Com a paralisação da economia provocada pela pandemia do covid-19, muitas empresas têm encontrado enorme dificuldade financeira para fazer frente às suas obrigações de natureza mercantil, trabalhista, tributária, dentre outras. Um dos caminhos utilizados pelas empresas para enfrentar tal problema tem sido a tentativa de recuperação dos seus créditos junto aos devedores.
Nesse sentido, na ausência de uma solução amigável, algumas empresas passam a buscar medidas coercitivas de recuperação de crédito, tanto de caráter judicial (ações de cobrança, execuções etc.), quanto extrajudicial, neste caso com especial destaque para o protesto de títulos, definido como “o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”1.
Observa-se, no entanto, que a utilização do protesto de títulos tem encontrado algumas barreiras no atual momento de pandemia, notadamente àquelas impostas pelo Poder Judiciário que, em recentes decisões, vem desidratando e enfraquecendo tal medida coercitiva extrajudicial de recuperação de crédito2. Nesse sentido, a Justiça Paranaense proferiu recente decisão para suspender por 30 (trinta) dias o protesto tirado contra uma empresa, sob o argumento de que a medida, adotada durante o período da pandemia, poderia gerar dano à empresa que ficaria impossibilitada de obtenção de crédito3.
Na mesma linha, nos autos de Ação Civil Pública movida pelo Sindicato de hotéis, restaurantes, bares e similares de Pouso Alegre/MG, a Justiça Mineira proferiu recente decisão determinando a suspensão e/ou o registro de protestos e possíveis negativações de estabelecimentos representadas pelo mencionado Sindicato, durante o período de pandemia, utilizando o fundamento de que são “incontestáveis os efeitos econômicos que advêm de referida medida e, consequentemente, necessitarão das linhas de crédito criadas pelo governo, de modo que a existência de negativações impossibilitará a utilização dos recursos.”4
Semelhante ratio, aplicada para suspender o protesto de títulos envolvendo relações privadas, tem sido também empregue pelos Tribunais para – em ações de natureza tributária - coibir o Fisco de promover a inscrição de empresas devedoras no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados – CADIN, por entender que tais medidas “podem de forma imediata sonegar do empresário a manutenção de sua atividade nesta situação de excepcionalidade”.5
Importante ressalvar que as atuais restrições impostas às medidas extrajudiciais (protesto de títulos, inscrição no CADIN, dentre outros), não têm sido aplicadas pelo Poder Judiciário em relação às medidas coercitivas judiciais, ou seja, ao credor permanece garantido o direito de exigir judicialmente a satisfação de seu crédito, ainda que no atual período de pandemia.
Em tempos de covid-19, portanto, a despeito de permanecer íntegro o direito de crédito, alguns mecanismos para a sua satisfação (em especial o protesto de títulos) têm encontrado restrições impostas pelo Poder Judiciário, notadamente àqueles que podem inviabilizar a obtenção de crédito e, por consequência, a própria manutenção da atividade da empresa inadimplente.
Por fim, e como estímulo à reflexão, se a jurisprudência se consolidar no sentido de legitimar a suspensão do protesto das empresas inadimplentes durante o período emergencial decretado em razão da covid-19, em última análise, considerando indevido o protesto, o Poder Judiciário possibilitará a tais empresas inadimplentes não apenas requererem a suspensão do protesto, mas também pleitearem eventual indenização pelos prejuízos que tal protesto vier a lhes causar.
1 Artigo 1º da lei 9.492/97.
2 Como as decisões judiciais trazidas neste artigo não dizem nada a respeito especificamente do protesto de letra de câmbio, fica aberta a discussão: deveria se limitar o uso do protesto pelo credor (portador) apenas contra o devedor principal ou também contra o sacador, o endossadores e os avalistas da letra (protesto cambiário necessário), caso em que se retiraria do credor o direito de regresso contra estes últimos se o protesto não se realizar “em tempo útil” (artigo 32 do decreto 2.044/08).
3 Agravo de instrumento 0019112-36.2020.8.16.000.
4 Processo: 5003831-13.2020.8.13.0525.