A realidade atual dos meios de comunicação evolui e se modifica em decorrência do fenômeno denominado internet, de modo que impõe à sociedade adequação para acompanhar tal evolução. Especificamente com relação à modificação do ordenamento jurídico, vamos tratar abaixo sobre os impactos dos negócios jurídicos que envolvem o uso do computador, ou qualquer outro meio de comunicação eletrônica, como instrumento para a exteriorização de manifestação de vontade das partes, avaliando os requisitos necessários para a sua celebração, a fim de conferir-lhe validade jurídica e eficácia entre as partes.
Embora o ordenamento jurídico brasileiro não disponha de regulamentação específica a respeito da negociação, da estruturação e da celebração de contratos por meios eletrônicos, nossos Tribunais têm conseguido suprir essa carência legislativa, mediante aplicação do Código Civil e da teoria geral dos contratos.
Desde que os contratos eletrônicos estejam revestidos dos princípios e pressupostos contratuais previstos no Código Civil, não há argumentos que possam invalidar essa forma de se pactuar, sendo necessário apenas se assegurar de que o contrato pretendido não requer formalidade ou solenidade específica não suprida pelo meio eletrônico escolhido para se pactuar.
As decisões dos Tribunais têm sido favoráveis às contratações eletrônicas e sido muito bem colocadas em defesa da validade e eficácia destas. Adiciona-se a isso, o valor probatório que tem sido conferido aos contratos eletrônicos, dado que o uso de e-mails e aplicativos contribuem com evidências e rastros materiais.
Considerando que a discussão repousa, principalmente, na autenticidade, confiabilidade e integridade dos documentos eletrônicos, entendemos que, a depender do risco do negócio jurídico a ser pactuado, o uso da assinatura certificada digitalmente é o meio mais confiável e seguro para ser empregado.
I. Contratos Eletrônicos
O contrato eletrônico é o negócio jurídico realizado pelas partes contratantes, cuja manifestação de vontade é expressada por meio eletrônico, tais como: assinatura digital, certificado digital, proposta e aceite por e-mail, teleconferência, videoconferência, plataforma de e-commerce, sistema de mensagem instantânea, redes sociais ou Skype, dentre outros
Com efeito, a manifestação de vontade por meio eletrônico sobrepõe-se à sua instrumentalização, não sendo o contrato eletrônico uma nova espécie de contrato, mas sim um novo meio de formação contratual, podendo ser celebrado digitalmente total ou parcialmente pelas partes (ou seja, uma das partes pode assinar de forma manuscrita e a outra parte de maneira digital).
Com a evolução dos meios de comunicação, é cada vez mais comum os negócios jurídicos se realizarem de forma virtual, tais como: a compra e venda de bens móveis, o aluguel de imóveis por meio de uma plataforma na internet, o aceite de propostas comerciais por e-mail, aceite de contratos de adesão por meio de login e senha em sites, ou, ainda, a obtenção de um empréstimo bancário através da internet banking. Em outras palavras, as relações jurídicas mantidas hoje em papel estão sendo aos poucos transportadas e adaptadas à nova realidade, possibilitando a simplificação e agilização de diversos procedimentos, incluindo a celebração de negócios jurídicos por meio digital.
Nesse sentido, surgiram novas formas de exteriorização da vontade, constitutivas de direitos e obrigações, além da convencional assinatura manuscrita de contratos em papel físico. Considerando tratar-se de um assunto que permanece em constante crescimento no Brasil e no mundo, os Tribunais Pátrios estão recepcionando em suas decisões os negócios jurídicos celebrados por meios eletrônicos, com base na teoria geral dos contratos prevista na lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 ("Código Civil").
II. Validade Jurídica dos Contratos Eletrônicos
Primeiramente, é válido destacar a seguir os requisitos e as condições para que um negócio jurídico seja válido entre as partes contratantes e produza efeitos perante terceiros.
