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A influência do contexto socioafetivo sobre o desenvolvimento infanto juvenil, sob a ótica jurídica

O desenvolvimento socioafetivo vai ser configurado de acordo com as variáveis ou os fatores internos de cada criança e os externos que modulam os anteriores.

8/4/2020

A afetividade é a capacidade de reação do ser humano ante os estímulos advindos dos ambientes externo e interno. Esta capacidade é modulada pelo repertório de emoções e sentimentos que fazem parte das experiências e bagagens de cada sujeito e que podem ser negativos ou positivos. O desenvolvimento afetivo é um processo pelo qual cada criança vai conformando seu mundo emocional e sentimental. Toda esta bagagem emocional acompanhará em todo momento os demais desenvolvimentos humanos e cada ação ou comportamento cotidiano da criança, daí a relevância de facilitá-lo e potencializá-lo nas melhores condições. As crianças precisam da atenção dos adultos e, para consegui-las, são capazes de utilizar seus melhores recursos. Quando ainda não existe a linguagem, utilizam as emoções e suas manifestações para se comunicarem com os adultos.

O desenvolvimento socioafetivo vai ser configurado de acordo com as variáveis ou os fatores internos de cada criança e os externos que modulam os anteriores. Os fatores externos incluem a família, figuras de apego, escola, outras crianças, outros adultos, o ambiente etc.

Na primeira infância o desenvolvimento afetivo e o desenvolvimento social são muito próximos e às vezes fica difícil distinguir o que pertence a um e a outro.

A socioesportividade compreende um conjunto de elementos da vida de uma pessoa, desde o momento mesmo de aceitar-se e ser aceito pelos demais, até a capacidade de aceitar, respeitar e amar as pessoas que se encontram ao seu redor, isso sem deixar de lado a sociedade ou entorno que pode, de certa maneira, favorecer ou desfavorecer seu desenvolvimento.

A desafetividade engloba dois aspectos: sua função essencial ao pleno desenvolvimento da criança dentro do seu arranjo familiar; e como elemento que caracteriza o reconhecimento da paternidade e da maternidade socioafetiva.

Este estudo trata da influência do contexto socioafetivo no desenvolvimento e formação integral da criança e do adolescente na família, na escola e na sociedade, a partir de uma análise multidisciplinar, tendo como pano de fundo a ótica jurídica, vale dizer, do valor jurídico do afeto.

Defende-se a potencialização do desenvolvimento socioafetivo, como dimensão vital do ser humano que favorece suas interações consigo mesmo, com os outros, com o conhecimento e com o contexto onde está imerso.

A estrutura e dinâmica familiar vêm sofrendo profundas transformações nas últimas décadas, sendo que a família nuclear, hoje, existe apenas como uma a mais entre as diversas formas de composição familiar, os papéis de cada integrante das entidades familiares estão se modificando, nem todos nascem na família pela natureza do vínculo, pesa a força das circunstâncias sociais, culturais e de contexto. Novas dinâmicas foram criadas e muitas outras desapareceram.

A instituição "escola" também está sofrendo mudanças, agora constitui um cenário complexo e diversificado, onde são vivenciados processos que implicam dinâmicas sociais, culturais e comunicativas próprias dos contextos e dos sujeitos em consonância com seus níveis de desenvolvimento e particularidades, que requerem, para sua compreensão, leituras de tipo epistemológico, antropológico, sociológico e pedagógico.

Na sociedade, os avanços nas áreas de tecnologia trazem novos e importantes desafios que demandam novas leituras da realidade.

Os seres humanos, desde sua concepção, estabelecem um relacionamento com o mundo da vida, que lhes permite sentir, encontrar-se consigo mesmo e com os outros, gerando vínculos que os ajudam a construir-se como ser emocional, cognoscitivo, físico, criativo e social. Com cada experiência pessoal, os vínculos e, consequentemente, suas próprias emoções e afetos, vão ficando cada vez mais complexos.

