Havia um tempo em que todas as avaliações de conflitos de embalagens/ trade dress eram feitas pelos próprios julgadores, levando em conta apenas a percepção pessoal de cada um. Contudo, com o passar dos anos, nossos magistrados foram constatando que vários desses conflitos realmente demandavam uma perícia técnica, não exatamente para verificar se as embalagens eram semelhantes, mas se, sob a ótica do mercado, tal semelhança poderia gerar confusão para o consumidor e, assim, vir a configurar uma atitude anticompetitiva e desleal. Ao que tudo indica, esse entendimento deve se consolidar, já quepelo menos em três ocasiões1 os ministros doSuperior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceram a imprescindibilidadede perícia técnica em disputas envolvendo trade dress e, em dois desses casos, enfatizaram a necessidade de que hajauma “análise técnica de propaganda e marketing”. Em outras palavras, nos conflitos de trade dress, deve haver perícia técnica, a qualdeve ser conduzida, preferencialmente, por um profissional da área de Comunicação e Marketing [e não da área de Propriedade Intelectual]. Mas será que essa é a direção a ser seguida em todos os conflitos de trade dress?
Antes de comentarmos esse direcionamento do STJ, é fundamental fazermos algumas observações e esclarecimentos sobre i) as formas como a expressão “trade dress” é empregada; ii) o que pode ser considerado trade dress;iii) a tradução dessa expressão para o português;e, por fim,iv) seu conceito.
Com relação às formas deuso, é comum utilizarmos a expressão trade dress tanto para identificar o objeto a ser protegido (ex.: “o trade dress da embalagem do produto”), como também para especificar o tipo de proteção pretendida (proteção por trade dress).
Como objeto da proteção, o trade dress pode ser constituído por um conjunto de características ou por uma característica isolada, desde que ela seja suficientemente distintiva para identificar o produto e, justamente por isso, mereça ser protegida contra cópias e imitações. Na prática, qualquer característica – seja ela uma única cor ou um esquema de cores, o design, a forma, a textura, o grafismo, o aroma ou ainda um conjunto formado por essas ou outras características que individualizem a aparência física de um produto ou serviço – pode ser protegida como trade dress.
No que diz respeito a sua tradução, apesar de não existir uma tradução oficial para a expressão “trade dress” – originária da doutrina e legislação norte-americanas –, os termos “vestimenta”2 do produto/serviço e “conjunto-imagem”3 têm sido largamente utilizados no Brasil para identificar esse instituto. De nossa parte, em artigo publicado em 20084, explicamos a preferência pelo uso da expressão “identidade visual” – que é originária da área de Design e que ainda não era utilizada na esfera do Direito –, mas que era, e ainda é, mais facilmente compreendida por todos. Algum tempo depois, por conta do crescente uso de marcas olfativas e sonoras no mercado, percebemos a necessidade de acrescentar o termo “sensorial” a essa expressão, passando, então, a denominá-la “identidade visual e/ou sensorial”5.
Contudo, mesmo assim, resumir o conceito de trade dress a essas expressões seria reduzi-lo ou limitá-lo à questão estética e/ou sensorial.Na realidade, o instituto do trade dress é um conceito bem mais complexo, que parte da identidade visual e/ou sensorial, mas que é condicionado a determinados requisitos para que possa ser reconhecido pelo Judiciário. Ou seja, ele não é apenas “arte pela arte”.
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1 REsp. Nº 1.353.451/MG, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma do STJ, por unanimidade, Brasília, 19 de setembro de 2017 (data do julgamento)
REsp. Nº 1.591.294/PR, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma do STJ, por unanimidade, Brasília, 06 de março de 2018 (data do julgamento).
REsp. 1.778.910/SP, Quarta Turma do STJ, Relatora: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, por unanimidade. Brasília (DF), 06 de dezembro de 2018(data do Julgamento).
2 “Vestimenta”: tradução da expressão “trade dress” adotada pelo Prof. Dr. José Carlos Tinoco Soares em 1993.
4 “A identidade visual sob a proteção da Propriedade Intelectual”. Publicado na Revista Eletrônica Última Instância, em 13.08.2008, e na Revista UPpharma nº 106, ano 30, jul./ago. 2008, p.44-45, sob o título “A Identidade Visual sob a Proteção da Propriedade Intelectual”. Disponível em: <_https3a_ _dpm.srv.br2f_revistas2f_public2f_media2f_revistas2f_106.pdf="">.
5 PORTILHO Marques de Souza, Deborah. A propriedade intelectual na indústria da moda: formas de proteção e modalidades de infração. Dissertação. (2015). Programa de Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação da Academia de Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Rio de Janeiro: INPI, 2015. 340p. Disponível em: <_https3a_ _www.inpi.gov.br2f_academia2f_arquivo2f_arquivos-biblioteca2f_souzadeborahportilhomarquesde2015.pdf="">.
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*Deborah Portilho é advogada (UFRJ-1989) e Parecerista; Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pela Academia do INPI e com MBA em Marketing pelo Ibmec/RJ; Professora de Direito de Propriedade Intelectual da pós-graduação (LL.M.)em Direito Corporativo do Ibmec/RJ; Coordenadora do Curso de Perícias Judiciais da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI); Coordenadora dos Cursos de Extensão em Direito da Moda (Fashion Law) do CEPED-UERJ; Presidente da Comissão de Direito da Moda (CDMD)da OAB/RJ; e sócia-diretora da D.Portilho Consultoria & Treinamento em Propriedade Intelectual.