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Atos governamentais de fechamento de estabelecimentos e o “Fato do Príncipe”

No Brasil, diversos governantes estaduais e municipais passaram a assinar decretos prevendo a chamada “quarentena”, estabelecendo o fechamento de estabelecimentos cujas atividades não são consideradas essenciais.

13/5/2020

Na primeira quinzena do mês de março do ano corrente a Organização Mundial da Saúde – OMS - declarou a pandemia de covid-19 servindo de alerta para que todos os países adotassem ações para conter a disseminação do vírus.

Com isso, no Brasil, diversos governantes estaduais e municipais passaram a assinar decretos prevendo a chamada “quarentena”, estabelecendo o fechamento de estabelecimentos cujas atividades não são consideradas essenciais.

Além disso, algumas medidas provisórias foram editadas para o enfrentamento da Pandemia com o intuito de diminuir prejuízos econômicos em todo o país. No entanto, para algumas empresas ou setores as Medidas editadas podem não ser sido suficientes, podendo levar ao encerramento de suas atividades, especialmente empresas que atuam em setores não essenciais que se viram diante da impossibilidade - do desenvolvimento de suas atividades  - total ou parcial – por um período indeterminado de tempo.

Considerando este cenário, veio à tona um instituto do direito que pouco ouvíamos falar, o “Fato do Príncipe”, utilizado no direito administrativo ao tratar dos contratos e da possibilidade jurídica de sua alteração, em resumo trata-se de um ato administrativo realizado de forma legitima, mas que causa impactos nos contratos firmados pela administração pública, sem possuir relação direta com o contrato firmado, apenas produzindo efeitos sobre ele seja para onerar, dificultar ou impedir a satisfação de determinada obrigação, ocasionando desequilíbrio econômico em detrimento do contrato1.

Mas o que realmente chamou à atenção nos últimos dias foi a possibilidade da aplicação do “Fato do Príncipe” no direito do trabalho, apesar de ser uma previsão antiga na legislação trabalhista pouco se ouvia falar de sua efetiva aplicação. O Artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho prevê o pagamento de indenização pelo governo responsável, no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade.

Os doutrinadores ensinam que para a caracterização do “fato do príncipe” no âmbito do direito do trabalho é necessário preenchimento de alguns requisitos, são eles: inexistência de concurso direto ou indireto do empregador no acontecimento, imprevisibilidade do evento, necessidade de que o evento afete ou seja suscetível de afetar substancialmente a situação econômica da empresa impossibilitando sua continuidade.2

Em resumo, diferentemente do que acontece no direito administrativo, o fato do príncipe nas relações de trabalho pressupõe a impossibilidade de continuação da atividade do empregador em decorrência exclusiva do ato da administração pública pelo qual decorre a paralisação total ou parcial das atividades.

Assim, ante as ações municipais, estaduais e federais para enfrentamento da disseminação do covid-19, muito cogitou-se a respeito do fato do príncipe para empresas que foram obrigadas a encerrar definitivamente suas atividades.

Ainda que tenham posicionamentos contrários, sob a alegação de caráter excepcional da pandemia e a natureza coletiva das restrições serem advindas de uma preocupação coletiva com a saúde pública, com o intuito de preservar a vida e a dignidade da pessoa humana, a verdade é que a legislação não exclui o momento atual como uma possibilidade de aplicação do  “Fato do Príncipe”, sendo essa uma possibilidade real à situação que muitos empresários estão vivendo, já que preenchidos todos os requisitos legais para sua configuração.

Cabe destacar que o artigo de lei delimita que deverá haver nexo de causalidade entre o ato de autoridade e a paralisação da atividade desempenhada pelo trabalhador na execução do contrato de trabalho desde que demonstre prejuízo financeiro exclusivamente ocasionado pela paralisação, resultando na impossibilidade de manutenção dos contratos de trabalho.

E porque a aplicação do “Fato do Príncipe” deve ser considerada pelos empregadores? Porque a rescisão contratual fundamentada no “Fato do Príncipe” resulta no pagamento das verbas rescisórias pelo órgão público e não pelo empregador, já que pela dificuldade financeira em que se encontra não conseguirá assumir essa responsabilidade.

E por isso que, apesar de alguns posicionamentos contrários, a hipótese do fato do príncipe, pode e deve ser admitida como alternativa aos empregadores que não consigam sustentar as consequências decorrentes das medidas de contenção da pandemia e, havendo dispensa individual ou coletiva, o Estado, deverá arcar com as verbas da indenização rescisória.

Destacando apenas que a indenização que faz referência a legislação diz respeito as verbas exclusivamente devidas face a rescisão contratual, correspondendo ao aviso prévio, 40% do fundo de garantia e eventuais estabilidades. As demais verbas decorrentes das responsabilidades contratuais (saldo de salário, férias, décimo terceiro, entre outras) permanecem a cargo do empregador.

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1 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, edição 32ª, 2019.

2 JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. A decisão do STF e a multa fundiária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5n. 481 dez. 2000. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 abr. 2020.

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*Pamella Maria F. Iglesias S. Abreu é pós graduada em Direito e Processo do Trabalho. Advogada do escritório Chalfin, Goldberg, Vainboim Advogados.

 

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