Neste sentido, o desenvolvimento socioafetivo se torna importante, entendido como o conhecimento, as atitudes e as habilidades necessárias para reconhecer e controlar suas próprias emoções, bem como para demonstrar afeto e preocupação com os outros, a fim de estabelecer relações positivas, tomar decisões responsáveis e lidar com situações difíceis.1

A socioafetividade tem importância ímpar no desenvolvimento integral da criança. No processo de socialização é possível reconhecer a si mesmo ao compartilhar com outras pessoas as motivações, os interesses, os gostos, os desgostos e suas correspondentes emoções, sentimentos e pensamentos, gerados pelas realizações e contrariedades da vida. Neste sentido, a dimensão socioafetiva se destaca quando brinda espaços e tempos suficientes para valorar e compartir estas experiências e sentimentos com as demais pessoas de seu entorno.

O desenvolvimento socioafetivo é composto de pelo menos quatro conceitos essenciais: valores, emoções, atitudes e pensamentos. Os valores humanos foram sendo construídos ao longo da história para permitir e facilitar a vida em sociedade, refletindo-os em mentalidades coletivas, leis e costumes, religião e cultura; as emoções humanas são os motores que movem de modo sensível o ser humano, tanto no seu interior quanto na relação com os demais; as atitudes são as predisposições para agir, perceber, pensar e sentir em relação a objetos e pessoas; mas os sentimentos compõem o sistema de alarme que informa sobre como cada um se encontra no meio em que vive, permitindo a realização das mudanças necessárias ao melhor convívio.

As crianças iniciam seu processo de socialização na família, espaço onde interiorizam os elementos básicos da cultura e desenvolvem as bases de sua personalidade. Esse processo é fortalecido no ambiente escolar, que na forma de uma pequena sociedade, permite reconhecer normas e regras em outros contextos. Nas escolas são gerados novos e diversos vínculos que favorecem a formação integral. Desse modo, a escola reorienta o "agir" como parte de uma engrenagem que articula a visão do desenvolvimento humano, promovendo a fusão do sentir, do pensar, do querer e do valorar para que essa combinação de fatores potencialize a aprendizagem, a partir convicção de que só é possível aprender o que se quer aprender.

No desenvolvimento humano, as necessidades não devem ser concebidas como carências, pois isso restringe sua compreensão ao puramente fisiológico e deixa de lado seu valor intrínseco sintetizado na motivação e na mobilização das pessoas, geradas e impulsionadas pelo desejo de satisfazer suas necessidades, e convida a ter presente suas potencialidades.

O desenvolvimento humano é o resultado do progresso conjunto das dimensões cognitiva, socioafetiva e físico-criativa, que ocorre nos âmbitos de interação familiar, escolar e social.

A formação integral (família, escola, sociedade) é entendida como um processo contínuo, permanente e participativo que busca desenvolver harmônica e coerentemente todas e cada uma das dimensões do ser humano para ter uma vida digna e feliz.

O bem viver supõe, então, uma formação integral que inclui diversas facetas e um conjunto articulado de conhecimentos, habilidades e atitudes que deve ter uma pessoa para viver bem com os demais e desenvolver suas capacidades individuais.

Falar de formação integral implica reconhecer que o ser humano requer condições particulares que possibilitem potencializar suas dimensões cognitiva, físico-criativa e socioafetiva.

O aspecto socioafetivo é essencial e fundamental no desenvolvimento do ser humano, porque permite sentir as bases sobre as quais o sujeito é construído como ser sensível, emocional e afetivo. Ademais, constitui a estrutura do ser relacional que possibilita seu desempenho familiar e social.

É suporte da participação política na construção de uma sociedade democrática, inclusiva e equitativa, através da mediação comunicativa. É essencial à convivência uma vez que estimula as habilidades para resolver de forma adequada problemas e conflitos de índole pessoal, familiar e coletiva.

A família é a chave para manter os vínculos, o afeto e a comunicação.

