Devo iniciar este artigo informando que seu autor é apartidário, não tendo qualquer relação com qualquer político ou suas legendas, tratando-se de opinião legal acerca dos hipotéticos crimes cometidos pelo ex-Ministro Sérgio Moro (e pelo Presidente Jair Bolsonaro), narrados durante o pronunciamento de sua demissão, no dia 24 de abril de 2020, deixando-se claro o respeito ao princípio da presunção de inocência e ao devido processo legal que devem nortear a investigação contra ambos, haja vista ser necessária produção de provas dos fatos especulados, nada obstante, a partir deles, seja possível, neste instante, fazer uma interpretação jurídica.
Não vou dissecar os atos do ex-Ministro Sérgio Moro enquanto juiz, mas, superficialmente, pode-se dizer restou claro que praticou atos ilegais em várias oportunidades, a exemplo de vazamentos de grampos telefônicos de réus da operação “lava jato” e das posteriores conversas “íntimas” com membros do Ministério Público Federal (MPF), reveladas pelo canal The Intercept/br.
Na sua breve passagem como Ministro da Justiça, teve destaque a concepção do pacote “anticrime”, que foi sancionado com o acréscimo de um instituo que ele verbalizou não ser a favor: o Juiz das Garantias.
Mesmo em meio à pandemia terrível que afeta o mundo, ele pediu demissão do cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública, agravou a crise política e econômica do país, e fez graves acusações contra o Presidente Jair Bolsonaro que impactam diretamente nos seus atos, o que pareceu, numa comparação eivada de atecnia, ser a construção de uma (culposa, por assim dizer) delação premiada.
No seu pronunciamento, o ex-Ministro acusou o Presidente da República de falsificar ideologicamente documento público (art. 299 CP), por ter informado, em decreto, que a exoneração do então diretor-geral da Polícia Federal (PF) Maurício Valeixo teria sido “a pedido”, quando, na verdade, foi uma decisão unilateral do Poder Executivo. Acusou-o também de crime de obstrução de justiça (Art. 1º, § º da Lei 12.850/2013), quando afirmou que o Presidente tinha preocupação e interesses em inquéritos em curso no STF e que a troca também seria oportuna por esse motivo. E ainda afirmou que o Presidente insistiu para a troca no comando da PF e disse que seria, sim, uma interferência política/pessoal, sugerindo a prática do crime de advocacia administrativa (Art. 321 CP).
Acontece que, enquanto acusava o Presidente Bolsonaro, por descuido ou de maneira proposital, o ex-Ministro confessou a prática de diversos delitos.
No início de seu “pronunciamento”, o ex-Ministro afirmou que colocou uma única condição para aceitar o cargo de Ministro, qual seja uma pensão (especial) para a sua família, caso algo lhe ocorresse. Só precisaríamos fazer uma única pergunta: de onde viria essa pensão? Ainda que fosse uma pensão especial, instituída via projeto de lei, não poderia o Presidente prometer algo, o que torna indevida tal benesse.
Este ponto é de suma delicadeza, pois envolve o justo receio de um ser humano em deixar sua família desemparada, mas como a abordagem, aqui, é hipotética, mas jurídica, podemos identificar a prática, em tese, do crime de corrupção passiva (Art. 317, CP), pois teria ele solicitado, para outrem, antes de assumir função pública, vantagem indevida. E aqui não podemos deixar de lembrar que no mesmo ato, pela promessa feita, cometeu Jair Bolsonaro o crime de corrupção ativa (Art. 333, CP).
A depender da dilação probatória, seria possível identificar o crime de concussão (art. 316 CP), quando, diferente da solicitação prevista no tipo penal da corrupção, há uma exigência de vantagem indevida. Mas, na hipótese atual, parece ter havido uma solicitação, pois o Presidente não se sentiu pressionado, podendo ter simplesmente negado tal exigência, mas, diferente, prometeu cumprir o que desejava Sérgio Moro.
Por outro lado, a acusação do Presidente de que teria o ex-Ministro, em conversa prévia à decisão de mudança do comando da PF, exigido ser indicado ao STF, gerou no Presidente a seguinte reação: “Me desculpe, mas não é por aí”. Neste caso, Crime de concussão parece juridicamente adequado ao suposto fato delituoso, pois, além do desconforto causado, tratou-se de uma imposição ao Presidente, que refugou da “condição”.
A jurisprudência (STJ – AGRG no REsp: 1675716 TS 2017/0137201-4, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 13/12/2018, T6 – SEXTA TURMA, DJE 04/02/2019) já definiu que, apesar de se analisar caso a caso, há um caráter intimidativo na conduta do delito de concussão, pois a exigência disposta no tipo penal é algo tão impositivo quanto uma ordem e, mesmo por isso, a doutrina compreende ser este crime uma forma de extorsão praticada por funcionário público. E mais um detalhe: concussão é crime formal, é dizer: se materializa no momento da exigência, sendo irrelevante a obtenção da vantagem.
Outro crime supostamente cometido pelo ex-Ministro seria o de prevaricação, pois ele afirmou que tomou conhecimento da ingerência ilegal perante o Superintendente da PF do Rio de Janeiro, que seria trocado sem que houvesse nenhum motivo para tanto. Neste caso, ele deveria ter imediatamente comunicado tal fato às autoridades. Se não o fez, praticou o crime de prevaricação (Art. 319 CP).
Então, no cenário atual, o Inquérito foi instaurado em face do Presidente, através de decisão do Ministro Relator Celso de Mello, após pedido do Procurador Geral da República (PGR) Augusto Aras. Concluída a investigação, havendo o oferecimento de denúncia, será necessária autorização da câmara dos deputados, por dois terços dos seus membros para a abertura do processo. Em caso de recebimento da denúncia, o Presidente da República é afastado por 180 dias. Não custa frisar que, enquanto não houver condenação, o Presidente da República não pode ser preso.
No entanto, não só o Presidente deve ser investigado, mas também o ex-Ministro, tendo em vista a sua própria “delação”. E caso nada seja provado, o ex-Ministro deverá responder pelo crime de calúnia contra o Presidente da República (Art. 26 da Lei nº 7.170/1983). É dizer: Sérgio Moro, de uma forma ou de outra, deverá se tornar réu em processo criminal devido aos fatos ilícitos revelados.
Bom, para quem tolheu a defesa, demonstrou parcialidade, se aliou ao MPF, restringiu direitos e garantias individuais, tudo isso no transcorrer da operação “Lava Jato”, será, para dizer o mínimo, interessante acompanhar como se defenderá o ex-Ministro nos procedimentos criminais que virá participar. Desejo-lhe um juiz diferente do que ele foi.
De tudo quanto se pode extrair do “chumbo trocado” é que, se tudo na vida tem um lado bom, não é o caso onde cujos atores são o ex-Ministro Sérgio Moro e o atual Presidente da República Jair Bolsonaro.
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*José Luiz Galvão é advogado Criminalista, sócio do GCTM Advogados, Mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP), Pós-Graduado em Ciências Penais pela Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG), LL.M. (Legal Law Master) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Conselheiro Estadual da OAB/PE e Presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização do Exercício Profissional da OAB/PE (COFEP/OAB/PE).