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Institutos jurídicos balizadores de renegociações de contratos locatícios no curso da pandemia do novo coronavírus

Questiona-se o que o locatário pode fazer para se preservar na relação contratual com o locador em face desse cenário imprevisível de pandemia.

15/4/2020

Contexto histórico:

Com o surgimento do novo coronavírus (covid-19), na cidade de Wuhan, na China, ao final do ano de 20191, os meses seguintes foram de expansão deste patógeno ao redor do globo, visto que, com a facilidade de circulação pelo mundo, com viagens aéreas internacionais, um surto epidemiológico circunscrito a uma região na China logo se tornou mundial. Por conta disso, no dia 11.03.20, a OMS - Organização Mundial da Saúde decretou pandemia do novo coronavírus2, visto que não se podia mais falar na ação territorialmente localizada do covid-19, por já ter se alastrado por todo o planeta.

As consequências do covid-19, inicialmente, estavam circunscritas aos riscos sanitários dela decorrentes, mas, em virtude do ambiente de insegurança causado por sua capacidade de (elevada transmissibilidade) transmissibilidade3 e sua alta taxa de letalidade entre os grupos de riscos - como entre os idosos4 -, a sua expansão causou consequências drásticas nas Bolsas de Valores de todo o mundo5, destacando-se que, no Brasil, ocorreram 5 circuit breakers em 6 pregões, sendo o último no dia 16.03.206.

Sendo assim, este ambiente de insegurança e instabilidade do mercado de transações mobiliárias estendeu-se para os contratos, especialmente para os contratos de locações não residenciais (ou comerciais), amplificado com a expedição de decretos municipais em todas as capitais do Brasil, determinando o fechamento temporários dos comércios7 com reflexos imprevisíveis na economia nacional.

Explicado isso, questiona-se o que o locatário pode fazer para se preservar na relação contratual com o locador em face desse cenário imprevisível de pandemia. O presente artigo procura desenvolver potenciais soluções para estes prováveis e provavelmente numerosos problemas.

2) Importância da autocomposição e negociações entre locador e locatário:

Na mesma esteira, com o propósito de incrementar a comunhão de esforços visando à contenção da expansão da epidemia do covid-19 em território nacional, o CNJ (CNJ) determinou, no dia 19.03.20, a suspensão de todos os prazos processuais no país8, vez que os fóruns e tribunais são, reconhecidamente, ambientes de aglomerações sociais. Por conta disso, a intervenção jurisdicional - atualmente e sem ser possível precisar até quando - ficará limitada a medidas de urgência, a funcionar pelo sistema de plantão extraordinário9.

Na prática, isso significa que discussões judiciais relativas a contratos (que não envolvam direito à saúde) serão postergadas para quando da retomada das atividades regulares do Poder Judiciário ao redor do país. Como resultado disso, as partes devem passar a assumir maior protagonismo na solução dos conflitos de interesses em âmbito contratual, dando-se especial atenção aos litígios locatícios, compostos pela legítima expectativa do locador de receber o valor do aluguel contratado e a igualmente legítima expectativa do locatário de pagar aluguel em montante condizente com a efetiva utilidade que ele pode ter do imóvel nessa nova conjuntura.

No contexto atual, todas as capitais do País determinaram o fechamento do comércio e de estabelecimentos de serviços considerados não essenciais. Significa dizer que o locatário não poderá abrir as portas de seu estabelecimento para receber sua clientela, restringindo sobremaneira a efetiva utilidade que ele teria sobre o imóvel, por conta de fato alheio à sua vontade.

Nessa linha e para melhor compreender as observações que serão feitas em tópicos subsequentes, é preciso destacar que o contrato de locação é um contrato bilateral (ou sinalagmático) e de execução continuada. Explica-se: 

Considera-se o contrato de locação um contrato bilateral porque ambas as partes contratantes (locador e locatário) assumem obrigações contratuais que se equivalem e que devem se manter em harmonia. O locador obriga-se, principalmente, a “entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina” (art. 22, I, da lei do Inquilinato), ao passo que o locatário obriga-se, primordialmente, a “pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação [...]” (art. 23, I, da lei do Inquilinato).

Essas obrigações, portanto, devem manter, no curso da execução contratual, o mesmo equilíbrio existente quando da celebração do contrato; isto é, o direito de usar o imóvel para determinada destinação deve equivaler ao valor acordado de aluguel. Se, porventura, algum evento superveniente ocasionar a ruptura desse equilíbrio entre prestações (sinalagma contratual), será possível argumentar a necessidade de retificação de tal descompasso, o que abordaremos nos tópicos futuros.