Constitui-se no primeiro núcleo de socialização, ademais é o espaço para produzir a estabilidade do grupo familiar.

A família é uma instituição extremamente mutante e dinâmica, constantemente afetada por múltiplos fatores.

Os mecanismos que a família faz uso na socialização da criança são: modelagem, reforço, limitação e observação. Esses mecanismos dentro da família têm grande efeito porque os laços afetivos criados fazem com que os membros de uma família se sintam parentes, se identifiquem entre si. Os comportamentos das crianças são  reflexos fieis do que os adultos projetam no comportamento e, em particular, é afetado pelas mudanças culturais e pelos meios de comunicação2.

A formação psicossocial saudável de um adulto depende da ligação afetiva da criança com sua família, ambiente onde deve encontrar, desde o nascimento, cuidado, proteção, orientação, apoio e referência sobre o que ainda não conhece e que dará suporte para enfrentar as dificuldades que surgirão durante seu desenvolvimento e na vida adulta.

Toda criança precisa dos cuidados básicos da família para sobreviver nos primeiros anos de vida, "mas nada disso é possível se ela não encontrar um ambiente de acolhimento e afeto. Os bebês não sobrevivem ao desamor"3.

Para garantir o desenvolvimento psicofísico infanto-juvenil, um grupo familiar não precisa ser formado por laços biológicos, mas tem que estar centrado e edificado no afeto, para que seus membros se sintam amados, protegidos, seguros, cuidados e queridos e, consequentemente, tenham um desenvolvimento psicofísico.

Hoje a família nuclear pouco lembra a família patriarcal. O poder do homem como chefe da família passa a ser dividido com a mulher. O comportamento dos membros da família contemporânea sofre transformações em sua essência. Os princípios já não são de autoritarismo e tirania, mas de solidariedade e afetividade. "Nessa evolução, a função procriacional da família e seu papel econômico perdem terreno para dar lugar a uma comunhão de interesses e de vida, em que laços de afeto marcam a estabilidade da família", o que resultou numa "verdadeira superação do paradigma da família institucional"4, que deixou de ser "um núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do amor e do afeto"5 .

De acordo com Paulo Lobo6, em princípio a família é socioafetiva apenas por ser um grupo social considerado base da sociedade e unido na convivência afetiva. Porém a afetividade, como categoria jurídica, "resulta da transeficácia de parte dos fatos psicossociais que a converte em fato jurídico, gerador de efeitos jurídicos" sendo que a socioafetividade tem sido empregada no Brasil no sentido estrito, com o significado de "relações de parentesco não biológico, de parentalidade e filiação, notadamente quando em colisão com os vínculos de origem biológica". E conclui: "fazer coincidir a filiação necessariamente com a origem genética é transformar aquela, de fato cultural e social em determinismo biológico, o que não contempla suas dimensões existenciais".

A afetividade é um dever jurídico, enquanto que o afeto é o conjunto de valores subjetivos como o cuidado, o amor e a solidariedade. Desse modo, mesmo quando o afeto faltar, a afetividade é presumida e impõe deveres, sendo que "o dever jurídico da afetividade entre pais e filhos apenas deixa de haver com o falecimento de um dos sujeitos ou se houver perda do poder familiar ou autoridade parental"7.

A afetividade e a socioafetividade como valores jurídicos hoje fazem parte do novo conceito de família, reelaborado especialmente a partir da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e do Código Civil de 2002.

Esse novo conceito de família, que insere como elemento caracterizador essencial o afeto, foi inspirado na Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada na resolução 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, onde consta que "a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão" e que a família é "elemento natural e fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças". A transformação da socioafetividade em dever jurídico decorre da percepção de que "a presença do pai ou da mãe biológicos não é garantia de que a pessoa se estruturará como sujeito", sendo que apenas o efetivo cumprimento de funções paternas e maternas "é o que pode garantir uma estruturação biopsíquica saudável de alguém" e tais funções não precisam ser exercidas, obrigatoriamente, por pais e mães biológicos.8

Os tribunais brasileiros têm priorizado em suas decisões a afetividade nas relações familiares, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes, que precisam de proteção integral das famílias, da sociedade e do Estado. Portanto, a finalidade do amparo jurídico à socioafetividade, em sua acepção ampla, especialmente quando se está diante de direitos de crianças e adolescentes, é legítima.

