A Recuperação Judicial e Extrajudicial chegou ao direito brasileiro, através da Lei nº 11.101/2005, como uma forma de substituir a antiga concordada, visando garantir que empresas que fossem viáveis, mas que, por situações adversas episódicas, passassem por situações de insolvência ou baixa liquidez. Segundo Martins:
Antevista a crise da empresa como sendo um processo transitório que leva a um ajuste nas estruturas de produção e manutenção de seus custos, priorizando a fomentação de instrumentalizar a atividade, o legislador editou a Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, entrando em vigor em 09 de junho de 2005, e assim preservando as empresas em dificuldade.1
Em outras palavras, o instituto da Recuperação é voltado para as empresas que atravessam uma crise transitória e superável.
Assim, a ideia do instituto é de preservar a função social da empresa, enquanto ente gerador de emprego e riqueza social, em situações em que esta se encontra necessitada de certa compreensão por parte de seus credores, tendo como mote a visualização de que é melhor (tanto para o empresário, quanto para os empregados e credores) manter a empresa em funcionamento, parcelando débitos, do que ter a sua liquidação absoluta.
Sobre o assunto, Martins define a Recuperação de Empresas da seguinte forma:
Em linhas gerais, a recuperação tanto judicial como extrajudicial, previstas na legislação, visam ao exaurimento dos meios instrumentais para se evitar a falência da empresa em crise, mantendo os empregos, a arrecadação, fornecedores e acima de tudo o nome com o respectivo conceito no mercado.2
E para abarcar, efetivamente, as necessidades dos empresários, foram previstas três formas de recuperação: Recuperação Judicial, Recuperação Judicial pelo Plano Especial e Recuperação Extrajudicial.
A Recuperação Judicial, mais conhecida, e que exige, em suma a) não se encontrar em tramitação nenhum pedido de recuperação judicial dele; c) não lhe ter sido concedida, há menos de 2 anos, recuperação judicial ou extrajudicial3.
A segunda seria a Recuperação Judicial pelo Plano Especial, destinada a Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, com condições diferentes e simplificadas em relação à Recuperação comum, como por exemplo, a assembleia geral dos credores não será convocada para deliberar sobre o plano especial, cabendo sua aprovação ou rejeição exclusivamente ao juiz4.
Por fim, a Recuperação Extrajudicial, na qual o devedor que se encontre em crise financeira poderá estabelecer um acordo com um ou mais credores para tentar superar tal adversidade. Contudo, para o acordo surtir efeito deverá ser homologado pelo juiz.
Sobre os requisitos necessários para a homologação do plano de Recuperação Extrajudicial, ensina Coelho:
Assim, o devedor que precisa ou pretende requerer a homologação da recuperação extrajudicial deve preencher os seguintes requisitos: a) atender às mesmas condições estabelecidas pela lei para o acesso à recuperação judicial, a saber; b) não se encontrar em tramitação nenhum pedido de recuperação judicial dele; c) não lhe ter sido concedida, há menos de 2 anos, recuperação judicial ou extrajudicial.5
Em todas as referidas modalidades, a Recuperanda, através do Plano de Recuperação, poderá propor redução e parcelamento dos débitos existentes, demonstrando que desta forma poderia cumprir com as obrigações existentes, manter empregos e a fonte produtora.
Não obstante, fato é que a Recuperação, seja ela Judicial ou mesmo a Extrajudicial, geralmente era vista como uma fase pré-quebra, ou pré-falimentar, fazendo com que os credores, ao invés de buscarem acordos visando a manutenção da empresa, comportassem-se como verdadeiros “saqueadores de baleias encalhadas”, cada qual arrancando o pedaço que conseguisse.
Dessa forma, o instituto da Recuperação era visto com muita reserva (e até mesmo preconceito) pelos empresários, que optavam, muitas vezes, por seguir seus negócios “aos trancos e barrancos”, evitando o instituto, pelos seus deletérios efeitos, dentre eles, inclusive, a desvalorização patrimonial da empresa, ligada à especulação sobre sua possível falência vindoura.
Contudo, entre as diversas mudanças que a pandemia de COVID-19 nos trouxe, uma delas, e das mais importantes (diga-se), deve ser a mudança de ótica e paradigma sobre o qual deve ser visto o instituto da Recuperação, pois será ele fundamental na recuperação econômica que se fará necessária.
Afinal, é fato que passamos da previsão de um Produto Interno Bruto de 2% (dois por cento) para uma margem negativa ainda desconhecida, posto que estamos a vivenciar apenas o início da crise; passamos a ver o exército de quatorze milhões de desempregados crescer em velocidade alarmante; passamos a ver empresas saudáveis sem caixa para honrar compromissos básicos, como locação e folha de pagamento (e estamos a fazer certo, pois estamos a salvar vidas, e a economia serve ao homem, e não o contrário).
Enquanto esse turbilhão acontece, não podemos nos desprender de nossa fraternidade e racionalidade (posto que uma quebra generalizada não beneficiaria absolutamente ninguém), afinal, o caso que vivemos é de uma crise episódica, cujo abalo nas contas das empresas em nada demonstram sua inidoneidade.
Dessarte, é imprescindível que as empresas passem a auditar, de forma cuidadosa e acurada, as suas contas, remanejar e renegociar o que for possível e viável, buscando, sempre, uma segurança jurídica para os atos, o que pode ser encontrado nos institutos da Recuperação (Judicial ou Extrajudicial).
Nesse sentido, não por outra razão, senão buscando uma rápida recuperação econômica e dos empregos, o Poder Legislativo encontra-se discutindo o Projeto de Lei 1.397/2020, que flexibiliza e simplifica o procedimento de Recuperação Judicial.
Desse modo, o que se vê é que as medidas legislativas não têm sido omissas quanto a questão (embora estejam, no nosso entender, sendo deveras conservadoras com as medidas, que precisariam ser mais arrojadas para uma rápida recuperação econômica), razão pela qual, dado o atual cenário da arte, compete aos empresários fazer uso adequado das medidas, lançando mão dos meios necessários para atenuação dos efeitos da crise decorrente do Coronavírus.
_____________
1 Martins, Fran. Curso de direito comercial. p. 460.
2 Martins, Fran. Curso de direito comercial. p. 461.
3 COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial. p. 439.
4 COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial. p. 435.
5 COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de direito comercial. p. 439.
__________
José E. da C. Fontenelle Neto é mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, Mestre em Direito da União Europeia pela Universidade do Minho - UMINHO/PT, especialista pós-graduado em direito penal e criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal ICPC/UNINTER. Graduado em Direito pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal na Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Advogado.
Lucas Rafael Gonçalves Corrêa Cidral. Graduado em Direito pela Universidade da Região de Joinville – Univille. Especialista Direito Tributário e Empresarial, com MBA Executivo pelo Instituto Nacional de Pós Graduação – INPG. Advogado.