A medida provisória 897, de 1° de outubro de 2019, popularmente conhecida como “MP do Agro”, teve sua tramitação no Congresso Nacional e foi transformada na lei federal 13.986/20 em vigor, com alguns vetos do presidente da República.
Conforme sumário executivo da medida provisória1, bem como a exposição de motivos interministerial (EMI) 00240/19, mostram que tais medidas legislativas objetivam contribuir para a “agilização dos trâmites das diversas modalidades de crédito, inclusive o crédito rural, e para redução de custos operacionais requeridos aos agentes financeiros.”2
O escopo de disposição da lei é muito abrangente, tendo alterado e revogado parcialmente 21 normas entre leis e decretos-lei, além de instituir o Fundo Garantidor Solidário (FGS), o Patrimônio Rural em Afetação (PRA), a Cédula Imobiliária Rural (CIR) e alterações na lei de Cédula de Produto Rural (CPR), além da possibilitar ao estrangeiro a aquisição do imóvel rural, inclusive em faixa de fronteira, por meios de liquidação em transações.
Assim sendo, a lei cria mais possibilidades de negócios jurídicos, títulos de crédito e garantias anabolizadas que visam estimular os mercados de investidores e financiadores de créditos rurais. Todavia, o produtor rural, seja pessoa física ou jurídica, deve ficar atento à sua capacidade de adimplemento, não se submetendo a aventuras além de sua capacidade econômico-financeira de liquidação. Deve ter um bom planejamento de produtividade, mas, também, buscar assessoria jurídica para entender os benefícios e os riscos de cada operação.
O Patrimônio Rural em Afetação (PRA) trata de inovação, de modo a propiciar ao proprietário de imóvel rural, pessoa natural ou jurídica, submeter seu imóvel rural ou fração dele ao regime de afetação destinado a prestar garantia à Cédula de Produto Rural (CPR) ou à Cédula Imobiliária Rural (CIR). Trata de medida para conferir maior segurança ao credor, nas operações de créditos e financiamento da atividade rural.
O produtor rural poderá requerer o registro público na matrícula ao oficial do cartório de registro de imóveis, podendo recair sobre a totalidade do imóvel, ou em parte(s) dele, possibilitando uma, duas ou mais operações de crédito, vinculando a afetação em frações delimitadas. Para a constituição, exige-se a certificação do georreferenciamento pelo INCRA (SIGEF), a inscrição no CAR no órgão ambiental competente, além de outros requisitos.
O patrimônio de afetação foi incluído pela lei federal 10.931/04 nas incorporações imobiliárias, pelo qual o terreno e as acessões objeto da incorporação e os demais bens a ela vinculados permaneceriam segregados do patrimônio do incorporador. A finalidade desse patrimônio em apartado objetivava garantir a entrega das unidades imobiliárias e conferir segurança na aquisição dos imóveis na planta, consequentemente, estimular o mercado imobiliário.
Acredita-se que o raciocínio acima externado foi utilizado para instituir o PRA por trazer a segregação dos bens para efeito de garantia para obter financiamento rural. Tal raciocínio fica mais evidente no art. 10° da lei 13.986/20 que traz no texto legal a incomunicabilidade e do PRA com os demais bens, direitos e obrigações do proprietário do imóvel, condicionando este efeito à vinculação a CIR ou CPR, vedando, inclusive, a constituição de outras garantias reais sob a área afetada do imóvel rural.
Percebe-se que no regime do PRA, o terreno, as acessões e as benfeitorias nele fixadas ficam protegidos, significando a impossibilidade jurídica de haver qualquer ato translativo de propriedade (compra e venda, doação, permuta e etc.), sofrer constrição judicial (penhora, arresto e etc). Também, não podem ser atingidos pelos efeitos da decretação de falência, insolvência civil ou recuperação judicial do proprietário de imóvel rural, nem integrarem a massa concursal.
Então, é mais uma garantia para o agente credor diante de terceiros, proporcionando maior oferta de linhas de crédito e investimentos ao agronegócio.