Ao final, conclui-se que o primeiro fator que incide no desenvolvimento socioafetivo das crianças é o entorno familiar, onde pelas diretrizes parentais, é permitido desenvolver a competência para a compreensão do que é ético.

A atuação do adulto, neste caso dos progenitores (pais e mães) e dos cuidadores (tios, avós, padrastos madrastas) constituem a figura modelo a serem imitados pelas crianças, especialmente na primeira infância, de onde se derivam ações que preservam ou desvirtuam valores.

O grau de desenvolvimento moral que o sujeito alcança conduz a ter uma personalidade com altos índices de autoestima, amor próprio, segurança, autocontrole, determinantes no desenvolvimento da criança.

A escola é o cenário social onde a criança projeta o desenvolvimento moral resultante da formação que recebe no núcleo familiar, quando este é impactado negativamente, reflete na forma de violência, agressão, falta de formação em valores como a honestidade e a solidariedade que, necessariamente, vai atingir as outras crianças que com ela convivem.

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1 SED, Secretaría de Educación del Distrito. Desarrollo socioafectivo. Bogotá D.C.: RCC, 2013.

2 SED, Secretaría de Educación del Distrito. Op. cit.

3 OLIVEIRA, Beatriz Rosana Gonçalves de; COLLET, Neusa. Criança hospitalizada: percepção das mães sobre o vínculo afetivo criança-família. In: Revista LatinoAmericana de Enfermagem, vol. 07, nº 05, p. 95-102. Ribeirão Preto-SP, dez. 1999. p. 96.

4 PINHEIRO, Fabíola Christina de Souza. Uniões homoafetivas: do preconceito ao reconhecimento como núcleo de família. 25 mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 01 jul. 2018. p. 01.

5 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Famílias ensambladas e parentalidade socioafetiva: a propósito da sentença do Tribunal Constitucional, de 30 de novembro de 2007. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, vol. 07, nº 10. Porto Alegre: Magister, 2009. p. 02.

6 LOBO, Paulo. Transformações jurídicas da família no Brasil: das origens à contemporaneidade. Artigo publicado em 12 de fevereiro de 2018. Disponível em: . Acesso em: 01 jul. 2018. p. 01.

7 LOBO, Paulo. Op. cit., p. 01

8 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit., p. 03.

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LOBO, Paulo. Transformações jurídicas da família no Brasil: das origens à contemporaneidade. Artigo publicado em 12 de fevereiro de 2018. Disponível em: . Acesso em: 01 jul. 2018.

OLIVEIRA, Beatriz Rosana Gonçalves de;

COLLET, Neusa. Criança hospitalizada: percepção das mães sobre o vínculo afetivo criança-família. In: Revista Latino-Americana de Enfermagem, vol. 07, nº 05, p. 95-102. Ribeirão Preto-SP, dez. 1999.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Famílias ensambladas e parentalidade socioafetiva: a propósito da sentença do Tribunal Constitucional, de 30 de novembro de 2007. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, vol. 07, nº 10. Porto Alegre: Magister, 2009.

PINHEIRO, Fabíola Christina de Souza. Uniões homoafetivas: do preconceito ao reconhecimento como núcleo de família. 25 mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 01 jul. 2018. • SED, Secretaría de Educación del Distrito. Desarrollo socioafectivo. Bogotá D.C.: RCC, 2013.

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*Rosângela M. A. Zagaglia é defensora pública e coordenadora da Pós-Graduação em Direito Especial da Criança e do Adolescente da Faculdade de Direito da UERJ.

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