Migalhas de Peso

A regulamentação da transação tributária pela PGFN e o curto prazo para o equacionamento da dívida tributária

Considerando toda a excepcionalidade criada pela pandemia do covid-19, é preciso que os operadores do direito saibam articular soluções novas aos grandes desafios que já se apresentam.

23/4/2020

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional publicou duas portarias regulamentando a transação tributária na cobrança de débitos inscritos em dívida ativa da União. As portarias PGFN 9.917 e 9.924 foram publicadas no Diário Oficial da União da última quinta-feira, dia 16.04.20.

Enquanto a portaria PGFN 9.917 regulamenta a transação tributária decorrente da lei 13.988/20 (Lei do Contribuinte Legal, objeto de conversão da MP 899/19), a portaria PGFN 9.924 estabelece as condições para a transação extraordinária em função dos efeitos da pandemia causada pelo covid-19.

O que se percebe é a tentativa dos órgãos fazendários de preservar a manutenção das atividades econômicas e dos empregos gerados pelas empresas, além de estimular o adimplemento dos débitos fiscais e garantir recursos necessários para superar a crise econômica notadamente vivida em nosso País.

Além da possibilidade de a transação ser proposta pela PGFN, nas modalidades por adesão e individual, é possível também que os contribuintes façam suas propostas de transação individual, especificamente para os devedores cuja dívida total supere os R$ 15 milhões.

Basicamente, a norma regulamentadora traz dois limites: não poderá haver qualquer redução do principal e a redução no montante total das dívidas não pode ser maior do que 50% do valor total dos débitos inscritos em dívida ativa a serem transacionados. O prazo máximo para quitação foi definido em 84 meses.

Para os casos de empresário individual, microempresa, empresa de pequeno porte, instituições de ensino, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil, a redução pode chegar a 70%, estendendo-se o prazo para pagamento em até 145 meses.

Um ponto muito interessante foi a possiblidade de o devedor utilizar créditos líquidos e certos em desfavor da União, reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado, ou precatórios federais, próprios ou mesmo de terceiros, para amortizar ou liquidar saldo devedor transacionado.

Especificamente em relação às empresas em recuperação judicial, há ainda a possibilidade de concessão de diferimento pelo prazo de 180 dias contados da formalização do acordo de transação e do pagamento da entrada convencionada.

Apesar de ser uma grande iniciativa do Poder Público visando o equacionamento das dívidas tributárias, mesmo com descontos atrativos, diversos contribuintes ainda estão receosos em apresentar propostas individuais, diante do ainda curto prazo para regularização dos débitos, o qual está limitado, para a maior parte dos contribuintes, em 84 prestações (ou 145 para empresário individual, microempresa, empresa de pequeno porte, instituições de ensino, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil).

Sobre o curto prazo concedido (de 84 prestações), verificamos que a Fazenda Nacional adotou uma postura absolutamente diferente de programas de parcelamentos anteriores. Veja-se, como exemplo, que parcelamentos com prazos mais alongados foram implementados a partir dos anos 2000, possibilitando a renegociação de dívidas tributárias em até 180 meses, ou seja, 15 anos.

Vários foram os exemplos disto, tais como a edição da lei 10.684/03 (“PAES”), da MP 303/06 (“PAEX”), da lei 11.941/09 (“REFIS da Crise”), das leis 12.865/13, 12.996/14, lei 13.043/14 (REFIS da COPA) e, mais recentemente, a lei 13.496/17 (“PERT”). Em todos esses casos foram concedidos prazos bem mais atrativos aos contribuintes para equacionamento da dívida tributária, que ainda assim são curtos, se comparados aos prazos ainda mais dilatados e descontos ainda mais generosos obtidos nas negociações firmadas no âmbito das recuperações judiciais.

A transação tributária pega carona nas recuperações, quando busca a “adequação dos meios de cobrança à capacidade de pagamento dos devedores”. Desta forma, busca salvaguardar o empreendimento, os empregos diretos, a função social da empresa, a dignidade das pessoas humanas. O exíguo prazo de 84 meses, a nosso ver, se mostra muito inadequado. Essa a principal barreira a ser enfrentada.

Os empresários que atenderem todas as exigências firmadas pela PGFN, precisam ter a confortável impressão de que conseguirão honrar com os compromissos firmados, mesmo em tempos de pandemia, ainda que tais obrigações atravessem mais de uma geração. Não querem ter de renegociar mais a frente, após a constrição, dentre outros, de seu patrimônio pessoal. Ninguém envolve patrimônio pessoal para perder a aposta. Dar prazo é fundamental. Mais ainda: é a única forma de avançar.

Afinal, que diferença faz para o Poder Público se a dívida vai continuar sendo corrigida e recebida, ainda que em mais longo prazo? A conta precisa, na verdade, é caber no orçamento dos empresários, sob pena de morrermos na praia das boas intenções.

Atualmente, toda a população mundial foi surpreendida com os efeitos do novo coronavírus (ou covid-19). De uma hora para outra, a rotina de todos foi severamente alterada para uma situação absolutamente desconhecida. Diferentemente dos tempos de guerra, que assolou muitos em outra geração, o inimigo agora é outro: um vírus invisível. Ainda não há armas eficazes para enfrentá-lo e seu poder de destruição já é sentido em muitos setores da economia.

No entanto, é necessário concentrar esforços para impedir uma crise aguda para a economia nacional, com soluções criativas, pensadas “fora da caixa”, de modo a obstar as demissões em massa, o fechamento de unidades produtivas, e a (aparentemente inevitável) falência de empresas dos mais variados segmentos.

Diante disso, considerando toda a excepcionalidade criada pela pandemia do covid-19, é preciso que os operadores do direito saibam articular soluções novas aos grandes desafios que já se apresentam.

Procuradores das Fazendas Nacional, Estaduais e Municipais deverão estar prontos para negociar, conversar em igualdade de condições com empresários que geram empregos e querem ver seus negócios novamente nos trilhos. O momento é de diálogo franco e de ampla cooperação entre as partes. Não há vencedores, nem vencidos neste horizonte.

Estamos todos juntos e assim devemos buscar, da melhor forma, o equacionamento dos efeitos desta que pode ser a maior crise de nossas vidas. Cabe a nós, operadores do direito, exercermos este papel, desarmados, da melhor maneira possível, para alcançarmos o objetivo comum: a manutenção dos empregos e das boas relações, sob o primado da temperança e da boa-fé.

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*Pedro Tinoco é advogado tributarista e sócio do escritório Furtado Fernandes Advogados.






*Andrei Furtado Fernandes
é advogado tributaristas e sócio do escritório Furtado Fernandes Advogados.


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