Importante mencionar que as lavouras, bens móveis e semoventes não integram o PRA.
Porém, o PRA não se aplica às obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do proprietário rural, ou seja, diante do inadimplemento dessas dívidas, parte-se do pressuposto que será desconstituído o patrimônio, que passará a responder por esse passivo. Para o credor, tal circunstância oferece risco à segurança do instituto jurídico do PRA, sendo, inclusive, contraditória à ideia de conferir a segregação do patrimônio. Resta excepcionado pela lei que as obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do proprietário rural se comunicarão com os bens e direitos integrantes do PRA. Portanto, a segregação patrimonial no PRA não é absoluta, isto é, admite exceções pelas quais os credores deverão se atentar para os riscos atrelados ao crédito, o que pode interferir na oferta dos créditos.
Diante da relativização da segregação patrimonial no PRA, o art. 14 traz como dever de boa- fé do proprietário rural manter-se adimplente com as obrigações tributárias e encargos fiscais, previdenciários e trabalhistas. Ademais, o pedido de solicitação do PRA, no cartório de registro de imóveis, deverá estar instruído com documentos, dentre os quais, as certidões de regularidade fiscal, trabalhista e previdenciária. Se tais obrigações ficarem adimplidas no curso do PRA, tal instituto consegue almejar a sua finalidade que é de garantir para o agente credor a segregação do patrimônio e a segurança da autorização irretratável do registro de transmissão da propriedade ou de sua fração.
Ocorre que, possa ser que o adimplemento das obrigações de natureza trabalhista, previdenciária e fiscal não ocorra no curso do PRA, e tais créditos concorrerão com o CIR e CPR, podendo ser objeto de constrição judicial, o que fragilizaria a segurança da não comunicabilidade do PRA com outras obrigações, bens e direitos do proprietário rural.
A concorrência de créditos e a comunicabilidade são riscos do agente credor que, nestas ocorrências, ficaria em situação mais confortável se o proprietário rural decretasse a sua falência, insolvência civil ou recuperação judicial, visto que tais situações jurídicas não atingem a segregação patrimonial do PRA. Porém, a recuperação judicial, falência e insolvência civil são instituídos jurídicos que prejudicam o agronegócio e a sua relação creditícia.
O cancelamento da PRA se dará com a averbação posterior em matrícula, devendo o proprietário comprovar a inexistência de CIR e CPR vinculadas, ou seja, apenas após a quitação das dívidas que se poderá cancelar o regime de afetação e dispor do bem.
Importante reconhecer a importância da segregação do imóvel ou de sua fração para a finalidade de servir como garantia para as operações de crédito. Torna-se importante ferramenta para ampliar as possibilidades e facilitação ao acesso do financiamento rural pelo produtor rural. Porém, o agente credor deve analisar o risco da relativização dada pelo legislador em relação à segregação do PRA, que poderá responder por obrigações de natureza fiscal, previdenciária e trabalhistas que não estavam originariamente previstas.
Certamente, o agente credor poderá incluir cláusula de obrigação do devedor em manter tais obrigações trabalhistas, fiscais e previdenciárias com adimplemento em dia, bem como de exigência periódica de certidões negativas, ou positivas com efeito de negativas, de débitos.
_________
1 CONSULTORIA LEGISLATIVA DO SENADO FEDERAL. Sumário Executivo de Medida Provisória. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 16.04.20.
2 MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Exposição de motivos interministerial 00240/19. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 16.04.20.
_________
*Grasielle Amorim de Souza Flores é advogada. Mestranda em Direito, Governança e Políticas Públicas pela Universidade Salvador. Coordenadora da divisão de Direito Imobiliário/Agrário da MoselloLima Advocacia.
*Ivan Mauro Calvo é advogado é especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela FGV-Rio. Diretor da Divisão Imobiliária/Agrária e sócio Fundador da MoselloLima Advocacia.