Ademais, o contrato de locação é um contrato de execução continuada. Isso significa que não se trata de contrato que se exaure logo após sua celebração ou na data acordada para o cumprimento de uma única prestação. É, por outro lado, um contrato que pressupõe renovação periódica das obrigações assumidas pelas partes; a cada mês, o locador disponibiliza o imóvel ao locatário e o locatário realiza o pagamento do aluguel acordado. Relacionando-se com a necessidade de sinalagma ou equilíbrio contratual mencionados acima, o fato de se tratar de um contrato de execução continuada exige que se verifique esse equilíbrio mês a mês (ou a cada período previsto em contrato).

Sendo assim, mesmo que o negócio jurídico já tenha sido cumprido, por exemplo, por 10 meses, se, no 11º mês, algum evento superveniente e imprevisível ocorrer, gerando desequilíbrio prestacional, torna-se possível arguir a necessidade de restabelecimento do equilíbrio das prestações. 

A despeito da existência de dita possibilidade de reajustamento do equilíbrio contratual suportado no advento de eventos imprevisíveis e de consequências incalculáveis, há de se esclarecer não existe previsão específica na Lei do Inquilinato (lei 8.245/91) a respeito dos desdobramentos jurídicos oriundos de tal cenário. Isso posto, como se sabe, na hermenêutica jurídica, confere-se preferência ao princípio da especialidade; ou seja, aplica-se a lei especial com prevalência. Contudo, quando a lei especial não possui disposição específica acerca de dado tema, há de se complementar com a legislação geral.

Nesse caso, o CC prevê, nos seus arts. 317, 393 e 478-480, diferentes tratamentos a cenários semelhantes aos atuais, mediante a adoção de distintas teorias contratuais.

3) Institutos jurídicos previstos no Código Civil aptos a servirem como base para renegociações contratuais:

3.1) Revisão Contratual por Desequilíbrio Contratual Superveniente, com fundamento no art. 317 do Código Civil: 

O primeiro dispositivo a se analisar é o art. 317 do CC:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação (grifou-se).

O dispositivo incide sobre hipóteses em que, por conta de eventos supervenientes e imprevisíveis, vier a se verificar desequilíbrio entre o valor da prestação inicialmente acordada e o valor da prestação no momento próprio de seu adimplemento. Trata-se de dispositivo direcionado a regular contratos de execução diferida ou continuada, uma vez que se observa a existência de lapso temporal entre o momento da celebração do negócio e o momento do cumprimento da obrigação.

No caso específico da locação, tome-se por hipótese o que segue:

A empresa XYZ Roupas de Festas Ltda. celebrou, com o Sr. José, contrato de locação de imóvel urbano para fins comerciais, situado no centro de Porto Alegre/RS, no dia 20.07.19, acordando o valor mensal de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais), mais encargos. No momento da celebração, levando-se em consideração o ambiente de expectativa de crescimento econômico e com alta circulação de pessoas na região do imóvel, o sócio administrador da empresa realizou diversos investimentos para abrir a sua loja naquele imóvel, com a legítima expectativa de que teria retorno financeiro desse aporte de capital. Isto é, em julho do ano passado, pagar R$ 5.500,00 a título de aluguel representava um ajuste de vontades condizente com o direito de usar aquele imóvel para fins comerciais. Ocorre que, passados 8 meses desde a celebração do contrato, desenha-se um momento de significativo e forçado isolamento social, com numerosas cidades pelo mundo com ruas vazias10.

Assim, questiona-se: a empresa XYZ Roupas de Festas Ltda. seguirá tendo de desembolsar o valor de R$ 5.500,00 mais encargos para ocupar um imóvel que não poderá ser aberto para clientes, por conta de determinações municipais ou de qualquer outra esfera de poder?

Quando as partes celebraram o contrato em julho passado, o cenário previsível e provável era de alta circulação de pessoas e de economia em crescimento, de modo que é perfeitamente seguro inferir que nenhum dos contratantes poderia ter vislumbrado o advento de uma pandemia que levaria a maioria dos habitantes do planeta a se isolarem em suas residências.

