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As associações civis em tempos de pandemia: Necessidade de uma imediata definição

Dentre as medidas pensadas no âmbito do direito privado, destaca-se a iniciativa legislativa emergencial constante do PL 1.179/20, de autoria do senador Antonio Anastasia.

13/5/2020

Inúmeras iniciativas legislativas estão sendo adotadas (e pensadas) no Brasil e no mundo em razão da pandemia instaurada pelo covid-19, todas com o objetivo de se estancar, ainda que episodicamente, dúvidas e incertezas no âmbito econômico, jurídico e social.  

Dentre as medidas pensadas no âmbito do direito privado, destaca-se a iniciativa legislativa emergencial constante do PL 1.179/20, de autoria do senador Antonio Anastasia, tendo como escopo a adoção de um Regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do coronavirus (covid-19) – (“RJET”). Atualmente, o projeto de lei se encontra na Câmara dos Deputados para análise em regime de urgência, para possíveis revisões e sugestões de emendas, atualmente com relatoria do deputado Federal Enrico Misasi (SP).

A comunidade jurídica tem debatido fortemente o aludido projeto. Todavia, as discussões acabaram por se concentrar nas repercussões contratuais do projeto, considerando, por óbvio, as milhares de medidas judiciais que, mesmo em tempos de interrupção de prazos processuais, assolaram o Poder Judiciário nacional com pedidos de revisão, suspensão e até mesmo de resolução dos contratos em vigor em razão da superveniência da impossibilidade (definitiva ou temporária) da prestação devida em tempos de pandemia, ou, para alguns, pela superveniência da excessiva onerosidade em se cumprir a prestação.  

Todavia, com o avançar dos meses (e iminência do fechamento do primeiro semestre de 2020), outra questão relevantíssima no âmbito do direito privado impõe um enfrentamento imediato por parte dos operadores do direito. Destaco aqui o funcionamento das associações de direito privado em tempos de pandemia, notadamente a implementação de suas reuniões periódicas e Assembleias Ordinárias e Extraordinárias (AGO’s AGE’s).

Vale apontar que, em relação as pessoas jurídicas de direito privado, o PL 1.179/20 traz importantes dispositivos para o momento de crise e imposição de afastamento social.  

O projeto, em seu artigo 4º. e 5º, restringe a realização de reuniões e Assembleias presenciais até o dia 30 de outubro de 2020 (previsto para vigência da lei), observadas as determinações sanitárias das autoridades locais, permitindo com que tais atos, neste prazo excepcional, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica, sejam realizados por meio eletrônico.  

Neste caso, a manifestação de participantes em assembleia poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, produzindo todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.

Ocorre que, enquanto não aprovado o PL 1.179/20, ficamos diante de uma incerteza: como deverão agir as associações, especialmente aquelas com previsão estatutária de AGO’s para o primeiro semestre de cada ano, sem previsão ou regra específica sobre reuniões periódicas à distância e nem mesmo previsão sobre a admissibilidade das chamadas “Assembleias Virtuais”?

Os Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas da cidade de São Paulo já começaram a enfrentar problemas e receberem consultas nesse sentido. A ausência de previsão estatutária de uso de qualquer meio eletrônico seria, para maioria dos delegatários do aludido serviço público, impeditivo para realização do registro das assembleias. Assim, enquanto não aprovado o projeto de lei, dirigentes e conselheiros se veem de mãos atadas e, ainda que se duvide sobre eventual responsabilização pessoal, o fato é que as associações correm o risco de se ver paralisadas enquanto não definido o destino do PL 1.179/20 às pessoas jurídicas de direito privado no âmbito do Congresso Nacional.

Para tais situações, enquanto não aprovado o projeto - e sem prejuízo de sua aplicação retroativa ou edição de MP específica - considerando, ademais, a identidade de escopo, entendemos perfeitamente aplicável o regime da medida provisória 931/20, diploma voltado às sociedades limitadas, sociedades anônimas e cooperativas que, além de prorrogar alguns marcos legais de aprovações de contas, admitiu expressamente a possibilidade de reuniões virtuais.  Aliás, grande parte desta medida provisória acabará incorporada pelo PL 1.179/20.

No caso, o artigo 7º da medida provisória 931/20 (já em vigor, portanto) altera o artigo 1080-A do Código Civil, admitindo voto e participação do sócio à distância em reunião e assembleia, também aplicável às companhias abertas (lei 6.404/76). A mesma medida provisória admite que em cooperativas (lei 5.764/71) o “associado” também participe de assembleias e reuniões de maneira virtual. Note-se aqui que as cooperativas, por serem detentoras de relevante participação econômica no país, acabaram sendo agraciadas pela vigência imediata da admissibilidade de assembleias virtuais.

O que se quis atender, no caso da medida provisória 931/20, foi a orientação das autoridades sanitárias em tempo de pandemia e, ao mesmo tempo, prestigiar o sagrado direito à participação dos membros nos destinos da pessoa jurídica, tudo de maneira imediata.

Enquanto não aprovado o PL 1.179/20, por que não se admitir a aplicação analógica da medida provisória 931/20 também para as associações, permitindo reuniões e assembleias virtuais sem prévia autorização estatutária, ainda que mediante convalidação por parte dos associados?

O assunto reclama rápida solução, razão pela qual entendemos que a medida provisória deve, sim, ser aplicada imediatamente às associações.

Outra questão relevante --- mas que vem sendo confundida e discutida no mesmo campo das relações contratuais --- envolve o suposto direito do associado em suspender a contribuição associativa em razão da superveniência da pandemia. Haveria, neste caso, direito subjetivo do associado em suspender tais contribuições?

Preliminarmente, importante destacar que o regime associativo não é contratual, não há bilateralidade, sinalagma ou interesses contrapostos a serem considerados, já que todos comungam dos mesmos interesses sociais, razão pela qual não se mostra aplicável a tais situações invocações de excessiva onerosidade (CC, art. 478), por exemplo, para não pagamento de suas contribuições.

Isso não quer dizer que a superveniência da impossibilidade de muitas das utilidades prestadas pelas associações (que se tornaram temporariamente impossíveis de ser oferecidas) e dificuldades subjetivas enfrentadas pelos associados (priorização de despesas, etc) não exija atenção por parte do corpo diretivo das Associações.

Nesse ponto, para que as entidades sem finalidade lucrativa não sejam afetadas, sobremaneira, aos efeitos da crise do covid-19, especialmente neste momento em que muitas delas estão atuando em prol da superação da crise, relevante a inclusão de dispositivo no âmbito do PL 1.179 para dirimir tal questão. Alegações de fortuito ou força maior para fins de não pagamento de contribuições associativas não se mostram adequadas, especialmente pelo fato das contribuições associativas não figurarem, repita-se, dentre as relações contratuais ou servirem de contraprestação a serviços determinados, sem prejuízo, todavia, de eventual imposição do dever aos dirigentes destas entidades o estudo para readequação de pagamentos e atrasos, segundo as necessidades e peculiaridades de cada entidade.

_________

*Diogo Leonardo Machado de Melo é mestre e doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Pós-doutor em ciências jurídico-civis pela Universidade de Lisboa. Professor da faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Diretor administrativo do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.

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