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Covid-19 e educação: A pretensa redução das mensalidades e o risco de desequilíbrio de mais um setor

A economia brasileira, em um movimento extremamente abrupto e necessariamente forçado, se viu na linha de fogo do isolamento social. Os reflexos práticos, após pouco mais de um mês de dias intensos, incertos e cobertos por nuvens de “e se” e “porém”, impactaram as relações sociais em todos os seus níveis e setores.

8/4/2020

As últimas semanas, em escala global, representaram aprendizado, resiliência e imprevisibilidade há muito não vistas. O que era sólido, perene e estruturado se viu diante de incertezas, obstáculos e retrocesso econômico. As projeções e medidas preventivas, de todas as naturezas, buscam, incansavelmente, minimizar os impactos, por vezes imensuráveis, de um agente invisível que tirou todos do eixo usual de suas vidas e do controle daquilo que vislumbravam como rotina.

A economia brasileira, em um movimento extremamente abrupto e necessariamente forçado, se viu na linha de fogo do isolamento social. Os reflexos práticos, após pouco mais de um mês de dias intensos, incertos e cobertos por nuvens de “e se” e “porém”, impactaram as relações sociais em todos os seus níveis e setores.

A educação, sabido ponto fulcral de uma sociedade em constante evolução e desenvolvimento, seja ela básica, superior ou especializante, sentiu desde logo os sintomas deste grande desafio imposto à humanidade.

O ensino à distância e o uso da tecnologia romperam todos os paradigmas outrora existentes e se destacaram como uma das grandes, se não a única, alternativas capazes de manter o lecionamento em curso.

Contudo, impactados pelo novo cenário sócio-econômico, estudantes e famílias, assim como entidades de representação, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e deputados de Estados como SP, DF, RJ e SE, com os seus respectivos projetos de lei já em trâmite nas assembleias legislativas, têm cobrado das instituições posicionamento acerca da redução das mensalidades, em razão da suspensão das atividades presenciais nas escolas e instituições de ensino superior. O principal argumento se refere à redução de gastos em razão da ausência de alunos nas sedes/unidades de ensino.

O tema, no entanto, acaba desafiando reflexão e concessão mútua de ambos os lados. Diretores de grandes instituições de ensino de São Paulo, na última semana de março, manifestaram preocupação com a pretensa redução, defendendo que, em verdade, na maioria dos casos, os valores dispendidos tornaram-se ainda maiores pela necessidade de investimento para estruturar e operacionalizar as plataformas digitais, além da própria capacitação dos professores e coordenadores para o atendimento remoto sem ruídos e prejuízos aos alunos.Defendem, ainda, que despesas como luz e água de fato terão uma queda sensível neste período, mas que não representam montante relevante no orçamento. O principal custo, na maioria dos casos, está direcionado à folha de pagamento de professores, coordenadores e demais funcionários.

Ciente da sensibilidade e relevância do tema, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), em nota técnica, posicionou-se dispondo que, não obstante o direito existente dos consumidores contratantes de serviços educacionais, está-se diante de inconteste limitação na capacidade das instituições de ensino de cumprirem com os serviços da forma originariamente contratada, se presencial, decorrente de caso fortuito e força maior.

E, por esta razão, considerando que as soluções e medidas tomadas visam garantir a prestação do serviço educacional de forma alternativa (à distância) ou com previsão de reposição de aulas presenciais em momento oportuno, a Secretaria esclareceu que, por ora, não considera cabível a redução do valor das mensalidades ou a postergação de seu pagamento. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) compartilham da mesma perspectiva.

Por certo, embora o posicionamento firmado, a resolução na prática demandará maior flexibilidade, comunicação e negociação entre as partes, isto porque, ainda que o pagamento das mensalidades constitua obrigação contratual assumida, os impactos da covid-19 no orçamento de milhares de famílias requerem atenção e cooperação entre os envolvidos, seja ele fornecedor ou consumidor.

De um lado, quase 400 mil profissionais da educação e um setor extremamente complexo e relevante à sociedade, de outro, pais e estudantes que necessitarão de apoio e eventuais condições especiais de pagamento para a continuidade da relação.

Conclui-se, portanto, que, ainda que mantidas as obrigações contratuais das instituições de ensino perante terceiros, as redes de ensino, no intuito de evitar a ruptura contratual ou demasiadajudicialização da discussão, podem adotar uma postura de maior proximidade e transigência, possibilitando, como medidaspara mitigação de conflitos, acordos e prazos diferenciados para pagamento, suspensão de cobrança de valores extracurriculares, prestação de conta e canais de comunicação e plantões para atendimento e suporte às famílias.

Ainda que presente o cabimento da hipótese de caso fortuito e força maior em atividades de prestação de serviços, com o provável afastamentodo dever de indenizar do fornecedor em razão da inexistência do nexo de causalidade, todos os envolvidos, incluindo as secretárias e ministérios responsáveis pelo monitoramento do setor em território nacional, devem direcionar os seus esforços para evitar uma nova crise e ruptura no setor da educação, de forma a equalizar o desarranjo decorrente do impacto macro da economia com a manutenção equilibrada da prestação dos serviços educacionais.

Ou seja, a redução das mensalidades, equivocada e precoce neste momento — e um fator de risco ao desequilíbrio e quebra das redes de ensino — pode ser substituída por planos de ação assertivos, negociações para cada caso concreto e postura extremamente transparente e cooperativa das instituições.

O desafio existe, mas a busca pelo equilíbrio contratual e a humanização das relações se mostra uma prioridade para sobrevivência e superação de tamanha tormenta, sobretudo para que o ano letivo não seja literalmente perdido.

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*Maurício de Ávila Maríngolo é sócio da área Cível, com foco em Educação, do ASBZ Advogados.



 

*Nicole Alvo é sócia da área de Contratos do ASBZ Advogados.






*Amanda Frigerio é advogada da área Cível, com foco em Educação, do ASBZ Advogados.

 

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