De acordo com o artigo 104, do Código Civil, para que os contratos sejam considerados válidos, devem se fazer presentes os seguintes requisitos: (i) partes capazes; (ii) objeto lícito, possível e determinado (ou determinável); e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei. Adicionalmente, o Código Civil, em seu artigo 107, é cristalino ao admitir toda e qualquer forma de declaração de vontade, salvo se a lei dispor de maneira diversa:
Isto posto, a manifestação de vontade por meio digital é plenamente permitida em nosso ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a regra geral do Código Civil para a formação de contratos é a forma livre, sem a exigência de solenidades especiais para a sua formação (assim como é exigido para contrato de compra e venda de bens imóveis).
Nesse contexto, o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal acerca do processo em que se discutiu a validade de contrato celebrado entre as partes de maneira eletrônica, no qual a ré aceitou os termos e condições ao clicar no botão "Eu aceito". No caso em tela, as partes contratantes celebraram um contrato de prestação de serviços para um curso de graduação que, embora frequentado pela ré, por ela não foi pago.
No julgamento citado acima, o entendimento do des. Sérgio Rocha foi a de que "Embora a forma de contratação eletrônica tenha produzido documento assinado apenas pelo autor, a forma como o contrato foi realizado é válida e prova a existência de obrigações assumidas entre as partes, sobretudo quando corroborado por outros elementos de prova." (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. TJ-DF: 20140110662323APC (0015888-49.2014.8.07.0001). Relator des. Sérgio Rocha).
Dessa forma, podemos depreender que, uma vez respeitados os princípios contratuais e preenchidos os requisitos previstos nos artigos 104 e 107, combinados com os artigos 113, 187, 421 e 422, todos do Código Civil, os negócios jurídicos cuja manifestação de vontades é feita por meios eletrônicos são válidos, trazendo para a seara dos contratos uma maior segurança jurídica.
Neste sentido, ainda, Antônio Junqueira de Azevedo, em sua obra Existência, Validade e Eficácia (4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002) sustenta que o negócio jurídico constitui o "principal exercício da autonomia privada da liberdade negocial", competindo às partes contratantes estabelecer a maneira em que desejam pactuar.
No âmbito jurisprudencial, os negócios jurídicos sem forma especial exigida por lei têm plena existência, validade e eficácia reconhecidas, de maneira que não há argumentos jurídicos tampouco argumentos lógicos para que as contratações, por correio eletrônico (e-mail), sites de internet ou qualquer outro meio digital, sejam invalidadas, como corrobora o seguinte entendimento trazido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: "(...) não resta dúvida quanto à existência, validade e eficácia do contrato, em todas as suas cláusulas, por se tratar de uma questão de segurança jurídica e boa-fé contratual. É, portanto, incontroversa a existência de relação jurídica contratual entre as partes, consistente em prestação de serviços de informática. Os e-mails trocados entre as partes e os comprovantes de pagamento pela prestação de serviço trazidos pelo autor, ora recorrido, comprovam o aceite e a celebração do contrato, especialmente o e-mail que comunica a resilição unilateral do contrato por parte da recorrente." (Recurso Inominado: 0701849-53.2017.8.07.0016. Relator juiz Edilson Enedino das Chagas).
Diante de tais considerações, concluímos que, se o Código Civil expressamente dispõe a liberdade de pactuar e manifestar, desde que não exista formalidade específica requerida em lei, não há óbice para que os contratos eletrônicos sejam considerados válidos.
III. Assinatura Digital e Certificado Digital
Muito embora a forma de manifestação de vontade seja livre e os contratos eletrônicos sejam considerados válidos em nosso ordenamento jurídico, é recomendado optar por métodos que tragam maior segurança jurídica para as partes contratantes, de modo a viabilizar a conferência da autoria e a veracidade de seus dados.
Além do mais, os contratos eletrônicos, exatamente por se desenvolverem em ambiente virtual, não estão livres de serem alterados por uma parte sem a anuência da outra parte, ou, inclusive, de terem as assinaturas fraudadas. Como forma de coibir tais práticas e garantir a integridade e veracidade dos dados, termos e condições contratados inicialmente, recomenda-se o uso de ferramentas como a assinatura digital na celebração de negócios jurídicos eletrônicos.
Inicialmente, vale ressaltar a existência da distinção entre a assinatura digitalizada e a assinatura digital, conforme disposto a seguir.
