As tensões orçamentárias causadas pela pandemia atingem os gestores públicos, os prestadores de serviços e, também, as entidades sem fins lucrativos que operacionalizam equipamentos e programas culturais e outros no Estado de São Paulo.
O anunciado plano de austeridade para o Estado de São Paulo impõe o corte de gastos públicos, incluindo a redução imediata de despesas e a suspensão de novas contratações.
Contudo, a necessária reformulação do planejamento orçamentário não pode estar dissociada da observância dos princípios da eficiência, eficácia e efetividade.
A boa gestão exige uma revisão cuidadosa do plano de trabalho, cronogramas, cálculos de horas e das questões técnicas dos contratos mais complexos. Importante que eventuais reduções sejam antecedidas de critérios objetivos, sob pena de apenas favorecer o aumento do nível de desemprego e causar prejuízo às políticas públicas.
As alterações imediatas buscam preservar recursos financeiros para o combate da pandemia de covid-19, e não se confundem com a austeridade seguida pelo setor público desde 2016 que visa, em síntese, reduzir a instabilidade gerada na economia brasileira pela deterioração das contas públicas (emenda constitucional 95/16).
O atual plano governamental com o fim de reduzir despesas indica, pelo menos, dois eixos centrais: (I) reavaliação dos contratos de serviços contínuos (decreto 64.898/20) e (II) redução de despesas com custeio (decreto 64.936/20). Ambos são justificados pela necessidade de priorização de recursos para o combate à pandemia.
O primeiro traz diretrizes para a gestão contratual e determina aos órgãos e entidades da Administração Pública direta e autárquica a reavaliação dos contratos de prestação de serviços contínuos.
A averiguação contratual, porém, não deve ser aleatória, deve ponderar: a imprescindibilidade do serviço, hipótese em que o gestor poderá justificar a sua manutenção com os exatos valores pactuados; a necessidade parcial, o que autoriza redução de pelo menos 25% do valor contratado; ou a temporária ausência de necessidade, situação que impõe a rescisão do contrato, com o pagamento de indenização quando houver prova de dano.
Como visto, a ordem não é suspender e/ou alterar todo e qualquer contrato. Há necessidade de uma avaliação criteriosa.
Mas, sabemos que, muitas vezes, quando um gestor se sente pressionado, tende a seguir o caminho do corte total de despesas, ao invés de avaliar a possível otimização e/ou readequação de determinado serviço à situação real. O ajuste orçamentário sem a avaliação detalhada dos contratos em curso poderá causar ainda mais prejuízos àqueles que fornecem bens ou serviços à Administração, mas esses, se não alcançarem a solução administrativa, poderão socorrer-se do Judiciário.
O segundo eixo, agora trazido pelo decreto estadual (SP) 64.936/20, orienta os órgãos da Administração direta, autarquias, fundações e as empresas estatais a adotarem medidas imediatas para redução com custeio no período de abril a junho de 2020, exceto para as áreas da saúde, segurança pública, administração penitenciária, necessidades da Fundação Casa-SP e do Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo).
O governo estadual vedou, no âmbito de contratos gerais, a realização de (a) novas contratações relacionadas à locação (imóveis e veículos) e às obras; (b) termos aditivos para acréscimos de objetos aos contratos de prestação de serviços, consultoria, execução de obras ou reformas e compras; (c) aquisição de imóveis, móveis, veículos e equipamentos e (d) contratação de serviços de publicidade (não relacionados ao combate à epidemia) e também dos serviços técnicos especializados.
As diretrizes acima abrangem o setor privado fornecedor de bens e serviços aos órgãos da Administração Pública, causando, por consequência, redução financeira às pessoas físicas e jurídicas que não integram os quadros do governo, mas dele tem a provisão das suas rendas.
O decreto estadual 64.936/20 ainda estendeu orientações para organizações sociais que mantêm parcerias com o governo para fomento e execução de atividades em diversas áreas, entre as quais, a área da cultura.
Isso indica, por exemplo, a reavaliação dos contratos de gestão firmados para operacionalização dos museus, programas culturais e outros destinados à promoção de direitos (geridos por organizações sociais).
De acordo com o decreto, deverão ser preservadas as atividades imprescindíveis à manutenção do equipamento ou programa gerido e caberá ao órgão contratante observar as suas características e reduzir, proporcionalmente à diminuição das atividades desenvolvidas, o valor de repasse do Poder Público à organização social.
As organizações sociais são entidades privadas que devem ter sua autonomia de gestão preservada. Assim, a sugestão feita no decreto em discussão para adequação do valor de repasse à OS com a observância das medidas mitigadoras por parte da organização, em especial aquelas previstas nas recentes orientações das medidas provisórias 927/20, e 936/20 deve considerar as especificidades desse modelo de gestão.
Aqui vale recordar que a austeridade, entre outros impactos, tem histórico de ser prejudicial às políticas públicas, vez que o corte de gastos públicos normalmente abrange programas que beneficiam os menos favorecidos e são geridos por entidades sem fins lucrativos com dinâmica diferenciada.
Evidente que em tempo de calamidade pública não é fácil alcançar a receita correta para a gestão, notadamente quando o governo vê despencar suas arrecadações, mas, espera-se que as reavaliações orçamentárias considerem em qualquer hipótese as alternativas de adequações contratuais antes do corte dos gastos, e sejam pensados os vários formatos possíveis para a manutenção dos espaços e atividades direcionados à cultura e à promoção de direitos, ainda que de forma virtual no período da pandemia.
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