Muito se tem discutido, legitimamente, sobre as políticas e programas editados pelos Governos Federal e Estaduais, para contenção do novo coronavírus e da pandemia por ele provocado. O presente artigo visa tratar de uma das hipóteses de medidas de enfrentamento, sim, mas que pode ser adotada pelas empresas, quanto à crise econômico-financeira que inevitavelmente vem logo a seguir.
Abordaremos, adicionalmente, as possibilidades empresariais quanto aos débitos trabalhistas, já que, com a adoção do isolamento social e determinação de fechamento de diversas atividades pelo Governo, os custos com as folhas de pagamento das empresas foram os primeiros calos a apertar, por assim dizer, nos calcanhares dos empregadores.
As Medidas Provisórias, em especial as de número 927 e 936, trouxeram alternativas trabalhistas para adequação ao estado de calamidade pública. Apesar do esforço dispendido na edição dessas normas, é possível que, passados os cento e vinte dias de sua vigência, ou mesmo antes, as possibilidades ali previstas não sejam suficientes para evitar a extinção de empregos e de empresas.
De outro lado, a Recuperação Judicial é vista, por alguns empresários, como um atestado de incompetência da gestão ou um ato de “picaretagem, fraude, crime contra e economia popular, gestão temerária”, como diz o ex-Presidente do Banco Central do Brasil e economista, Gustavo Franco. Contudo, é preciso desmistificar esse pré-conceito criado, e passar a entender que, estudada com a cautela devida, a chamada “RJ” pode vir a ser a melhor medida para enfrentamento da crise e retomada da saúde financeira da empresa.
E não só para grandes empresas, mas, ainda, para microempresas e empresas de pequeno porte, as quais poderão apresentar, inclusive, plano especial de recuperação judicial, nos termos da Lei 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial).
Conforme dispõe o Art. 47, da supracitada lei, a RJ tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, dos empregos e interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, da sua função social e o estímulo à atividade econômica.
A adoção de tal medida serve para evitar que a empresa encare uma dificuldade financeira maior, a ponto de ser irreversível, e, assim, não haver outra solução se não o seu fechamento.
Não só no momento pandêmico atual, mas nele sobretudo, empresários em difícil situação financeira precisam ponderar e mensurar o momento adequado para requerer a recuperação.
Tratando especificamente dos débitos trabalhista, seus respectivos titulares têm posição privilegiada na lista de credores da empresa. Compõem a primeira lista para pagamento, consoante Art. 41, Inciso I, da Lei de RJ.
Segundo o Art. 35, Inciso I, Alínea “a” da Lei, os ex-empregados participam da Assembleia Geral de Credores, a “AGC”, responsável pela “a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor;”.
E mais. Em caso de não poderem comparecer, pessoalmente, à AGC, podem se fazer substituir, inclusive, pelo sindicato representativo de sua categoria, quando a ele associados, conforme previsão do Art. 37, Parágrafo 5º, da Lei da RJ.
O Art. 50, daquele mesmo diploma normativo, traz um rol exemplificativo de meios que podem ser adotados para recuperação, dentre eles, concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas e possibilidade de redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva.
Assim, vê-se que inúmeras são as alternativas para mitigar o ônus da empresa em dificuldades em relação ao crédito trabalhista e que estejam em recuperação. Pode haver flexibilização para quitação do débito com os ex-empregados; há a possibilidade de suspensão por cento e oitenta dias, contados da homologação do Plano de Recuperação Judicial, quanto as execuções trabalhistas em processos judiciais; e o Art. 5º, Inciso II, da lei, dispõe que as empresas recuperandas não arcam com os custos suportados pelos credores para poderem participar da recuperação judicial.
Enfim, a lei existe para que a entidade empresarial subsista às dificuldades, mantenha-se em atividade, preserve empregos e cumpra sua função social. A crise não espera. Quanto antes o empresário reconhecer a sua situação e optar por um diagnóstico e medidas orientadas por profissionais da área, maiores serão suas chances de permanência no mercado.
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*Gabriela Japiassú de Medeiros é advogada, especialista em direito do trabalho e processual do trabalho, sócia, em Recife/PE, do escritório de advocacia Martorelli Advogados e professora universitária do Centro Universitário Brasileiro - Unibra.
*Mariana Castelo Branco é advogada, especialista em direito do trabalho e processual do trabalho, sócia, em Recife/PE, do escritório de advocacia Martorelli Advogados.