Migalhas de Peso

O coronavírus e o negócio jurídico. E aí? Quais as consequências frente os contratos privados? Como solucionar os inevitáveis impasses?

Como viabilizar o cumprimento de suas obrigações negociais se a sua empresa não gera negócios? O que fazer com as locações quando não se utiliza do espaço locado por conta das campanhas #Ficaemcasa ou decretos de não mobilidade?

9/4/2020

Há pouco, tivemos a oportunidade de apresentar na Universidade Autônoma de Lisboa um trabalho cujo tema orbitava as alterações das circunstâncias do contrato, com reflexões sobre os institutos da onerosidade excessiva, teoria da imprevisão, todos eles desdobramentos da ainda imperativa cláusula rebus sic stantibus, que em tese prevê o cumprimento da obrigação estando as coisas como na ocasião da contratação. Até aquele janeiro último, a expansão do coronavírus ainda se restringia aos países do oriente e não tínhamos a menor noção do pandemônio que ora tomou conta do mundo.

Ainda assim, trilhamos naquela oportunidade, pela necessidade da revisão e/ou resolução dos contratos diante do evento oneroso e inesperado que torna indigna a obrigação futura ou sucessiva (própria de contratos dessa natureza), afastando a cláusula de ferro ou de sangue, a qual poderia gerar efeitos perniciosos se executada, o que não é esperado em nenhum contrato, vide os princípios da boa-fé objetiva, equivalência material e função social, todos eles visando o equilíbrio e a justa composição entre os interessados.

Claro que optamos, preferencialmente, pela revisão dos contratos, salvo impossibilidade plena, em prol da estabilidade dos negócios, segurança jurídica e consagração do princípio da conservação dos atos jurídicos.

Fato é que diante do caos instaurado em nosso país – e no mundo – frente à real ameaça do coronavírus, medidas governamentais vão sendo implantadas para minimizar os efeitos já experimentados noutros países – olhemos a Itália e seu calvário – e o comércio vai ficando cada vez mais restrito, como suspensas várias atividades que repercutirão na esfera e meio empresarial, de cunho pessoal e econômico imensuráveis, até então.

Como viabilizar o cumprimento de suas obrigações negociais se a sua empresa não gera negócios? O que fazer com as locações quando não se utiliza do espaço locado por conta das campanhas #Ficaemcasa ou decretos de não mobilidade? Como atender um contrato de fornecimento quando a produção está comprometida por falta de insumos ou empregados? O que fazer sob o peso da espada do sistema de metas quando o seu produto/serviço não tem saída, não tem consumidor à sua porta, ou determinaram o cerramento das suas portas?

É nessas horas que recomendamos lançar mão dos institutos da onerosidade excessiva, Teoria da Imprevisão, ainda o caso fortuito ou força maior, cujas distinções deixaremos a cargo do meio acadêmico. Importa saber que a lei brasileira (CC e do CDC, p.ex.) contempla essa situação para os contratos privados e qualquer um pode usar dessas ferramentas para chamar o seu contratante a promover a revisão do contrato, ou decidir, juntamente a ele a resolução do mesmo, sem repercussões indenizatórias ou reduzidas penalidades, se for a melhor hipótese. Em tempos de fluida comunicação, dinamismo negocial, mundo sem barreiras ou uma ideia global sistêmica facilitada pelas relações transnacionais e eletrônicas, vale lembrar o preceito da Teoria do Caos de Edward Lorenz, no qual o simples bater de asas de uma borboleta no Brasil, poderia causar um tornado no Texas (Efeito Borboleta).

Logo na virada do ano, alguns já falavam em 3ª Guerra Mundial quando os EUA mataram o chefe do Exército Iraniano, porém, não tinham a menor ideia do que ainda estava por vir; a pandemia do coronavírus que nos mostra quão sensíveis estamos às alterações das relações em razão do inesperado, do futuro desconhecido, que de certa forma não pode tornar estáticos os vínculos jurídicos, como se nada os pudesse abalar; felizmente, como o vírus que nos acomete, o Direito também tem sua essência mutante, para adequação e cumprimento da árdua tarefa de pacificação social, possuindo atributos que salvaguardam a já combalida comunidade, podendo evitar, com inteligência e segurança, o mal maior que estamos enfrentando.

Entretanto, quando até o já sobrecarregado Judiciário determina suspensão relativa de suas atividades - claro não exclui a apreciação emergencial – cabe aos agentes e protagonistas das revisões e resoluções contratuais agirem com criatividade lançando mão também de sistemas mais fluidos para a solução dos impasses, como as câmaras de Mediação e Conciliação, as quais podem realizar sessões virtuais (são tantas as alternativas para videoconferências na internet) e descortinar aos interessados caminhos variados para apaziguar os conflitos, algumas instituições com a segurança jurídica necessária que até dispensam homologação judicial, dispersando do problema em foco, a tensão pandêmica dos dias atuais.

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*Roger Sejas Guzman Junior é advogado no escritório Rossi e Sejas Advogados.

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