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Requisitos analisados em conflitos envolvendo nomes de domínio por meio da uniform domain-name dispute-resolution policy (UDRP)

Por suas características, o procedimento administrativo da UDRP é utilizado em todo o mundo desde sua implementação e representa um relevante instrumento para a resolução de conflitos envolvendo centenas de nomes de domínios, possibilitando a rápida, eficiente e definitiva solução de litígios, muitas vezes envolvendo nomes de domínio fraudulentos ou abusivos.

28/4/2020

Introdução 

O combate a infrações marcárias é um desafio de praticamente qualquer empresa e atualmente adquiriu características mais abrangentes no mundo globalizado em que produtos podem ser comercializados de, praticamente, qualquer local do mundo por meio da Internet. O fato de a Internet ser um ambiente virtual global, em que indivíduos de qualquer nacionalidade podem registrar nomes de domínio basicamente em qualquer país, por mais distante que seja, é um fator que torna o combate a infrações uma tarefa ainda mais árdua. 

Na Internet, muitas vezes se depara com situações em que é difícil e custoso perseguir a indisponibilização de uma página, cancelamento ou transferência de um nome de domínio registrado no exterior. Nesses casos, é possível que o ajuizamento de ação no Brasil, ainda que o autor tenha êxito em obter decisão liminar favorável rapidamente, demore a gerar efeitos práticos, já que possivelmente a decisão deverá ser traduzida, enviada a uma entidade estrangeira que registrou o nome de domínio e, somente então, poderá ser implementada. 

Outra dificuldade prática ocorre quando se tenta citar ou intimar o réu. Diversas vezes o titular do nome de domínio é de difícil identificação, pois pode esconder seus dados com o uso ferramentas que ocultam a sua identidade (assim, o nome de domínio fica registrado em nome de empresas que prestam serviços de registro, e somente tais empresas possuem a identidade de seus clientes, que são os verdadeiros titulares). Além disso, o titular pode inserir endereços falsos, desatualizados ou gerados no exterior em seus cadastros, o que mais uma vez dificulta a sua citação para que o processo judicial comece o seu curso. 

Portanto, caso a intenção de um titular de marca seja impedir o uso de um nome de domínio que seja idêntico ou similar a uma de suas marcas, seja pelo cancelamento do nome de domínio ou pela transferência para si, talvez faça mais sentido valer-se de mecanismos administrativos criados para se viabilizar a resolução desse tipo de litígio. 

Criação da UDRP 

O mais conhecido e utilizado desses mecanismos é a Uniform Domain-Name Dispute Resolution Policy ou Política Uniforme de Solução de Disputas Relativas a Nomes de Domínio (UDRP), que define o procedimento administrativo para a resolução de conflitos envolvendo determinados tipos de nomes de domínios e tem como objetivo solucionar disputas entre um detentor de marca e um titular de um nome de domínio que seja idêntico ou semelhante à marca em questão. 

A UDRP foi inicialmente aprovada em 26.8.1999 pela Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), entidade privada internacional sem fins lucrativos que tem como função administrar e regular o sistema de endereços de IP e nomes de domínio na Internet. O Regulamento da Política Uniforme de Solução de Disputas Relativas a Nomes de Domínio, que determina os aspectos de cada fase do procedimento administrativo, foi aprovado pela mesma entidade em 24.11.1999. 

Atualmente, há seis entidades no mundo credenciadas para processar e decidir controvérsias de acordo com a UDRP. A principal delas, que decide a maior quantidade de casos, é o Centro de Arbitragem e Mediação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI ou WIPO), que, na qualidade de provedor do serviço de resolução administrativa de disputas, desenvolveu um Regulamento Suplementar para a UDRP próprio, que entrou em vigor ainda em 1.12.1999. 

