A nova dimensão que o exercício da advocacia adquiriu, na medida em que o trabalho individual, à moda artesanal, foi sendo substituído pela atuação das modernas sociedades de advogados, cuja estrutura se aproxima, em muitos casos, da organização adotada por grandes empresas, sugere natural reflexão quanto a saber se os meios de publicidade que lhe são franqueados atenderiam a essa nova realidade. A matéria é disciplinada no Código de Ética e Disciplina da OAB (arts. 39/47) e no provimento 94/00, do Conselho Federal, tendo aquele menos de quatro anos de vigência e nele havendo sido introduzidas novas regras, não previstas no último. O alicerce das disposições regulamentares contidas em ambos os diplomas normativos situa-se no Estatuto da Advocacia e da OAB (lei 8.906, de 4/7/94), que, ao mesmo tempo que defere ao Código de Ética a regulação da publicidade profissional (art. 33), estabelece proibições a determinadas condutas, nesse campo, ao definir como infrações disciplinares, no seu art. 34, o procedimento que implique valer-se o advogado de agenciador de causas (inciso III) ou o de angariar ou captar causas, com ou sem intervenção de terceiros (inciso IV).
A disciplina da ética na advocacia tem seguido, entre nós, tradicionalmente, desde o primeiro Código, aprovado em 1934, o modelo francês, que dá à publicidade caráter meramente informativo, pautado pela discrição dos meios utilizados, diferentemente do modelo americano, que prefere atribuir-lhe sentido persuasivo, admitindo, por isso, formas mais incisivas de divulgação dos serviços profissionais. Segundo o nosso Código de Ética, por exemplo, não se admite a publicidade veiculada por meio de rádio, cinema e televisão (art. 40, I), o que nos Estados Unidos, em geral, é permitido. Do mesmo modo, outras formas de publicidade, próximas da propaganda comercial, como o uso de outdoors ou de painéis luminosos, são vedadas pelo nosso Código (art. 40, II). Mas a publicidade veiculada pela internet ou por outros meios eletrônicos será lícita, desde que observe os padrões de discrição que o Código exige (art. 46, caput). Já a colaboração em jornais ou a eventual participação em programas de rádio e tv não podem servir ao advogado como instrumentos de publicidade, por serem suscetíveis de ensejar a captação de clientela (arts. 41/43).
A flexibilização das exigências que cercam a publicidade profissional ou a ampliação dos meios que possam ser utilizados para esse fim são hipóteses bastante delicadas, porque dificilmente isso se fará sem que se crie o risco da captação de clientela ou sem que se estabeleçam condições para uma concorrência incompatível com a natureza liberal da profissão. Este é o ponto. A advocacia é profissão liberal, como tal considerada, a teor do que dispõe o CC no art. 966, parágrafo único, em razão do trabalho intelectual, de natureza científica, que envolve. Seu exercício será sempre pessoal, porquanto o advogado é constituído mandatário da parte por procuração outorgada em caráter individual, embora o instrumento de mandato indique a sociedade de que faça parte (Estatuto da Advocacia, art. 15, § 3º). A sociedade é mero suporte operacional do trabalho do advogado. De modo que a advocacia jamais comportará tratamento similar ao das empresas no que diz respeito à publicidade. As empresas lidam com bens e serviços, o profissional liberal trabalha com as criações do espírito. Há, sem dúvida, sob certos aspectos, muita proximidade entre a atuação das sociedades de advogados e a atividade empresarial, o que vem despertando a atenção dos advogados para novas questões de ordem ética com que passam a defrontar-se à medida que as relações profissionais estabelecidas, nesse contexto, se tornam muito mais complexas que as relações corriqueiras da advocacia individual. Mas o objeto da propaganda dos produtos oferecidos no campo da indústria, do comércio ou da prestação de serviços comuns não se confunde com o objeto da publicidade de que pode valer-se o profissional liberal, para se tornar conhecido e vir a merecer a confiança do cliente. Daí, aliás, a distinção entre propaganda e publicidade. Aquela apregoa e propaga, esta apenas apresenta e divulga.
Compreende-se que os novos advogados, ansiosos por firmar-se no campo profissional e precisando, por isso, fazer conhecidos o nome, a especialização e a sede de sua atividade, sintam-se na contingência de valer-se de meios publicitários de maior impacto ou de mais fácil penetração junto aos potenciais clientes. É preciso considerar, contudo, que a maior abertura que, eventualmente, se dê nessa matéria pode ser-lhes desfavorável, porque maior será também o poder de financiamento dos meios inerentes a uma publicidade mais sofisticada por parte dos grandes escritórios.
Criar meios mais diversificados de publicidade ou permitir que a forma ou os termos por que esta seja veiculada se tornem mais aparatosos ou incisivos é uma providência de alto risco sob outro aspecto: o da concorrência profissional. A competição não se mostra consentânea com a advocacia, porque ela implica disputa de clientela e esta não se faria sem a prática da captação, vedada, como se notou, pelo Estatuto da Advocacia. Uma publicidade exercida, ostensivamente, com vistas a angariar clientes, importaria, ademais, no oferecimento de serviços. E os serviços profissionais do advogado não equivalem a mercadorias que se ponham à venda. Lembre-se da norma contida no art. 5º. do Código de Ética: O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.
Cremos que não há muito o que inovar nessa matéria. Uma regulamentação mais completa do uso da internet e dos meios eletrônicos, em geral, para fins de publicidade profissional, poderá ser feita, mediante provimento, não requerendo alteração do Código de Ética. E é nesse sentido que o Conselho Federal da OAB, provavelmente, caminhará, preservando as disposições do seu recente Código de Ética.
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*Paulo Roberto de Gouvêa Medina é professor Emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Foi Conselheiro Federal da OAB, tendo participado da elaboração dos dois últimos Códigos de Ética e Disciplina do advogado. Relator originário e para sistematização final do Código vigente. Publicou, pela Forense/GEN, os Comentários ao referido Código, em 2016 (2ª. Tiragem). É titular da Medalha Rui Barbosa (2014), tendo assento, nessa condição, no Conselho Federal da OAB.