Após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, ventos otimistas tomaram conta do Brasil, sobretudo no meio empresarial, fundada na crença de que seriam as finanças públicas seriam colocadas nos trilhos, por meio de uma utilização mais responsável e menos expansionista, bem como de que haveria menos intervenção estatal na economia. Essas mudanças, capitaneadas pelo ministro da Economia, sr. Paulo Guedes, apelidado de "Posto Ipiranga" pelo presidente, teriam o condão de destravar investimentos e catapultar a economia em direção ao progresso.
Como se sabe, embora a reforma previdenciária tenha sido bem-sucedida (para as contas públicas, principalmente), não houve qualquer redução de tributos, tampouco reforma tributária, que, na letargia política/burocrática brasileira, seguia engatinhando até um momento político oportuno, que, diante da pandemia da covid-19, agora parece ainda mais longe. Também não parece que sairá tão cedo a almejada reforma administrativa, que, grosso modo, pretendia ao menos colocar um freio na farra dos gastos públicos com servidores (aqueles de cargos mais altos, ressalta-se, notadamente o Poder Judiciário, Legislativo, Ministério Público e tribunais de contas). Igualmente, desde o início do governo não se verifica qualquer movimento de liberalização comercial ou inserção do país em um contexto de menos proteção a produtos nacionais e mais exposição ao livre comércio internacional, bandeira cara a liberais de verdade.
À exceção da mencionada reforma da previdência (cujo sucesso deve crédito à condução realizada pelo Congresso), da Lei da Liberdade Econômica (LLE) – que de fato buscou estabelecer princípios para a menor intervenção estatal nas relações entre particulares – e de algumas novas flexibilizações trabalhistas, o governo parece ainda apoiar-se muito mais nos seus discursos carregados de desinformação e caráter eleitoreiro, fortemente impulsionados por robôs em redes sociais, do que na real necessidade de apresentar propostas e trabalhar em prol de um país mais desenvolvido e mais inclusivo. Obviamente este artigo não abordará as questões humanas e sociais, como saúde e educação, porque simplesmente foram completamente deixadas de lado das decisões governamentais até a triste pandemia da covid-19 nos alcançar em terras tupiniquins.
No entanto, como no dizer popular, "desgraça pouca é bobagem", agora vivenciamos um pesado dilema de cunho teórico-moral abater-se sobre as cabeças pensantes da economia do nosso país. Se, de um lado, até meados de março convivíamos sob o mantra do quanto menos Estado melhor, que acompanha nosso ministro da economia desde que era um jovem estudante, por outro, a pandemia que se espalha rapidamente pelo mundo todo demanda respostas ágeis dos Estados, último recurso das pessoas (físicas e jurídicas) para salvar a economia de um país. E a adoção de medidas contracíclicas – ou mais heterodoxas – pelo governo certamente atormenta nosso ministro da economia, justamente por ir de encontro a tudo que ele sempre defendeu.
Contudo, essa atuação estatal, além de já ter sido sugerida por diversos economistas de renome no país e no exterior, como Arminio Fraga, Marcos Lisboa, Guilherme Benchimol, que não são exemplos de heterodoxia econômica, pode ocorrer de diversas maneiras. O governo do Reino Unido, por exemplo, anunciou que irá pagar os salários de funcionários de empresas privadas por 3 meses. Os EUA, país por muitos considerado o mais capitalista do mundo e objeto da adoração do presidente Bolsonaro, propôs um pacote econômico que pretende injetar mais de 2 trilhões de dólares em sua economia. E o Brasil, embora tenha adotado algumas medidas importantes e necessárias, sobretudo quanto à injeção de liquidez no setor bancário, por meio do Banco Central (as medidas terão o potencial de alcançar cerca de 1,2 trilhões de reais), ainda continua batendo cabeça sobre a melhor forma de ajudar as pessoas a enfrentarem a crise econômica, que já está instalada.
Infelizmente, nos encontramos entre a cruz e a espada, porque nosso ministro da economia nunca acreditou na intervenção do Estado na economia, e, ao que tudo indica, não será agora que mudará de ideia. Apesar de todos os alertas, dos estudos e de países que se dobraram ao peso da crise que se instaura e à necessidade de atuação estatal firme, justamente para dar mais segurança e tranquilidade ao enfrentamento de suas consequências econômicas pela população, nossas escolhas de auxílio são tímidas e até então, insuficientes. O presidente da República, que sequer acredita no potencial da doença e no risco tanto para a saúde das pessoas, como para o sistema de saúde do país, dispensa comentários. Como de economia não entende nada, fica a desoladora constatação da falta de liderança e responsabilidade na condução desta crise, à exceção do bom trabalho que vem sendo realizado pelo Ministro Mandetta, da Saúde.
Por isso tanta discussão sobre a possibilidade de volta ao trabalho, isolamento vertical, horizontal, lockdown, etc. Não que os demais países também não tenham preocupações semelhantes, mas ao menos suas populações sabem que, em maior ou menor medida, terão apoio dos seus respectivos Estados, seja por meio de subsídios financeiros diretos, créditos especiais e facilitados para enfrentar a crise, alívio tributário, dentre outras medidas. Aqui, o grande problema é que parte da burocracia que administra o Estado não quer dar o braço a torcer quanto à necessidade de implementar medidas de estímulo, e, boa parte do eleitor mais radical do presidente também pensa da mesma maneira.
Evidente que preocupações sobre a responsabilidade do gasto importam, mas nos parece que o Decreto de Calamidade Pública, reconhecido pelo Congresso Nacional, dá margem ao extrapolamento da meta fiscal, em razão da inédita e calamitosa situação que enfrentamos. Nesse contexto, a dispensa do atingimento do resultado fiscal previsto para esse ano dá margem ao governo utilizar das ferramentas necessárias – inclusive emitindo dívida, se necessário – para dar conta das necessidades prementes da população brasileira, que neste momento são a saúde, e, posteriormente, a recuperação econômica, em que Estado poderá (e deveria) ter papel fundamental.
Assim, enquanto temos necessidade urgente de medidas sanitárias e de saúde adequadas para o enfrentamento dessa crise, também a economia deve ser devidamente atendida. E isso não se dará com a abertura de comércio ou volta ao trabalho desorganizada em um país já mergulhado numa crise sanitária e econômica, mas com medidas efetivas por parte do Estado brasileiro, que pode e deve oferecer o suporte a todos os seus 210 milhões de cidadãos. Resta saber se para isso algumas pessoas passarão por cima do orgulho, ou se continuaremos reféns de paixões de cunho teórico-ideológico que neste momento nada ajudam o nosso povo.
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*Carlos Alberto Doering Zamprogna é advogado. Mestrando em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Público – IDP. Especialista em Direito Internacional (UFRGS), Processo Civil (Unoesc) e Finanças, Investimentos e Banking (PUC/RS).