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Portaria da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho proibe a redução de jornada e salário ou a suspensão do contrato de trabalho de trabalhadores aposentados do grupo de risco do covid-19 – Incompetência ou irresponsabilidade?

A questão que fica é se essa relevante mudança trazida pela Portaria 10.486, que impactará a vida de milhares de trabalhadores e empresários - e que mudará situações já ajustadas e implementadas há dias com respaldo na MP 936 -, se deu por incompetência ou irresponsabilidade.

30/4/2020

Como é sabido, no dia 1º de abril de 2020 foi publicada a Medida Provisória (MP) 936, instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, além de dispor sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

A MP foi publicada após cerca de 3 (três) semanas de promessas por parte do Poder Executivo, com o objetivo de preservar o emprego e a renda, garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e, ainda, reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

Em suma, a MP nº 936 autorizou a pactuação, individual ou coletiva, de acordos de redução proporcional de jornada e salário (25%, 50% ou 70%) ou de suspensão do contrato de trabalho, tendo previsto que os trabalhadores que fossem incluídos numa dessas condições receberiam, além de uma garantia de emprego, o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) pago pela União Federal no prazo de 30 (trinta) dias após a celebração do acordo, desde que o Ministério da Economia fosse comunicado da aludida pactuação em até 10 (dias) e que o empregador cumprisse outras formalidades.

Ainda, a MP 936, em seu artigo 5º, §4º, estabeleceu que ato do Ministério da Economia disciplinaria a forma de transmissão das informações e comunicações pelo empregador, bem como a forma de concessão e pagamento do BEm pelo Governo Federal.

Em razão disso, no dia 24/4/20, foi publicada a Portaria 10.486/20 versando sobre a edição de normas relativas ao processamento e pagamento do BEm.

Ocorre que a citada Portaria Ministerial, ao invés de regulamentar o ato do Poder Executivo e sanar dúvidas, criou ainda mais controvérsias sobre a aplicação das regras da MP 936, gerando, por consequência, insegurança jurídica tanto aos empresários, quanto aos trabalhadores.

A título de exemplo, no artigo 4º, inciso III, alínea “a” c/c § 2º, a Portaria estabeleceu que é vedada a celebração de acordo individual para redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou para suspensão temporária do contrato de trabalho para trabalhadores em gozo de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social.

Diante disso, nesta hipótese, não seria permitido acordo individual com trabalhador aposentado. No entanto, essa proibição mostra-se totalmente contrária ao momento emergencial que estamos vivendo, em que as empresas precisam encontrar meios de manter pessoas idosas fora do ambiente de trabalho, por integrarem grupo de risco, sem demiti-las.

Nesse prumo, a MP foi clara ao dispor que o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda não será devido ao empregado que esteja em gozo de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, de modo a evitar a acumulação de benefícios.

Porém, em nenhum momento, a MP estabeleceu qualquer regra que impedisse a aplicação, seja da redução de jornada, seja da suspensão do contrato, aos trabalhadores em gozo de benefício de aposentadoria, sendo, a nosso ver, ilegal a estipulação dessa proibição por meio de Portaria.

Em que pese a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais, a exemplo das portarias, para complementar e possibilitar a efetiva aplicação da lei, tal prerrogativa não permite criar obrigações contrárias a finalidade da MP nº 936 e, consequentemente, afastar sua efetividade na proteção à saúde dos trabalhadores, de preservação de empregos e de auxílio financeiro aos empregadores.

Entretanto, a despeito disso, o caos já está instaurado e uma série de empresas hoje não sabem como manter seus idosos aposentados fora do ambiente de trabalho.

De mais a mais, há que se frisar que entre a data da publicação da MP e da Portaria decorreram mais de 20 (vinte) dias. Ou seja, totalmente intempestiva a norma administrativa, na medida em que publicada depois de milhões de contratos de redução de jornada ou de suspensão contratual de aposentados já terem sido assinados e transmitidos pelos empregadores ao Ministério da Economia (desde o dia 2 de abril).

Além disso, é certo que a maioria das empresas já se valeu da concessão de férias, como ferramenta de afastamento temporário ao serviço, enquanto aguardavam a publicação da MP prometida pelo Governo e que criaria formas de preservação do emprego, sobretudo das pessoas aposentadas cujo afastamento é recomendado, para não dizer mandatório, em razão de estarem no grupo de risco da COVID-19, segundo a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde.

Vale lembrar que a preocupação não está direcionada aos aposentados que podem continuar trabalhando remotamente, eis que esses já estão em home office. A grande questão envolve os trabalhadores aposentados que não possuem essa alternativa, em razão das atividades que exercem, tais como motoristas, frentistas, coletores de lixo, operadores de máquinas, entre tantos outros, e que já tiveram seus contratos reduzidos ou suspensos por seus empregadores e cuja ação foi invalidada pela Portaria nº 10.486/2020.

Essa situação, caso não seja revertida imediatamente pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, imporá sérios prejuízos aos empresários, que terão de remunerar os dias de redução ou suspensão aplicados aos aposentados no mês de abril, bem como os colocarão na posição de terem de retornar ao trabalho (os expondo, inclusive, ao risco), de conceder a eles uma licença remunerada (o que onerará em demasia as empresas nesse momento) ou de rescindir os contratos de trabalho dos aposentados (preservando-os de alguma forma).

Seja qual for a opção acima adotada, além dos riscos ao trabalhador aposentado, quem mais será prejudicado é o empresário, que manteve empregos acreditando em uma promessa governamental que foi desfeita.

Por todo o exposto, a questão que fica é se essa relevante mudança trazida pela Portaria 10.486, que impactará a vida de milhares de trabalhadores e empresários - e que mudará situações já ajustadas e implementadas há dias com respaldo na MP 936 -, se deu por incompetência ou irresponsabilidade. Seja por qual motivo for, espera-se que essa vedação criada pela Portaria seja urgentemente revista, a fim de tentar mitigar os efeitos devastadores que ela pode causar.

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*André Zilli é advogado trabalhista empresarial. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Pós-graduado em Compliance e Governança Corporativa pela Pontifica Universidade Católica. Palestrante na área trabalhista e de Recursos Humanos. Especialista em relações corporativas do trabalho, relações sindicais e Direitos difusos e coletivo envolvendo Ministério Público do Trabalho.

*Arthur Cahen é sócio do escritório Cahen & Mingrone Sociedade de Advogados. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cursos de extensão: Harvard Law School (nos EUA), Consejo Profisional de Ciencias Jurídicas (na Argentina), Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e Escola Superior de Advocacia (ESA/SP). 

*Ricardo Calcini é Mestre em Direito pela PUC/SP. Professor de Pós-Graduação em Direito do Trabalho da FMU. Especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais. Organizador do e-book digital “Coronavírus e os Impactos Trabalhista” (Editora JH Mizuno). Coordenador da obra “Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista” (Editora LTr). Membro do IBDSCJ, do CEAPRO, da ABDPro, da CIELO e do GETRAB/USP. Palestrante e Instrutor de eventos corporativos “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. 

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