Nomes de domínio sujeitos ao UDRP 

A UDRP é aplicável a nomes de domínio que possuem gTLDs (generic top level domains) mais comuns, ou seja, domínios com os finais “.com”, “.net” e “.org”, e a gTLDs criados mais recentemente, como  “.aero”, “.asia”, “.biz”, “.cat”, “.coop”, “.info”, “.jobs”, “.mobi”, “.museum”, “.name”, “.pro”, “.travel” e “.tel”. Também é aplicável e a ccTLDs (country code top level domain) de alguns países ou territórios que a adotaram voluntariamente. Diversos países adotam procedimentos similares à UDRP, mas com algumas modificações, como é o caso do Brasil para os nomes de domínio com final “.br”. Todas as entidades registradoras de nomes de domínio que possuem contrato com a ICANN e os ccTLDs que adotaram a UDRP voluntariamente concordaram em observá-la e implementá-la para seus domínios. 

Desta forma, qualquer pessoa física ou jurídica que queira registrar um nome de domínio dos gTLDs indicados acima junto aos registradores reconhecidos pela ICANN e nos ccTLDs é obrigada a consentir com os termos e condições da UDRP e está sujeita ao procedimento administrativo em caso de qualquer controvérsia envolvendo seu nome de domínio. Ou seja, qualquer pessoa que registra um domínio “.com”, por exemplo, pode vir a responder em um procedimento administrativo da UDRP. 

O procedimento administrativo de resolução de litígios pela UDRP 

De acordo com as regras da UDRP, o indivíduo ou a empresa que tenha direitos sobre uma marca (por exemplo, uma marca registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI) pode apresentar uma reclamação junto a uma das entidades credenciadas pela ICANN (como o Centro da OMPI) contra um nome de domínio registrado por terceiro que seja idêntico ou similar à sua marca. O reclamante pode requerer que o nome de domínio em questão seja cancelado ou que lhe seja transferido. 

Recebida a reclamação pelo Centro da OMPI, o titular do nome de domínio reivindicado é notificado por e-mail para, caso queira, apresentar resposta ao requerimento. O fato de a notificação ser feita por e-mail evita os custosos esforços para se localizar fisicamente o titular do nome de domínio para citá-lo por correspondência ou oficial de justiça. 

Após, o Centro da OMPI nomeia um Painel Administrativo, formado por um ou três especialistas credenciados à OMPI (de acordo com a escolha do reclamante) que decidirá a disputa. O Painel Administrativo, ao final do procedimento, poderá negar provimento ao pedido da reclamação ou decidir pelo cancelamento ou transferência do domínio, caso seja constatado que este viola direitos marcários do reclamante. 

Requisitos da reclamação analisados pelo Painel Administrativo 

Para obter êxito na disputa, a reclamação deverá demonstrar, cumulativamente, o atendimento a três requisitos: 

Com relação ao primeiro requisito, o reclamante deve demonstrar de que forma o nome de domínio em questão é idêntico ou similar a ponto de causar confusão com sua marca. 

Frisa-se aqui que não basta que o conteúdo de uma página na Internet tenha menções ou reproduza a marca do reclamante; no contexto da UDRP, o próprio nome de domínio, ou seja, a URL da página deve conter termo que seja idêntico ou semelhante à marca. Um exemplo hipotético é o de um indivíduo que registra o nome de domínio www.abcxyz.com ou www.abcxyzoficial.com, ao passo que a marca ABCXYZ é, na realidade, detida por um terceiro. 

O segundo requisito a ser demonstrado pelo reclamante é a ausência, pelo titular do nome de domínio, de direitos ou interesses legítimos sobre o termo contido no nome de domínio que registrou. Evidentemente, a comprovação da falta de direitos ou falta de interesses legítimos dos titulares de nomes de domínios abusivos é tarefa quase impossível para os reclamantes, que, não dispõem de meios para produzir provas da inexistência de direito alheio. 

