Quando se trata de violência doméstica, o Brasil ocupa a 5º posição de pior país do mundo, situação essa que, invariavelmente, acaba sendo tema de inúmeras discussões jurídicas e objeto de pautas visando a melhoria de políticas públicas em vista do grande aumento de denúncias realizadas junto aos órgãos de segurança pública, e até mesmo, daqueles casos que sequer são levados à apuração, sendo transformados única e tão somente em estatísticas.
A violência doméstica no Brasil geralmente vem sendo concebida como aquela praticada no âmbito conjugal, geralmente por parceiros e ex-parceiros contra mulheres. Todavia, não se quer dizer com isso, que homens, crianças, adolescentes e idosos também não sejam vítimas de violência, ainda que no caso do Brasil, seja inequívoco que o maior número de vítimas acometidas pela violência doméstica são as mulheres em seus relacionamentos conjugais.
A despeito do advento da lei 11.340/061, que em tese teria o condão de alterar substancialmente o cenário jurídico, tornando muito mais simplificada a denúncia da ocorrência de violência doméstica, cediço que a denúncia, e até mesmo a adoção de providências relacionadas a esses crimes, ainda consiste em tabu para muitas pessoas.
Pois, a pessoa violentada, mesmo com o aparato de proteção dos órgãos especializados, não se sente segura para denunciar o agressor, o que por sua vez, deflagra a necessidade de reforçar as políticas públicas que tenham por escopo incentivar a população à realização de denúncias visando retirar a vítima da situação de vulnerabilidade na qual se encontra.
Em 2019, o Paraná registrou um aumento de 24,6% nas ocorrências de violência doméstica somente no primeiro semestre de 2019 em relação ao mesmo período de 2018, segundo os dados divulgados pelo Governo do Estado do Paraná2.
Ocorre que, o número é muito maior do que o divulgado, tendo em vista que muitas pessoas em situações de violência acabam não realizando a denúncia contra o agressor e nisso se incluem, tanto os agredidos, pelo temor de adotar as providências necessárias e pela falta de segurança que teriam, quanto aqueles que constatam as agressões ou as presenciam, tais como vizinhos, justamente por terem a concepção equivocada de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
Ao ingressar nesse aspecto específico concernente a vizinhança e suas omissões, e como o objeto do nosso estudo circunscreve-se, antes de mais nada, ao ramo imobiliário, por obviedade que, não poderiam ser desconsideradas as situações de violência envolvendo os condomínios residenciais, justamente pelo fato de que nesses locais reside um número considerável de pessoas e que a sua inércia no que concerne ao dever de promover a denúncia relativamente à violência doméstica, pode ensejar danos irreparáveis para a vítima.
Por essa perspectiva, vale destacar que, segundo os dados da Associação Brasileira de Síndicos Profissionais (ABRASSP), mais de 68 milhões de pessoas moram em condomínios no Brasil, com isso, é certo que a violência em condomínios residenciais poderá ocorrer com mais frequência, haja vista a quantidade de pessoas residindo em um mesmo local, o que torna premente o dever de que todos se engajem à necessidade de promoverem o exercício não apenas dos seus direitos, como também das suas obrigações voltadas à denúncia ao síndico e às autoridade competentes sobre as situações envolvendo violência.
Consoante afirmado anteriormente, certo que as denúncias de violência doméstica em condomínio, conforme aquilo que ocorre com denúncias por vizinhos de maneira geral, acabam se apresentando aquém do esperado, pois os condôminos temendo indisposições, preferem se omitir e não interferir quando escutam ou se deparam com alguma situação de violência.
Justamente visando encontrar uma solução para a problemática, a lei estadual 20.145/203, do Estado do Paraná passou a prever a obrigação de que os responsáveis por condomínios residenciais e comerciais localizados no Estado do Paraná comuniquem à Delegacia da Mulher da Polícia Civil, ou ao órgão de segurança pública, quando houver, em seu interior, a ocorrência ou indícios de ocorrência de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças adolescentes ou idosos, conforme depreende-se da análise do seu artigo 1º, senão vejamos:
Art. 1° Estabelece que os condomínios residenciais e comerciais localizados no Estado do Paraná, através de seus síndicos e/ou administradores devidamente constituídos, deverão encaminhar comunicação à Delegacia da Mulher da Polícia Civil responsável pelo município que se encontram, ou ao órgão de segurança pública regional especializado, quando houver em suas unidades condominiais ou nas áreas comuns aos condôminos a ocorrência ou indícios de ocorrência de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos.
A norma determina que os representantes do condomínio fixem informações através de cartazes e placas sobre o teor da lei nas áreas comuns dos condomínios residenciais e comerciais, a fim de incentivar os condôminos a notificarem o síndico ou administrador “quando tomarem conhecimento da ocorrência ou da existência de indícios da ocorrência de violência doméstica ou familiar no interior do condomínio”4.
Não obstante, vale destacar que, de acordo com o disposto no artigo 3º da referida lei, resta ainda expresso que, caso haja descumprimento da norma por parte dos condomínios, respeitados a ampla defesa e o contraditório, caberá advertência, sendo que diante da reiteração da conduta, o condomínio será multado em 50 UPR/PR (cinquenta vezes a Unidade Padrão Fiscal do Paraná) e 100 UPF/PR (cem vezes a Unidade Padrão Fiscal do Paraná), consoante apontado em seus incisos I e II, sendo que ainda de acordo com o preconizado no parágrafo único, as importâncias arrecadadas a esse título deverão ser destinadas a fundos de proteção aos direitos das mulheres, crianças, adolescentes e idosos.
Antes do advento da lei estadual, cabia ao síndico pautar-se no dever de manter o bem comum de todos os condôminos, não podendo, entretanto, transcender o interesse coletivo, tampouco proceder a interferência indevida na esfera privada dos condôminos.
Todavia, diante desse novo panorama oriundo da lei, há obrigatoriedade de encaminhamento de comunicação à Delegacia da Mulher da Polícia Civil responsável pelo município que se encontra, ou ao órgão de segurança pública regional especializado, decorrendo daí a obrigação de cuidado, proteção e vigilância que, inegavelmente, passam a competir ao síndico ou administrador, uma vez que estando cientes da ocorrência de violência doméstica, devem noticia-la às autoridades competentes, sob pena de incorrer em crime de omissão, bem como serem submetidos à advertência e ao pagamento de multa constante na lei estadual 20.145/20.
Dessa forma, conclui-se pela obrigatoriedade de haver uma regular administração e fiscalização do condomínio pelo síndico ou administrador, que deverá contar com o auxílio dos condôminos e dos funcionários, visando o propósito único de proteção da coletividade.
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1 Lei 11.340/06. Acesso em 11 de maio de 2020.
2 Acesso em 11 de maio de 2020 Clique aqui
3 Lei 20.145/20. Acesso em 11 de maio de 2020.
4 Lei 20.145/20. Acesso em 11 de maio de 2020.
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