Migalhas de Peso

Reflexões sobre minha experiência pessoal com o coronavírus

Verifiquei que o coronavírus pode machucar o corpo, porém bate de modo muito mais forte na alma, quando nos coloca na posição de familiar de alguém que esteja hospitalizado em estado grave.

24/4/2020

Caros colegas da comunidade jurídica, hoje não escrevo como advogado, tampouco como jurista mestre em Direito do Estado pela USP, venho aqui relatar meu contato pessoal com o coronavírus, na posição de paciente, de familiar e de voluntário do programa de doação de plasma para tratamento de infectados. 

Minha experiência com o coronavírus começou na noite de 12 de março. Desde antes do início da quarentena, preocupado com a saúde de nossos colaboradores, havia estabelecido o home office para toda equipe do LOPES & GIORNO Advogados, entretanto, como as autoridades públicas ainda não haviam tomado providências, as audiências e sessões de julgamento dos tribunais ocorriam normalmente. Em virtude disso, apesar do isolamento implementado por nosso escritório, fui compelido a participar de uma sessão de julgamento no Tribunal de Justiça de São Paulo, na tarde de 11 de março e, desta forma, abandonei o confinamento e travei contato físico com o mundo externo.  

Cerca de 30 horas após essa saída, apareceram alguns sintomas da infecção causada pelo covid-19: dores corporais, iniciando-se nas pernas e depois propagando-se pelas costas, acompanhadas por uma tosse seca na hora de dormir. Na tarde do dia 13 de março, procurei cuidados médicos e realizei o teste para o coronavírus. A resposta veio na manhã de segunda-feira, 16 de março: positivo para covid-19. Sentia-me fisicamente bem nesse primeiro momento, todavia pude acompanhar a perplexidade e preocupação de minha esposa devido ao diagnóstico. Durante nove dias, alternavam-se as sensações físicas: havia dias em que me sentia praticamente normal e conseguia trabalhar bem no sistema de home office, em outros um descanso maior era necessário para o restabelecimento do corpo. A partir do décimo dia, não senti quedas na disposição, mas tão somente uma curva ascendente em direção à normalidade.  

No meu décimo terceiro dia de infecção, houve uma transição de posição: passei a ser familiar de pessoa internada com covid-19, minha mãe, que apresentava sintomas há cerca de uma semana, começou a sentir falta de ar, precisando ser internada. No dia seguinte, o quadro dela agravou-se, demandando a transferência para Unidade de Terapia Intensiva.  

Findo meu ciclo viral de transmissibilidade, como já me encontrava fisicamente bem, recebi autorização de meu infectologista para sair de casa. Sem leves transições, fui cuidar da situação da saúde de minha mãe, que não vinha recebendo o tratamento adequado no hospital particular em que estava internada, no qual, pasmem, havia omissão de informações e falta de medicamentos, o que descobri depois. Em virtude disto, providenciei uma transferência hostil dela para outro estabelecimento hospitalar, no qual foi fornecido o tratamento necessário, com uma competente equipe de médicos, chefiada por meu infectologista, pessoa por quem tenho imensa gratidão e consideração. 

Apesar de tecnicamente embasada, a decisão sobre transferir ou não era pesada, pois o deslocamento entre cidades em UTI móvel poderia envolver riscos à saúde. O desenrolar dos fatos, contudo, ratificou o acerto da decisão, na medida em que após a transferência, o crítico estado de saúde dela começou a melhorar progressivamente. Porém, ainda inspirou cuidados em Unidade de Terapia Intensiva por mais 10 dias, antes da evolução para um leito convencional e, posteriormente, alta final. 

Tendo vivido tudo isso, verifiquei que o coronavírus pode machucar o corpo, porém bate de modo muito mais forte na alma, quando nos coloca na posição de familiar de alguém que esteja hospitalizado em estado grave. 

Diante disso, temos duas alternativas: sucumbir aos sentimentos de impotência, medo e raiva, ou despertarmos o que há de melhor em nós, caminhando para solidariedade e luta incansável pela vida. 

Procurando trilhar esse segundo caminho, não medi esforços para cuidar de minha mãe e voluntariei-me como doador de sangue para participação da pesquisa do Hospital Sírio Libanês, que coleta plasma de pessoas que tiveram sintomas leves de covid-19 e desenvolveram anticorpos. 

Já alonguei-me demais nessa reflexão, preciso encaminhar-me para o fim. Então, gostaria de fechar o texto espalhando essa mensagem de coragem e solidariedade, conclamando todos os queridos leitores a assumir essa postura de ajudar como for possível, seja pela oferta de um prato de comida, de dinheiro para o tratamento de pessoas em hipossuficiência econômica devido à crise do corona, seja doando seu sangue para ajudar na descoberta de um tratamento eficaz. O importante é: mobilizar e ajudar! 

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*Rodrigo Lopes é bacharel em Direito – USP, mestre em Direito do Estado – USP e sócio de Lopes & Giorno Advogados. 

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