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Obrigações tributárias e a inexigibilidade de conduta diversa em tempos de pandemia

Como consequência do isolamento social, diversas empresas tiveram o seu fluxo de caixa reduzido drasticamente ou totalmente zerado. Entretanto, a necessidade de manter em dia as contas, a folha de pagamentos, contratos com fornecedores e tributos, ainda permanece.

14/5/2020

Com a propagação do coronavírus e o aumento significativo das mortes, fez-se necessário adotar uma política rigorosa de isolamento por todo o mundo, inclusive no Brasil.    

Com isso, milhares de empresas foram compelidas a fechar suas portas, concedendo férias coletivas ou, então, promover a adaptação dos seus colaboradores para trabalhar em modo home office.

Fato é que, como consequência do isolamento social, diversas empresas tiveram o seu fluxo de caixa reduzido drasticamente ou, em certos casos mais drásticos, totalmente zerado.

Entretanto, a necessidade de manter em dia as contas, a folha de pagamentos, contratos com fornecedores e tributos, ainda permanece.

Com relação, especificamente, aos tributos, cumpre dizer que o não recolhimento/pagamento dos mesmos, em determinadas situações, poderá vir a ser considerado como crime tributário.

De fato, segundo o que se infere do artigo 2º, inciso II, da lei 8.137/90, constitui crime tributário “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.

Deste modo, o contribuinte que não recolhe o tributo no prazo legal, após tê-lo descontado ou cobrado junto ao contribuinte, estaria sujeito à aplicação da referida norma penal.

Contudo, voltando a falar do nosso atual momento de crise, é bom ressaltar que, sobrevindo a impossibilidade financeira do responsável tributário, o Direito Penal pátrio prevê uma saída que o permite deixar de recolher o tributo, sem que isso acarrete, por si só, a sonegação fiscal.

Com efeito, em situações que tais, poderá ser aplicada a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, a qual, em miúdos, autoriza o cidadão, diante da total incapacidade financeira, a deixar de pagar o tributo, simplesmente porque não possui outra alternativa.

Referida excludente possibilita, justamente, que, em virtude de comprovada carência de recursos econômicos, o contribuinte/empresário, por não ter outra escolha, deixe de recolher os tributos, para assim evitar a inviabilidade da sua atividade empresarial/indústria e, desta forma, manter seus compromissos com colaboradores, empregados e fornecedores.

Desta forma, o empresário que, mesmo tendo efetuado o desconto das contribuições sociais/tributos dos seus empregados/clientes, deixa de recolhê-las no prazo legal, com o fim de assim manter ativa a sua atividade econômica e, por consequência, evitar a demissão dos seus funcionários, não incorrerá no cometimento de crime fiscal.

Entretanto, não pode o empresário simplesmente deixar de recolher o tributo e esperar que nada aconteça, visto que, mesmo diante dos problemas financeiros, é necessário efetuar o seu lançamento nos livros e documentos fiscais da empresa (ainda que não pretenda efetuar o pagamento).

Além disso, para que a excludente produza seus efeitos, é preciso que o contribuinte comprove, cabalmente, que está deixando de recolher o tributo porque não tem outra opção. Ou seja, é preciso ficar muito bem demonstrado que ele deixa de cumprir com suas obrigações tributárias para assim conseguir manter a sua empresa/negócio em atividade e, claro, suportar o pagamento de salários e outros gastos (absolutamente) necessários à pessoa jurídica.

Entretanto, convém mencionar que a aplicação da inexigibilidade de conduta diversa reclama certos “sacrifícios” do responsável tributário, tais como a venda de patrimônio próprio, busca de empréstimos bancários, venda de ativos da empresa, etc. Ou seja, não adianta a pessoa jurídica estar em situação difícil se, na vida pessoal, o seu sócio efetua gastos vultosos, possui vasto patrimônio, grandes somas de dinheiro no banco, etc.

É preciso, pois, deixar claro que o não recolhimento das contribuições sociais/tributos descontados dos funcionários/clientes deve ser considerado como a “última alternativa” adotada. Do contrário, a excludente não será aplicada.

Daí, portanto, ser forçoso concluir que, em razão da crise atual, aqueles empresários que estejam em dúvida a respeito de continuar, ou não, recolhendo os tributos/contribuições sociais (e assim, por consequência, colocar em risco a existência da própria empresa) têm uma alternativa legal e eficaz para não incorrerem no delito de sonegação fiscal, desde que, repise-se, façam a prova categórica da absoluta carência de recursos financeiros.

Vale lembrar que, uma vez superado o momento de crise, o empresário/contribuinte deverá pagar os tributos lançados. Enfim, a incidência da excludente não pode ser compreendida como uma “carta branca” dada ao contribuinte, para alforriá-lo dos seus compromissos fiscais, mas, sim, apenas como uma possibilidade de recolher o tributo “fora do prazo legal”.

Ou seja, a excludente poderá até resolver a questão sob o aspecto criminal (afastando a culpabilidade e, por consequência, o crime), mas, na esfera tributária, a dívida continuará sendo exigida.

 _________

*Euro Bento Maciel Filho é mestre em Direito Penal pela PUC/SP. Também é professor universitário, de Direito Penal e Prática Penal, advogado criminalista e sócio do escritório Euro Maciel Filho e Tyles – Sociedade de Advogados.

*Henrique de Matos Cavalheiro é pós-graduando em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura, advogado criminalista e associado do escritório Euro Maciel Filho e Tyles – Sociedade de Advogados.

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