A assinatura digitalizada é o resultado da reprodução eletrônica de uma assinatura manuscrita do sujeito de direito inserida manualmente em um contrato. Em tal caso, não é considerada um dos tipos de assinatura digital uma vez que não traz elementos suficientes para provar que as partes signatárias são realmente as pessoas às quais as imagens das assinaturas estão vinculadas, sendo necessária, portanto, a apresentação de outros elementos probatórios.
Por outro lado, a assinatura digital consiste em uma ferramenta tecnológica capaz de garantir a integridade de determinado contrato eletrônico, mediante emprego de criptografia, que combina elementos do texto com a identidade do autor, resultando em uma fórmula matemática que garantirá a autoria e a veracidade do documento. Assim sendo, a ferramenta em questão deve possuir variações, na medida em que só é possível ter uma assinatura digital para cada documento.
A assinatura digital, portanto, não só permite conferir quem é o signatário do documento, como garante a inalterabilidade de seu conteúdo, dado que qualquer alteração deste invalida a assinatura. A assinatura digital pode ser realizada, por exemplo, mediante a utilização de biometria, cadastro de login e senha ou certificado digital.
Especificamente com relação à assinatura digital por meio de certificado digital, esta tem como finalidade a comprovação da identidade do detentor do certificado e de seus dados, bem como a sua legitimidade para agir.
O certificado digital é emitido por um terceiro denominado autoridade certificadora, cujas funções são verificar a identidade do proprietário do certificado, se o mesmo está autorizado para utilizá-lo, e divulgar a chave pública certificadora em um diretório, de modo que qualquer interessado possa conferir, a qualquer tempo, a autoria da assinatura e a validade do contrato. Ainda, a depender do tipo de certificado digital, este poderá conferir data e hora ao documento ou criptografar todo seu conteúdo.
O uso de tais ferramentas – assinatura digital, inclusive certificado digital – apresentam admissibilidade e validade legal garantidas, além do artigo 441, da lei 13.105, de 16 de março de 2015 ("Código de Processo Civil"), pela MP 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras ("ICP-Brasil").
Ademais, em virtude da mencionada medida provisória, o contrato eletrônico, quando da aposição da assinatura digital, ganha foros de autenticidade e veracidade. O artigo 10, da MP 2.200-2, admite documentos eletrônicos tanto para os documentos privados quanto para os públicos, para todos os fins legais, e, ainda, salienta a veracidade das declarações neles contidas quando assinados digitalmente.
É imprescindível mencionar que a MP 2.200-2, em seu artigo 10, §2º, confere validade para outros meios de comprovação da autoria e de integridade do documento, ainda que não certificados pela ICP-Brasil, desde que acordado pelas partes contratantes. Logo, é possível apreender que as partes contratantes não estão restritas ao uso da assinatura digital como forma de comprovação de autoria, podendo, inclusive, escolher qualquer outro meio eletrônico, conforme livremente desejarem.
Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a executividade de um contrato eletrônico de mútuo assinado digitalmente, uma vez que "A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados (...). Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, é possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos."
Ainda, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, inovou ao dizer que o uso da assinatura digital, certificada pela ICP – Brasil, e os serviços do comprova.com, suprem a necessidade de assinatura das testemunhas, na medida em que confirmam que o contrato foi celebrado pelo réu. Na prática, o entendimento da Corte Superior conferiu às autoridades certificadoras um grau de confiança maior que o dos cartórios oficiais. Isso porque um contrato físico, mesmo com reconhecimento cartorial, só pode se tornar título executivo com a assinatura das duas testemunhas. Embora seja um posicionamento que acolhe a inovação tecnológica, a referida interpretação não é vinculante, visto que a decisão não foi proferida em sede de recurso repetitivo, razão pela qual as instâncias inferiores ainda poderão empregar entraves formalistas à constituição de um título executivo extrajudicial desta forma. Entretanto, foi dado um primeiro passo para uma nova interpretação a ser dada aos formalismos previstos na legislação pátria que, por vezes, são incompatíveis com a nova realidade tecnológica.
__________
*Luciana Renouard é sócia do escritório Madrona Advogados.
*Marcela Fuscaldo é advogada do escritório Madrona Advogados.
*Carine Martins é advogada do escritório Madrona Advogados.