Migalhas de Peso

Coronavírus - O catalisador das mudanças na prestação de serviços jurídicos

Enquanto não tivermos mais informações sobre como o mercado consumidor de serviços jurídicos estará no futuro (próximo espero), vamos ajustar nossa estrutura para que ela seja a mais eficiente, produtiva e competitiva possível!

30/4/2020

Tenho acompanhado muitas análises que toda crise se transforma em uma oportunidade, mas é preciso cuidado com essa afirmação, pois a relação não é tão direta como pode parecer e também podem transmitir uma falsa sensação de otimismo para todos.

Considero que devemos separar duas categorias de impactados pela crise: aqueles que já são players do mercado e que, aleatoriamente, podem ter recebido uma "benção" (no sentido figurado e sem nenhuma conotação religiosa), como está acontecendo com os produtores de insumos, equipamentos e EPI's hospitalares que nunca tiveram tanta demanda.

Por outro lado, também de maneira imprevisível e aleatória, aqueles que receberam uma "maldição" (mesma observação anterior) e passarão por tempos dificilíssimos, como está acontecendo com as companhias aéreas e todo o setor de turismo, por exemplo.

Para os novos players, startups e os menos atingidos sim, podem aparecer oportunidades nas brechas deixadas pelos atingidos e nas novas necessidades com as mudanças de comportamento que surgirão.

Obviamente, as oportunidades são as mesmas para todos, inclusive para os atingidos negativamente, mas estes estarão muito mais ocupados em sobreviver no primeiro momento e terão que se adaptar e se reinventar, absorvendo muito de sua energia e deixando praticamente para os outros o aproveitamento dessas oportunidades.

O segundo aspecto importante que devemos considerar é a amplitude desta crise e pelo que me lembro, daquelas que presenciei (choque do petróleo em 1973, guerra do Golfo em 1991, guerra do Iraque em 2003 e crise de 2008, apenas para citar as mais importantes) ou daquelas que li e estudei (gripe espanhola em 1918, recessão de 1929, sem falar nas duas grandes guerras), em nenhuma delas o impacto foi tão abrangente quanto a atual.

Posso estar errado, mas não houve em todas elas uma paralisação em todos os setores da economia com impacto tão imediato e simultâneo como estamos vivenciando agora (economia, educação, turismo, transporte, saúde, comércio, indústria) e principalmente com uma quarentena global.

Como corolário do aspecto anterior, vem a discussão de como devemos analisar as semelhanças desta crise com as anteriores e aplicar os conceitos estatísticos de tratamento as informações: tratar estatisticamente aplicando modelos matemáticos já existentes para as previsões do andamento da pandemia, como estão fazendo os infectologistas, mas cientes que esta é bastante diferente das anteriores e tentando fazer as devidas adaptações quase que diárias ou, tratar a situação atual como um ponto fora da curva ou um acontecimento totalmente aleatório e imprevisível (uma singularidade) onde as experiências e leis anteriores simplesmente não funcionam.

Os prestadores de serviços jurídicos (escritórios de advocacia e autônomos) já haviam sentido o impacto de um "jab" recebido após a crise se 2008 (apesar de ter sido minimizada pelo nosso então presidente como "marolinha") e os mais antenados já vinham se adaptando para a nova realidade que se estabeleceu a posteriori. Na primeira edição de meu livro em 2017, já alertava para o que deveria ser o escritório eficiente:

"Enxergo para o futuro (novamente não muito distante): (...) escritórios totalmente integrados à vida digital (com tecnologia de ponta e sistemas 100% interativos com seus clientes); menores que os atuais "big-law"; com menos clientes e melhor atendimento; com estruturas físicas espartanas (locais menos nobres que os atuais) e salas de telepresença; com espaços de uso partilhado; e muiiiiiito mais eficientes que os atuais!"  (pag. 181 Governança Estratégica para Escritórios de Advocacia, 1ª edição, RT 2017).

Agora, todos, sem exceção fomos atingidos por um "cruzado no queixo" e teremos que, atordoados, levantar e continuar a luta com as forças que nos restam.

Por todos os motivos apresentados, considero que as variáveis envolvidas na atual crise tem intensidade extrema, são em número bastante elevado e com um alto grau de incerteza e me arrisco a dizer que fazer previsões nesse momento ou profetizar soluções milagrosas para o futuro de qualquer negócio têm uma grande chance de não simplesmente não funcionar.

Apenas para exemplificar algumas dúvidas que ainda existem:

a. Como será a economia? Recessão? De que tamanho? Ou de forma muito otimista, será que a economia vai se recuperar rapidamente, com a volta do consumo reprimido na quarentena?

b. Quais setores demandarão mais serviços jurídicos?

c. Que serviços serão estes?

d. Que áreas do Direito serão mais ou menos impactadas? Contencioso, M&A, etc.?

e. Quais as novas condições que serão impostas pelos clientes?

f. Como se comunicar efetivamente com os clientes no novo formato?

g. Como vender novos trabalhos sem a possibilidade do "tête-à-tête"?

h. Como adaptar as estruturas?

i. Como remunerar, motivar e reter talentos na nova realidade?

j. Como melhorar performance e produtividade?

k. Aparecerão novos ALSP's?

l. Como utilizar pragmaticamente as tecnologias existentes e novas?

E existe um ditado que diz: "cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém" e neste ponto quero introduzir na discussão o conceito do catalizador.

O dicionário Houaiss define o verbete "catalisador" como sendo:

adjetivo e substantivo masculino

Rubrica: fisioquímica.

"diz-se de ou substância que modifica a velocidade de uma reação química".

Numa abordagem bastante conservadora, a minha sugestão é que se considere a pandemia como um catalisador dos processos de otimização interna dos escritórios que já vinham sendo estudados ou implementados (vagarosamente) para, após a final da crise, os escritórios estejam mais bem preparados para enfrentar a nova realidade, ou seja, acelerar os processos e investimentos em:

a. Tecnologia e telecomunicações;

b. Sistemas de Organização Eletrônica de Documentos e de Busca Inteligente de informações;

c. Otimização de organogramas e processos decisórios;

d. Comunicação eficiente com os clientes e colaboradores;

e. Ferramentas de colaboração;

f. Otimização de espaços físicos;

g. Otimização de custos;

E tomar (na prática) algumas decisões fundamentais:

h. Adotar o conceito "Data Centric Management" na gestão;

i. Implementar o conceito de Knowledge Management;

j. Repensar Marketing e participação em redes sociais e mídia;

k. Refazer seu Planejamento Estratégico (principalmente).

Em outras palavras: enquanto não tivermos mais informações sobre como o mercado consumidor de serviços jurídicos estará no futuro (próximo espero), vamos ajustar nossa estrutura para que ela seja a mais eficiente, produtiva e competitiva possível!

___________

*José Paulo Graciotti é consultor e sócio da GRACIOTTI Assessoria Empresarial.

 

 

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

"Se não têm pão, que comam brioche!"

23/12/2024

(Não) incidência de PIS/Cofins sobre reembolso de despesas

23/12/2024