Sendo assim, é evidente que se está diante de “motivos imprevisíveis”, bem como que há “desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”, requisitos estes contemplados no art. 317 do CC. Trata-se, inclusive, de exemplo categórico, que, até então, encontrava-se mais comumente em livros de Direito Privado, razão pela qual salta aos olhos o cabimento da revisão neste caso. É inegável que o locador faz jus à remuneração por dispor o seu imóvel ao locatário, mas é igualmente inegável que o valor inicialmente acordado não condiz com a efetiva utilidade do imóvel em tempos de pandemia.

Vale destacar que o fato de o Poder Judiciário estar com prazos suspensos não exclui a aplicabilidade do art. 317 do CC, pois, a despeito de prever que caberá ao juiz revisar o contrato, readequando o valor da prestação, essa incumbência também pode ser transmitida às partes, em comum acordo. Vivencia-se um momento de ruptura no que tange à percepção social da função exercida pelo Poder Judiciário; conflitos de interesses disponíveis e meramente patrimoniais podem - e devem - ser solucionados por autocomposição, mediante concessões recíprocas, com os próprios envolvidos tomando as rédeas da situação e deliberando acerca das tomadas de decisão e resoluções que lhes impactarão diretamente. 

Essa onerosidade excessiva incidente sobre a prestação de responsabilidade do locatário, como decorrência oriunda da superveniência de eventos não apenas imprevistos, mas imprevisíveis, deve ser analisada sob os auspícios do princípio da conservação dos negócios jurídicos, mediante a compreensão analógica dos artigos 157 e 170, conjuntamente com o art. 317 do diploma civilista, como fatores a construir um cenário negocial tendente à renegociação e revisão das condições pactuadas.11

São numerosos os casos em que a decisão judicial não satisfaz nenhuma das partes do processo, podendo servir este momento de anormalidade social e institucional como estímulo e oportunidade de locador e locatário abrirem negociações e acharem uma solução contratual que independa de intervenção judicial.

3.2) Caso Fortuito e Força Maior, mediante aplicação dos arts. 393 e 396 do CC: 

Menciona-se, abaixo, o teor do art. 393 do Código Civil, o qual contempla a figura do caso fortuito e força maior:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (grifou-se).

Observa-se, assim, que o art. 393 do CC é voltado para situações mais drásticas, em que esses eventos imprevistos, inevitáveis e alheios à vontade das partes (caso fortuito ou força maior) são suficientes para inviabilizar o cumprimento da prestação inicialmente acordada. No contexto atual, a pandemia do novo coronavírus pode, a depender do caso concreto, ter o condão de inviabilizar em absoluto o cumprimento das obrigações, uma vez que há forte tendência de se desenvolver uma rede complexa e extensa de inadimplemento.

No caso específico da locação, tome-se o mesmo exemplo da empresa XYZ Roupas de Festas Ltda., a qual depende da compra de produtos por seus clientes, para que, então, possa cumprir com suas obrigações assumidas com fornecedores, funcionários e colaboradores, suas obrigações tributárias e o aluguel (e acessórios). Com a pandemia do novo coronavírus, essa empresa viu zerar o seu faturamento subitamente, visto que se encontra impossibilitada de negociar produtos com seus clientes em seu ponto comercial. Isso faz com que toda uma rede complexa de inadimplemento seja detonada, gerando descumprimentos contratuais em cascata.

Ocorre que o inadimplemento contratual, para ser passível de sanção, pressupõe culpa da parte que não cumpriu a prestação a que havia originalmente se obrigado. É justamente essa a conclusão que se extrai do art. 396 do CC, ao prever que “não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.”

O art. 396 do CC, portanto, relaciona-se diretamente com o art. 393, uma vez que, se os fatos que levaram ao inadimplemento não puderem ser imputados ao contratante (locatário), não pode ele ser considerado em mora, o que impossibilita que seja sancionado pelo atraso no cumprimento da obrigação. Gagliano, ao dissertar sobre o tema, enfatiza que o caso fortuito e a força maior “resultam no inadimplemento fortuito da obrigação, sem que, com isso, se imponha a qualquer das partes a obrigação de indenizar.”12

No caso do novo coronavírus, a impossibilidade de a empresa XYZ Roupas de Festas Ltda. pagar o aluguel decorreu do fechamento do estabelecimento por determinação municipal. Não se trata de erro de gestão, escolhas comerciais inadequadas ou de falha na estratégia de marketing do empreendimento; trata-se de um evento alheio à sua vontade, igualmente estranho à noção ordinária de risco negocial, extrapolando a álea imanente à espécie contratual13, configurando-se, assim, caso fortuito e força maior, de modo que não se mostra possível falar em mora.