Isso porque, para comprovar a ausência de direitos ou interesses legítimos do titular do nome de domínio reivindicado, o reclamante precisaria ter acesso a informações que são de conhecimento ou estão sob controle do próprio reclamado. Considerando este aspecto, o Centro da OMPI reconhece que, uma vez que o reclamante alegue que o titular do nome de domínio não tem direitos ou interesses legítimos no registro, o ônus de comprovar a existência de direito ou interesse legítimo recai sobre o reclamado. Em outras palavras, o reclamado, como matéria de defesa, é quem deve demonstrar que possui direitos ou interesses legítimos sobre o domínio em questão. 

Não há, na UDRP e em suas regras complementares, uma definição exata de todas as provas e elementos que podem demonstrar o legítimo interesse do reclamado no nome de domínio em disputa. Contudo, há sim a indicação de algumas situações, meramente exemplificativas, que podem comprovar o legítimo interesse do titular do nome de domínio, incluindo: 

Além dos dois requisitos descritos acima, o reclamante também deve demonstrar a má-fé no registro e na utilização do nome de domínio reivindicado. O conceito de “má-fé” da UDRP não é definido de forma exata, de modo que cabe ao Painel Administrativo analisar cada caso a fim de identificar ou não a má-fé do reclamado. 

Visando reduzir a subjetividade e aumentar a precisão nas decisões do Painel Administrativo, a UDRP lista os seguintes exemplos de circunstâncias que evidenciam a má-fé no registro e uso de nome de domínio: 

Mesmo com os exemplos mencionados acima, a avaliação acerca da utilização do nome de domínio de má-fé, pelo Painel Administrativo, possui certo grau de subjetividade, uma vez que a UDRP não contém uma lista taxativa de situações em que a má-fé do reclamado é caracterizada. Isso permite que o Painel Administrativo entenda pela má-fé no registro ou uso de nome de domínio com base em outros elementos apresentados na reclamação. 

Ao mesmo tempo em que a indefinição sobre as circunstâncias que indicam a má-fé podem resultar em algumas decisões inconsistentes de Painéis Administrativos, por envolver situações que acabam ficando em zonas cinzentas, isso possibilita a análise de acordo com as peculiaridades de cada caso, o que é de extrema relevância dada a velocidade com que indivíduos e empresas desenvolvem novas estratégias para, muitas vezes, se valer da fama de marcas reconhecidas ou famosas para atrair clientes indevidamente, ou para adquirir domínios com o intuito de vendê-los a ou impedir o uso por empresas ou entidades já estabelecidas. 

Caso presentes os três elementos, o Painel Administrativo decidirá pelo cancelamento do nome de domínio ou transferência para o reclamante, pondo fim à controvérsia no âmbito administrativo e contribuindo para a resolução de disputas de forma rápida e efetiva, normalmente em poucos meses. 

Conclusão 

Nota-se, assim, que a UDRP institui importante meio de resolução de conflitos envolvendo nomes de domínio que, pela facilidade de acesso e agilidade, possibilita que as controvérsias sejam decididas de forma célere e eficiente por especialistas, além de possuir alcance internacional. Tais particularidades evidenciam as vantagens do procedimento administrativo em comparação com processos judiciais envolvendo o assunto, geralmente muito mais demorados e onerosos para ambas as partes. 

De qualquer forma, a existência do procedimento não afasta a competência do Poder Judiciário local, uma vez que ambas, durante ou depois do procedimento, as partes podem ajuizar medidas legais em tribunais. Em um processo judicial, o reclamante pode requerer medidas liminares (que não são previstas na UDRP) para, por exemplo, retirar o conteúdo de um site do ar imediatamente, e até mesmo requerer indenizações por danos materiais ou morais, o que não é objeto do procedimento via UDRP. 

Por suas características, o procedimento administrativo da UDRP é utilizado em todo o mundo desde sua implementação e representa um relevante instrumento para a resolução de conflitos envolvendo centenas de nomes de domínios, possibilitando a rápida, eficiente e definitiva solução de litígios, muitas vezes envolvendo nomes de domínio fraudulentos ou abusivos.

__________

*Gustavo Gonçalves Ferrer é advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Adriana Tourinho Moretto é advogada do escritório Pinheiro Neto Advogados.

 

 

 

 

*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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