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Danos sociais na desobediência aos decretos de suspensão das atividades empresariais em razão da covid-19

Diante desse calamitoso cenário, não restou outra alternativa, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), senão o fechamento de uma parte considerável de fábricas, lojas e atividades de lazer.

27/4/2020

A pandemia da covid-19 trouxe situações jamais vivenciadas pela humanidade: um vírus novo, para o qual o ser humano não possui imunidade, infectará e levará a óbito milhões de pessoas. Mas não é só: os rápidos contágio e propagação da doença trazem a possibilidade de os sistemas de saúde entrarem em colapso, devido à incapacidade de prestarem assistência médica a vários cidadãos ao mesmo tempo.

Diante desse calamitoso cenário, não restou outra alternativa, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), senão o fechamento de uma parte considerável de fábricas, lojas e atividades de lazer (como estádios de futebol), sempre com o intuito de evitar aglomerações, a fim de restringir a circulação de pessoas e, assim, a propagação do contágio.

A partir da necessidade constitucional de proteção da vida e da saúde, promulgou-se a lei 13.979/20, que dispõe sobre “as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”. Entre as medidas previstas encontram-se o isolamento social e a quarentena domiciliar, contanto que resguardados “o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais” (art. 3º, §8º).

A presidência da República, por sua vez, editou, por meio dos decretos 10.282 e 10.292/20, todas as atividades e serviços públicos considerados como “essenciais”, entre os quais incluiu “atividades religiosas” e “casas lotéricas”, que vêm sendo objeto de inúmeras críticas e questionamentos em demandas ajuizadas pelo Ministério Público Brasil afora.

Diante da relutância da União na edição de decretos que restrinjam de forma mais enfática a circulação de pessoas, governos estaduais e municipais têm editado normas, enumerando de forma discricionária as atividades consideradas essenciais e que podem continuar em funcionamento sem restrições. As atividades de empresas que não se encontrem neste rol devem ser suspensas.

Embora surjam questionamentos quanto à legitimidade de cada ente para regular a matéria, assim como quanto aos limites da discricionariedade, o STF reconheceu, de forma unânime, a competência concorrente dos entes federados para adoção de medidas normativas para enfrentamento da pandemia.1 Aliás, mesmo a lei federal que instituiu a possibilidade de decretação de quarentena e/ou isolamento, prevê que, em alguns casos, as medidas poderão ser adotadas “pelos gestores locais de saúde” (art. 3º, §7º, II e III, da lei 13.979/20).

Partindo dessa premissa, temos que a edição de normas instituindo restrições ao funcionamento de determinadas atividades enquanto durar a pandemia, por qualquer ente federado, além de ser legal e legítima, gera um dever de obediência, sujeitando aqueles que as descumprirem, para além de eventuais sanções de ordem administrativa, à responsabilidade civil decorrente do ato ilícito praticado. No entanto, indaga-se: qual seria a modalidade de dano incidente?

Diante do quadro exposto, um bar, restaurante ou igreja que desobedeça à determinação de suspensão de suas atividades, também ficará sujeito à indenização por danos extrapatrimoniais. Isso, porque o descumprimento implica em graves consequências e expõe não apenas seus frequentadores a riscos, como também passa uma mensagem errônea a toda sociedade, no sentido de desrespeito às normas destinadas à contenção da propagação da covid-19.

Poder-se-ia questionar se um dano apenas surgiria diante da confirmação de que um dos frequentadores do estabelecimento viesse a ser infectado pela covid-19, transmitindo-o aos demais presentes. Contudo, entendemos que a mera desobediência às normas de suspensão de atividades por parte dessas pessoas jurídicas enseja o pagamento de indenização por danos sociais, modalidade que se adéqua perfeitamente ao hipotético caso mencionado, conforme explicaremos a seguir.

Não há como se falar de danos sociais sem citar seu idealizador, Antônio Junqueira de Azevedo, para quem esses danos representam “lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida”.2

Os legitimados para propositura de ação de indenização por danos sociais, que tenha por objeto a exposição da população a riscos em razão da violação a determinações de suspensão das atividades não essenciais, são os mesmos do art. 5º da lei 7.347/85, ou seja, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os entes federados e associações que cumpram os requisitos legais. Para além, nada impede que um sindicato de determinada categoria de atividade não essencial, cujos funcionários tenham sido obrigados a trabalhar durante o período de distanciamento social, ajuíze ação indenizatória por danos sociais em face do empregador.

Em tais demandas – ajuizadas em razão do potencial de contaminação que a exposição de pessoas a riscos gera –, defendemos que o produto da indenização deva ser destinado preferencialmente a entidades hospitalares ou, ainda, fundos assistenciais instituídos com o objetivo de mitigar os efeitos (inclusive econômicos) causados pela pandemia do novo coronavírus. Ademais, destaque-se que os danos sociais possuem um caráter indubitavelmente inibitório (e não compensatório, o que ocorrerá em demandas ajuizadas para preservar direitos individuais), a fim de garantir a eficácia3 aos decretos que restringem as atividades empresariais.

O dano social, como se pode presumir neste ponto da leitura, é in re ipsa. Desse modo, basta que o demandante demonstre que o estabelecimento descumpriu determinação pública e vigente de suspensão de suas atividades. Não é necessário, pois, que sejam demonstrados danos em concreto, como a efetiva contaminação de algum dos frequentadores do local.

Na quantificação dos danos sociais por descumprimento das determinações de suspensão de suas atividades, deve-se questionar: a) a publicidade do descumprimento – quanto mais pessoas impactadas, maior o dano; b) o potencial de atingir um número maior de pessoas (um pequeno bar sujeita menos pessoas a riscos do que um show em praça pública); c) se houve ou não infectados em razão do ato ilícito, assim como a quantidade deles; d) o grau de culpabilidade do agente; dentre outros fatores que se apresentem na situação concreta.

No que tange ao grau de culpabilidade, para além de ser gravíssima a exposição da saúde e da vida das pessoas, há uma pressão indireta ao erário público, já que, quanto maior o número de doentes, maior será o ônus sobre a saúde pública. De igual maneira, no caso hipotético de uma Igreja, neste quesito também se deve avaliar que haveria meios alternativos para disponibilizar seus cultos online.

Em linhas conclusivas, a configuração de ato ilícito em razão da desobediência a decretos de suspensão de atividades comerciais enseja o pagamento de indenização por danos sociais por parte do estabelecimento, independente da demonstração de contágio. Embora nos solidarizemos com os prejuízos econômicos sofridos por todos, a preservação da vida e da saúde deve ser privilegiada – aqueles que sintam que suas atividades são essenciais ou que pretendam questionar uma determinada realidade local, onde não haveria necessidade de adoção de medidas tão rígidas, devem buscar o Judiciário, sob pena de incorrer em condutas passíveis de reparação extrapatrimonial.

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1 STF, ADI 6.341, rel. min. Marco Aurélio, j. 15.04.20.

2 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (Coord.). O Código civil e sua interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey. p. 376.

3 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2014. p. 40.

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*Clayton Reis é pós-doutor em responsabilidade civil pela universidade de Lisboa. mestre e doutor em direito das relações sociais pela UFPR. Professor universitário e advogado do escritório Reis & Alberge Advogados.

*Guilherme Alberge Reis é mestrando em direito das relações sociais pela UFPR. bacharel em direito e relações internacionais pelo UNICURITIBA. Advogado do escritório Reis & Alberge Advogados.

*Rafaella Nogaroli é pós-graduanda em Direito Médico pelo Centro Universitário Curitiba e em Direito aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. Assessora de desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

 

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