade de relacionar casos confirmados através de cadeias de transmissão para um grande número de casos ou pelo aumento de testes positivos através de amostras sentinela (testes sistemáticos de rotina de amostras respiratórias de laboratórios estabelecidos.)” Disponível clicando aqui. Acesso em 28.03.20.

5 Cfr., por todos, “Covid: Brasil ultrapassa 12 mil mortos e atinge marca de 881 mortes em 24 h”. Disponível clicando aqui. Acesso em 14.05.20.

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*Guilherme Guimarães Feliciano é professor associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté – SP. Livre-Docente em Direito do Trabalho e Doutor em Direito Penal pela FDUSP. Doutor em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa. Ex-presidente da Anamatra.

*Paulo Roberto Lemgruber Ebert é advogado. Professor universitário. Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). é advogado do escritório Mauro Menezes & Advogados.

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