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A pandemia e a continuidade dos contratos administrativos: a importância do planejamento para adoção de soluções jurídicas

Para o adequado atendimento das mais diferentes necessidades, a Administração Pública Direta e Indireta necessariamente celebra com a iniciativa privada diversos negócios jurídicos.

9/4/2020

Para o adequado atendimento das mais diferentes necessidades, a Administração Pública Direta e Indireta necessariamente celebra com a iniciativa privada diversos negócios jurídicos. 

Os chamados contratos administrativos, em tese, devem ser prescindidos por procedimentos licitatórios ou pelo atendimento a requisitos legais específicos para dispensá-los ou não exigi-los. 

Ordinariamente, a matéria de licitações e contratos administrativos é tratada na lei n. 8.666/93 – Lei de Licitações e na lei n. 10.520/02 – Lei do Pregão. As estatais, por sua vez, devem observância à Lei n. 13.303/16. 

Uma vez celebrado o instrumento contratual, o que se espera é que sua execução se dê de acordo com o cronograma inicialmente previsto pela Administração Pública, nos valores propostos por sua contratada. 

Ocorre que a excepcionalidade do cenário atual se revela inédita e, particularmente, grave na história recente. A pandemia do novo coronavírus tem proporções globais e repercute fortemente em todos os setores do país. 

Diariamente, medidas têm sido adotadas pelas autoridades públicas brasileiras, na tentativa de conter os avanços da Covid-19: leis, decretos legislativos, medidas provisórias e outros normativos buscam enfrentar essa situação de emergência em saúde pública. 

Nesse contexto, é indubitável que os efeitos dessa pandemia extrapolarão as questões sanitárias e impactarão nos contratos administrativos das mais diversas naturezas. 

Algumas contratações de obras de infraestrutura ou compras de materiais, por exemplo, serão adiadas, enquanto, a aquisição de medicamentos e de equipamentos hospitalares, assim como a realização de obras de ampliação da rede de saúde para o atendimento aos doentes da Covid-19, serão cada vez mais urgentes!
 

Isso sem mencionar os serviços públicos e as atividades cuja continuidade é essencial à população (conforme pontuado na lei federal n. 10.282/20). 

Nesse cenário de excepcionalidade, a legislação vigente prevê a possibilidade de alterações das condições contratuais primárias, como por exemplo: a suspensão do contrato, a prorrogação de prazo com a fixação de novo cronograma de execução, a realização de acréscimos e supressões, e, em último caso, a rescisão dos ajustes.

Isso porque os valores dos insumos tendem a subir, alguns materiais se tornarão escassos, surgirão ainda problemas de disponibilidade de mão de obra e de cumprimento dos cronogramas de execução, sem mencionar nas consequências diretas e indiretas advindas dos normativos editados pelo próprio Poder Público (fato do príncipe) ou do exercício do poder de polícia pelo Estado.

Os impactos de ordem econômica e financeira derivados dessas bruscas alterações do quadro fático dos contratos públicos poderão ser enquadrados nos conceitos de caso fortuito, força maior, ou ainda na chamada teoria da imprevisão, conduzindo à alteração das condições contratuais originais.

 

Essas hipóteses, desde que devidamente demonstradas, ensejam a celebração de aditivo contratual para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, nos termos do art. 65, II, “d”, da lei n. 8.666/93. 

No caso de óbices ao cumprimento das obrigações nos prazos inicialmente pactuados causados pela pandemia (ainda que de maneira reflexa), as partes poderão formalizar a prorrogação desses prazos, sem que seja aplicada em desfavor da contratada qualquer penalidade administrativa (art. 57, §1°, inc. II, da lei n. 8.666/93).

 

Se os obstáculos causados pelo estado de emergência em saúde pública forem intransponíveis (ainda que momentaneamente) deverão os gestores avaliar a possibilidade de suspensão dos prazos fixados, lembrando que uma vez retomada a execução dos contratos, seus cronogramas de execução serão prorrogados automaticamente, pelo mesmo período da paralisação, conforme preceitua o art. 79, §§ 2º e 5º, da lei n.º 8.666/93.

 

Por fim, se a impossibilidade de execução for permanente ou excessivamente onerosa, poderão as partes formalizar rescisões contratuais amigáveis, garantindo-se às contratadas: (i) o ressarcimento dos prejuízos devidamente por elas comprovados, (ii) os pagamentos das parcelas contratuais efetivamente executadas até a data da rescisão; (iii) a devolução de garantia e (iv) o pagamento dos custo de desmobilização, conforme disposto no art. 78, XVII, da lei n. 8.666/93. 

De qualquer forma, o que deve ser consolidado é que a escolha e a concretização das soluções jurídicas possíveis demandarão atenção dos gestores públicos que, mais do que nunca, devem se pautar nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da eficiência.

Os recursos públicos deverão ser especialmente bem aplicados! O planejamento sobre as relações contratuais que serão mantidas, as condições em que os contratos serão preservados e quais serão rescindidos é primordial para a superação desse período pandêmico. 

Por isso mesmo, em prestígio ao princípio da boa-fé objetiva e para se evitar desgastes desnecessários com a instauração de processos administrativos de aplicação de penalidade descabidos (art. 87 da lei nº 8.666/93) ou com a negativa a pedidos legítimos de reequilíbrio econômico-financeiro, o diálogo deve ser intensificado a fim de que sejam adotadas as medidas mais céleres e, dentro do possível, menos gravosas para ambas as partes! 

Todas as tratativas relacionadas à superação da crise e à continuidade dos contratos administrativos, portanto, devem ser justificadas e registradas (ainda que em momento posterior ao originalmente previsto em lei). 

As contratadas devem levar ao conhecimento da Administração Pública os fatos e dados que comprovem a ocorrência desses entraves à regular execução dos objetos contratados relacionados à pandemia da Covid-19. 

Ou seja, devem demonstrar a existência de nexo de causalidade entre o surto do novo coronavírus e (i) eventual descumprimento de obrigação contratual ou (ii) oneração excessiva de custos a ensejar o afastamento de sua responsabilização, ou ainda, a fundamentar seu pleito de reequilíbrio econômico-financeiro.

Por outro lado, a Administração Pública deverá analisar os requerimentos e notificações encaminhados por suas contratadas e decidir motivadamente e em tempo justo a respeito do caso concreto, de modo a garantir a solução mais vantajosa ao resguardo do interesse público envolvido.

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*Flávio Cheim Jorge é professor Titular da UFES. Doutor em Direito, Advogado e sócio da Cheim Jorge Abelha Rodrigues Advogados Associados.

*Mariana Fernandes Beliqui é advogada especialista em Direito Administrativo da Cheim Jorge Abelha Rodrigues Advogados Associados.

 

 

 

 

 

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