A dúvida que pode surgir é a seguinte: em que a não configuração de mora influencia as relações jurídico-contratuais de locação? Explica-se da seguinte forma: a principal preocupação do locatário é realizar, tempestivamente, o pagamento dos aluguéis e acessórios, uma vez que, não o fazendo, ele ficará sujeito à propositura da ação de despejo por falta de pagamento (art. 62 da Lei de Locações). 

A grande peculiaridade do contexto histórico que estamos vivenciando é que, para que o locador obtenha sucesso na ação de despejo por falta de pagamento, é imprescindível que se esteja diante de mora imputável ao locatário (devedor). Como visto acima, contudo, a mora do locatário deu-se por fato alheio à sua vontade e seu controle (caso fortuito e força maior), de modo que, ainda que os prazos processuais não estivessem suspensos, o locatário poderia provar, acima de qualquer suspeita razoável, que a mora não lhe é imputável. Isto é, demonstrar que eventos fortuitos e alheios à sua vontade induziram a impossibilidade de pagamento das suas obrigações e, com isso, amparar o seu pleito de desconfiguração da mora, obstando-se o despejo.

Adiciona-se a essa passagem o fato de que a tese argumentativa acima não se sustenta na necessidade futura de aprovação do PLS 1.179/2014 pela Câmara dos Deputados e subsequente sanção presidencial, uma vez que, como visto, ainda que não houvesse qualquer lastro normativo suspendendo a determinação de medidas desalojatórias, a arguição devidamente fundamentada de inocorrência de mora tolheria do pedido a causa jurídica ensejadora do despejo.

Essa ponderação é crucial para compreender que, não obstante a necessidade de provar, à luz do caso concreto, a ocorrência de absoluta impossibilidade de cumprimento das obrigações, o mais indicado é que as partes compreendam a magnitude e gravidade dos distúrbios no contexto socioeconômico, para o fim de, com isso em mente, prontificarem-se a negociar e providenciar uma solução que atenda aos interesses de ambos os contratantes, dentro do possível, cientes que devem estar da anormalidade das circunstâncias.

3.3) Teoria da Imprevisão, com base nos arts. 478-480 do CC:

Por fim, o Código Civil prevê, ainda, a adoção da Teoria da Imprevisão, nos seus arts. 478 a 480. Essa teoria foi expressamente positivada no início do século XX, no Direito Francês, mediante a promulgação da chamada “Lei Failliot”15. No Brasil, por sua vez, restou positivada com o advento do CC de 2002. 

Trata-se de uma teoria de adoção excepcional, visto que pressupõe o preenchimento de requisitos de difícil demonstração. Pois justamente a excepcionalidade do cenário corrente viabiliza sua aplicação, como se pretende demonstrar abaixo.

Para compreender os requisitos de referida teoria, cumpre transcrever abaixo o teor do art. 478 do CC:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação (grifou-se).

Nas palavras de Maria Helena Diniz, ao versar sobre as exigências estipuladas pelo legislador à adoção prática da Teoria da Imprevisão, os requisitos podem ser sintetizados da seguinte forma: 

a) vigência de um contrato comutativo de execução continuada que não poderá ser aleatório, porque o risco é de sua própria natureza, e, em regra, uma só das partes assume deveres; b) alteração radical das condições econômicas no momento da execução do contrato, em confronto com as do instante de sua formação; c) onerosidade excessiva para um dos contraentes e benefício exagerado para o outro; d) imprevisibilidade e extraordinariedade daquela modificação, pois é necessário que as partes, quando celebraram o contrato, não possam ter previsto esse evento anormal, isto é, que está fora do curso habitual das coisas, pois não se poderá admitir a rebus sic stantibus se o risco advindo for normal ao contrato.16

O legislador, portanto, optou por elencar os seguintes pressupostos de aplicabilidade:

a) Contratos de execução continuada ou diferida;

b) Prestação de uma das partes torna-se excessivamente onerosa;

c) A outra parte passa a perceber extrema vantagem, em detrimento do outro contratante; e

d) Esse desequilíbrio prestacional decorre de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

Como visto em tópicos anteriores, o contrato de locação é um contrato de execução continuada (requisito “a”). Além disso, o novo coronavírus, gerando fechamento de estabelecimentos comerciais por determinações estatais, tornou a prestação do locatário excessivamente onerosa (requisito “b”), já que a efetiva utilidade do imóvel restou anulada, rompendo o equilíbrio da relação entre o valor de aluguel e o efetivo proveito extraído do uso do imóvel. Da mesma forma, é possível arguir que o locador passou a ser beneficiário de extrema vantagem (requisito “c”), visto que, em cenário de pandemia, ele não conseguiria alugar seu imóvel pelo valor inicialmente acordado com o locatário, ou até por valor algum, justamente pela nulificação da utilidade comercial do imóvel. Por fim, é seguro concluir que o desequilíbrio entre a prestação a cargo do locatário e os ganhos auferidos pelo locador decorre de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (requisito “d”), haja vista que não seria possível exigir que se previssem os desdobramentos severos da pandemia do covid-19.

