Em tempos em que a pandemia causada pelo vírus COVID-19 (Coronavírus) assola o mundo inteiro, a preocupação de muitas pessoas e empresas que têm suas reservas de hotéis e/ou espaços, planejamento e participação de eventos e/ou congressos para os próximos dias, além de sua possível contaminação, é a possibilidade ou não de cancelamento destes com a respectiva devolução dos valores pagos.
De início, porém, se faz necessário analisar se o contrato celebrado prevê a possibilidade ou não de cancelamento; caso no contrato haja previsão de cancelamento gratuito, não há com o que se preocupar, apenas pleiteá-lo junto à prestadora de serviços em que fora celebrado o contrato.
Todavia, na maioria dos casos, os contratos são de adesão e não permitem adequações ou mudanças consideráveis em seu texto, de modo que quando têm a previsão de cancelamento, estipulam multas altas e claramente desproporcionais, prejudicando a empresa ou consumidor contratante.
Tem-se, pois, que a atual situação é totalmente excepcional e comporta algumas análises. Vejamos o disposto nos artigos 393, 478, 479 e 480 do Código Civil:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”
Tais artigos dispõem acerca do cumprimento de uma obrigação, bem como da resolução de um contrato (compra/reserva de hotéis e espaços, realização de eventos/congressos) quando este se torna excessivamente oneroso. A situação retratada nesses artigos é no caso de (i) haver o caso fortuito ou força maior; (ii) o interessado não ter contribuído para o evento; e (iii) o contrato ser de execução continuada ou diferida.
Ora, a reserva de hotel, espaço ou realização de um evento ou congresso é, claramente, um tipo de contrato de execução diferida, ou seja, um contrato cujo momento de celebração é um e o momento de sua execução é outro, sendo este inserido na situação do artigo 479, do Código Civil. Nesta toada, resta então saber se trata de caso fortuito ou força maior.
O caso fortuito é proveniente de ato humano, imprevisível e inevitável, que impossibilita o cumprimento de uma obrigação, como: a greve, a guerra, o furto, dentre outros. Já a força maior é um evento previsível ou imprevisível, mas inevitável, decorrente das forças da natureza, como o raio, o terremoto, a inundação, a tempestade, dentre outros. Desta forma, tem-se que o caso fortuito ou força maior são eventos inevitáveis, de modo que a atual pandemia pode e é caracterizada como caso fortuito ou força maior, permitindo, portanto, o desfazimento ou a revisão forçada do contrato, o que é expressamente defendido pela teoria da imprevisão.
A teoria da imprevisão é descrita por Carlos Roberto Gonçalves e Maria Helena Diniz como:
“A teoria da imprevisão consiste, portanto, na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes torna-se exageradamente onerosa” GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e atos unilaterais, volume 3, 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 52-53.
“Isso acontece quando da superveniência de casos extraordinários e imprevisíveis por ocasião da formação do contrato, que o tornam, de um lado, excessivamente oneroso para um dos contraentes, gerando a impossibilidade subjetiva de sua execução, e acarretam, de outro, lucro desarrazoado para a outra parte” DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. Volume 3. ed. 28. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 183.
O Código de Defesa do Consumidor também prevê no seu artigo 6º, inciso V, como direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, bem como impõe nulidade às cláusulas que proíbam ou impeçam tal modificação ou subtraiam a opção de reembolso das quantias já pagas, nos casos previstos no referido Código e elencados acima.
Desse modo, conclui-se que além de excessivamente onerosa a manutenção desses contratos, contraria as orientações das Autoridades Nacionais, Estaduais e Municipais, bem como da Vigilância Sanitária. Também é de evidente conclusão que a não devolução dos valores pagos é desproporcional.
Portanto, à luz do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, tem-se que é sim possível o cancelamento da reserva de espaços, eventos e/ou congressos em razão da pandemia do vírus COVID-19 (Corona Vírus), com a respectiva devolução dos valores pagos, mesmo sem existência de cláusula contratual nesse sentido. No caso de ter previsão de multa pelo cancelamento, os Tribunais têm considerado o teto de 20% (vinte por cento) do valor pago para cancelamentos que ocorram a menos de 15 (quinze) dias antes do início do evento/congresso e no excepcional caso de a contratada já ter, comprovadamente, tido gastos não reembolsáveis com preparação deste.
Por fim, é importante indicar ao leitor que exerça seu direito com bom senso, buscando o acordo com a contratada, seja o reembolso da quantia de forma parcelada ou com desconto, adiamento da reserva, bônus em reserva posterior ou o que melhor se adequar para ambas as partes, não pensando exclusivamente em seus interesses, tendo como premissa que o momento é delicado para toda a Nação e empresas, sejam elas grandes ou pequenas.
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*João Paulo Batista da Silva, advogado e sócio fundador da Silva Advocacia, com foco em contencioso e consultivo cível, direito imobiliário e direito do consumidor.