Os Projetos de Reforma Tributária são usualmente permeados por intenso debate sobre os necessários gatilhos para impulsionar a economia, a atividade da iniciativa privada por meio da redução da carga tributária, da burocracia e incremento da segurança jurídica.
Fica à margem desse debate a funcionalidade do sistema para lidar com os momentos de crise. É o que propomos fazer neste texto em função do que estamos vivenciando. Essa terrível crise da covid-19 que nos pegou de surpresa, trouxe muitas lições e não podemos perder a oportunidade de avaliar o desenho do sistema tributário nessas situações.
Tanto quanto preparar um país para os momentos de bonança, é fundamental estarmos bem organizados para reagir em situações de crise aguda, que sabemos são cíclicas e normalmente inesperadas.
Não é nenhuma novidade dizer que o nosso sistema tributário é extremamente complexo e, como reflexo disso, as empresas privadas sofrem no cumprimento das regras para pagar corretamente seus tributos. Temos convivido passivamente com as últimas posições nos rankings mundiais. Isso, por si só, já seria motivo para profunda reflexão, mas tivemos a oportunidade de experimentar o uso do mesmo sistema em momento de crise aguda, na maior crise desde a promulgação da CF/88.
A reação do Brasil à covid-19 pode ser examinada sob várias perspectivas. Sob o ângulo tributário, foi confusa, para dizermos o mínimo. No sistema tributário atual, cabe a cada ente federativo editar as normas aplicáveis ao recolhimento dos tributos de sua competência e respectivas obrigações acessórias (emissão de nota fiscal, apresentação de declarações, etc.).
As inúmeras normas propostas e publicadas pela Secretaria da Receita Federal, Procuradoria da Fazenda Nacional e pelo Banco Central, por exemplo, em âmbito federal, bem como por cada um dos 26 Estados, Distrito Federal e mais de 5 mil Municípios do país, promovem verdadeiro caos e impedem a estabilização da economia no momento em que isso é mais importante.
Não é à toa que, inclusive, diversas empresas foram ao Poder Judiciário para discutir a aplicação de normas tributárias aos seus casos concretos vividos na crise. A judicialização de questões que já deveriam estar definidas em lei é mais um fator que reforça a necessidade de reformar o nosso sistema, inclusive porque esse momento não pode sobrecarregar ainda mais o Poder Judiciário que, já antes da pandemia, estava abarrotado de temas tributários relevantes a serem definidos.
Caso já tivesse sido implementada a reforma tributária dos tributos sobre o consumo, seria possível instaurar um comitê único para debate das questões relacionadas à crise da covid-19 e a edição de uma única norma, clara e transparente, que pudesse ser seguida por todos os contribuintes no país. Certamente, esse cenário traria benefícios ao fisco e aos contribuintes e colaboraria, ainda, para que as autoridades públicas pudessem focar em outras questões que devem ser endereçadas pelo Poder Público (como a saúde, educação, apoio aos trabalhadores e à população carente).
Nesse aspecto, vale lembrar que já foi instalada e iniciados os trabalhos de uma Comissão Mista, no Congresso Nacional, com a finalidade de produzir um texto único consolidando as propostas existentes sobre o assunto, dentre as quais, a PEC 45/2019, apresentada pelo deputado federal Baleia Rossi e idealizada pelo Centro de Cidadania Fiscal (C.CiF), que propõe a adoção de um modelo parecido com o IVA, adotado mundialmente, por meio da substituição dos tributos incidentes sobre o consumo (IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS) por um imposto único sobre bens e serviços (IBS).
A justificativa dessa proposta, inclusive, enfatiza que a mudança envolve não só a simplificação do sistema, mas também o aumento da produtividade e do PIB do país. Alcançar esses objetivos é imprescindível para a recuperação da economia da forma mais rápida possível e evitar que, no futuro, passemos pelos mesmos problemas e discussões atuais.
É a primeira vez que vivemos uma crise de saúde nessa escala e com consequências tão graves na economia. A lição que fica é que agora, mais do que nunca, não podem ser paralisados os trabalhos da reforma tributária, mas, pelo contrário, deve ser priorizado o seu andamento com a produção de um texto único pela Comissão Mista a ser discutido e votado no Congresso Nacional ainda esse ano.
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*Luiz Roberto Peroba é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Alice Correa é associada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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