A educação acadêmica universitária, foco do presente trabalho, há muito tempo vem sendo questionada a respeito da frequência de alunos que, por motivo de uma determinada crença, não podem comparecer à instituição no período de guarda religiosa, não realizando, desta forma, as atividades ou provas agendadas pela instituição de ensino. A crença religiosa, mais especificamente dos chamados sabatistas, não permite a realização de atividades desde o pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado.
Inicialmente, a respeito do tema em questão, os tribunais enfrentaram um verdadeiro dilema entre a liberdade religiosa e o direito à educação no âmbito da Constituição que propaga a laicidade, considerando uma quebra do princípio da isonomia e um privilégio desmedido quando confere a um reduzido número de alunos, que pertençam a um determinado credo, o direito de postergar sua obrigação acadêmica, em detrimento dos demais que seguem a regra imposta pela instituição, contrariando, desta forma, o disposto nos incisos VI e VIII do artigo 5º da Constituição Federal.
Ainda no texto da Carta Magna, interessante – e curioso – o destaque que o legislador conferiu à tradicional “chamada”, ato realizado pelos professores como forma de verificar a presença do aluno em sala de aula. A previsão constitucional da chamada é encontrada no §3º do art. 208, que assim dispõe: “Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola. ”
Na senda constitucional, a Lei de Diretrizes e Bases (lei 9.394/96), que traça a estrutura de toda educação nacional, como não poderia deixar de ser, considera obrigatória a presença de aluno em cursos presenciais quando proclama no § 3º do art. 47 que “é obrigatória a frequência de alunos e professores, salvo nos programas de educação a distância.” De forma abrangente, atendendo a todas as hipóteses, a mesma legislação confere ao aluno o direito de computar até 25% de faltas em cada disciplina. Excedido o porcentual, mesmo se aprovado por notas, permanece a reprovação.
Há, no entanto, alguns casos legais de abono de faltas: a) pelo decreto-lei 715/69, para aquele aluno matriculado em órgão de formação da reserva ou reservista; b) Pelo decreto 85.587/80, para o aluno oficial ou aspirante-a-oficial da reserva; c) aluno com representação na CONAES e que tenha participado das reuniões; d) decreto-lei 1.044/69, que possibilita a substituição das faltas por exercícios domiciliares, observando que referidas atividades não compreendem as práticas ou estágios profissionais, pois não podem ser cumpridas nesse regime, não completando, desta forma, o processo de aprendizagem; e) lei 6.202/75, que confere às alunas grávidas três meses de licença a partir do oitavo mês de gestação, com direito ao regime de exercício domiciliar. Há o projeto de lei 2.350/15, que aumenta o período de exercícios domiciliares às estudantes grávidas ampliando o benefício para seis meses.
A lei 12.142/05, do Estado de São Paulo, trouxe importantes inovações. Uma delas confere ao aluno regularmente matriculado nos estabelecimentos de ensino público ou privado, do ensino fundamental, médio ou superior, a aplicação de provas em dias não coincidentes com o período de guarda religiosa, podendo requerer em substituição à sua presença em sala de aula, a apresentação de trabalho escrito ou qualquer outra atividade de pesquisa acadêmica.
No início de 2019, o presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, sancionou a lei 13.796/19, que alterou parcialmente a Lei de Diretrizes e Bases, para estabelecer, em razão de escusa de consciência, prestações alternativas à aplicação de provas e à frequência às aulas realizadas em dia de guarda religiosa, beneficiando estudantes de diversas crenças.
Pela nova legislação, o aluno deverá apresentar requerimento prévio e motivado, segundo os preceitos de sua crença, justamente para satisfazer o requisito constitucional de liberdade de consciência e de crença, justificando sua ausência da atividade que coincida com a data vedada pela sua religião.
A instituição de ensino, sem qualquer ônus para o aluno, dentro de suas possibilidades, oferecerá duas prestações alternativas ao aluno que se ausentou em razão de motivação religiosa: a) prova ou aula de reposição no turno de estudo do aluno, ou em outro horário, se tiver sua anuência; b) trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de pesquisa, em data de entrega definida pela instituição.
Cumprida a exigência selecionada, regularizada a falta do aluno, caem por terra as disposições contrárias.
Por fim, merece destaque o cenário excepcional que a educação brasileira está experimentando em razão da pandemia de covid-19. As recomendações sanitárias de evitar aglomerações e manter o distanciamento social – incompatíveis com o ensino presencial – fizeram com que o Ministério da Educação editasse a portaria MEC 343, de 17 de março de 2020, autorizando, por trinta dias, a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia. Findo o prazo estipulado, o MEC editou nova portaria 395, em 15 de abril de 2020, prorrogando por mais trinta dias. Importante mencionar que as portarias do Ministério da Educação são atos normativos temporários e não prejudicam os direitos estabelecidos nas leis supramencionadas, que são leis permanentes.
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*Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é mestre em Direito pela Unesp/Franca, doutorando em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru, Coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário do Norte Paulista - Unorp - São José do Rio Preto, advogado.