Quanto à parte final do art. 478 do CC, observa-se que o legislador conferiu a possibilidade de o contratante lesado por esses eventos imprevisíveis e de consequências incalculáveis (locatário, no caso) não só afastar sua mora, como também requerer a resolução do contrato, ou seja, colocar fim à relação contratual por conta de eventos externos. O art. 479 do CC, por sua vez, prevê a possibilidade de o réu (locador), beneficiário de extrema vantagem, após ser citado, evitar a resolução do contrato, dispondo-se a revisar o contrato, para o fim de “modificar equitativamente as condições do contrato.”

Diante disso, faz-se a seguinte ponderação: a aplicação da Teoria da Imprevisão precisa ocorrer, necessariamente, em âmbito judicial? A resposta é negativa, visto que, caso as partes percebam que todos os requisitos legalmente previstos estão preenchidos no caso concreto, o mais salutar e economicamente vantajoso para ambas as partes é não deixar para que a solução provenha da judicialização.

Evidenciando-se, à luz do caso concreto, que os requisitos legais estão preenchidos e que, caso o locatário proponha ação pleiteando a resolução do contrato, a tendência seja que o Poder Judiciário venha a acolher seu pedido, é flagrante que se mostra economicamente mais vantajoso que as partes, assistidas por seus advogados, costurem um acordo e, por meio da autocomposição, revisem as condições contratuais (temporária ou definitivamente), para o fim de que, desta forma, possam privilegiar o Princípio da Conservação do Negócio Jurídico.

Conclusão:

O presente texto propôs-se a dissertar sobre os diferentes institutos jurídico-contratuais com lastro normativo no diploma material civil brasileiro, que poderão servir como norte interpretativo e prático tanto aos operadores do Direito, que serão chamados a orientar e guiar seus representados nessas negociações, quanto aos próprios jurisdicionados e partes contratantes em relações contratuais.

É inegavelmente cedo para tentar antever a amplitude dos efeitos nocivos oriundos da pandemia do novo coronavírus, tanto em termos de saúde pública, quanto econômicos, mas é igualmente incontroverso que, quanto antes as partes compreenderem o poder que possuem de serem os agentes diretos das readequações contratuais necessárias, não contando com a intervenção jurisdicional para tanto, melhores serão as chances de uma autocomposição apta a atender aos interesses de ambos os contratantes.

Há de se acrescer ainda a esses fatores o fato de que não se pode prever qual será o entendimento jurisprudencial dominante acerca do tema nos meses vindouros. Logo, mostra-se conveniente compreender que uma solução presente e com termos claros, obtida mediante diálogo e protagonismo das partes, tende a representar uma opção juridicamente mais segura que uma decisão judicial futura, de teor incerto e imprevisto.

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1- Acesse aqui.

2- Acesse aqui.

3Acesse aqui.

4Acesse aqui.

5Acesse aqui.

6Acesse aqui.

7Acesse aqui.

8Acesse aqui.

9Acesse aqui.

10 - Acesse aqui.  

11-  VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo. A Revisão Judicial dos Contratos sob a ótica do Direito Contemporâneo. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p. 193.

12-  GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: (abrangendo o código de 1916 e o Novo Código Civil). 1ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. p. 302.

13- NASSER, Paulo Magalhães. Onerosidade excessiva no contrato civil. 1ªed. São Paulo. Editora Saraiva, 2011. p. 180.

14Acesse aqui.

15- JUNIOR, Otavio Luiz Rodrigues. Revisão Judicial dos Contratos – Autonomia da Vontade e Teoria da Imprevisão. 2ªed. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 28.

16- DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – 3º volume : teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 23ªed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 164.

_________ 

*Rafael Vieira Duarte Pereira é advogado especialista em contratos e Direito Imobiliário no escritório Rafael Duarte Advocacia e Consultoria Jurídica, membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB/RS e membro da Comissão de Direito Sucessório do IBDFAM/RS.

 

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