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As lições proporcionadas à sociedade pela covid-19

É certo que várias rotinas tiveram que ser adaptadas, de forma a atender as novas demandas da sociedade. Com isso, os agentes políticos e econômicos em seus mais diversos setores tiveram seus dias completamente transformados, de forma a minimizar as contaminações do novo vírus e também os efeitos da inegável crise econômica que com isso se instaura.

7/4/2020

Desde 12 de março de 2020 o mundo enfrenta formalmente o estado de pandemia em razão do coronavírus (“Covid-19”), reconhecido pela Organização Mundial de Saúde nessa data1. Mas, fato é que, desde o início do ano de 2020, o novo vírus tem frequentado as primeiras páginas dos noticiários, atingindo, no mês de março, com relevante proporção, dentre outras localidades, os países da Europa Continental, os Estados Unidos e o nosso Brasil.

Nesse contexto de inconteste calamidade pública2, em que cerca de um terço da população mundial se encontra sob regime de quarentena3, é certo que várias rotinas tiveram que ser adaptadas, de forma a atender as novas demandas da sociedade. Com isso, os agentes políticos e econômicos em seus mais diversos setores: dos governantes aos servidores do executivo, legislativo e judiciário; e dos produtores e fabricantes aos lojistas e consumidores, tiveram seus dias completamente transformados, de forma a minimizar as contaminações do novo vírus e também os efeitos da inegável crise econômica que com isso se instaura.

Frente a essa nova realidade, rememora-se os ensinamentos da sociologia e de como as sociedades se transformam frente a crises que se veem obrigadas a passar. Se essa transformação será positiva ou não, ainda não se pode dizer; mas que ela irá ocorrer e que a sociedade sairá diferente dessa experiência não se pode negar.

Buscando uma análise positiva para o triste cenário de propagação exponencial do Covid-19 pelo mundo, esse breve artigo se propõe a pincelar, no cenário brasileiro, algumas mudanças já apresentadas pela sociedade e possíveis panoramas do que se passará a enfrentar.

Primeiramente, destaca-se o papel fundamental do Estado que tem sido observado e defendido pelos cidadãos no atual momento. Em um contexto em que estava muito difundida a ideia de um Estado mínimo e austero, certos valores são colocados em xeque quando se tem que enfrentar problemas de saúde pública, trabalhadores informais e descumprimento em massa de obrigações contratuais e fiscais.

Nesse ponto, destaca-se o projeto de lei 1.179, proposto pelo senador Antonio Anastasia, que visa regular, em caráter emergencial e transitório, diversas áreas afetadas pela atual situação, como os prazos para prescrição e decadência; as hipóteses de resilição, resolução e revisão de contratos; a situação das locações de imóveis urbanos; certas regras societárias e concorrenciais; dentre outras4. Chama atenção o esforço de alguns setores do governo federal - ainda que não na figura do presidente da República – e dos governos estatuais, seguindo o exemplo de outros países, como os Estados Unidos5, a Alemanha6, o Reino Unido7 e a Irlanda do Norte8, que já publicaram normativas nesse sentido.

Outra surpresa positiva foi a adaptação do Judiciário à rotina de home office e até o aumento de sua produtividade. O Superior Tribunal de Justiça, em duas semanas, proferiu 31 mil decisões e despachos, o que representa 33% a mais do que no mesmo período no ano anterior9. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, prepara-se para realizar suas primeiras sessões de julgamento por videoconferência em sua história, nos dias 15 e 16 de abril10. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, atenta à demanda dos mais carentes que necessitam de serviços emergenciais, passou a atender por meio da plataforma do whats app, já que muitos de seus assessorados não tem acesso a e-mails e computadores11.

Isso tudo leva ao questionamento de que se ao voltarmos à normalidade tais setores devem se manter tais quais os são. Tendo sido rompido o estigma de que home office não funcionaria para tais áreas, consideráveis reduções de custos poderiam ser obtidas com regimes mais flexíveis, como já vinha sendo implantado inclusive por algumas empresas com a proposta da semana com apenas 4 dias de trabalho12.

Extremamente relevantes e, talvez até mais expressivas, são as mudanças no setor privado. Apesar da flexibilidade já ser mais comum nessa área, diversas estratégias para se adaptarem e diferenciarem frente as novas exigências fizeram com que a criatividade desses agentes fosse testada. Em pesquisa publicada pela Consultoria Mc Kinsey & Company, nota-se que as companhias têm respondido à crise proporcionada pelo Covid-19 em cinco frentes, quais sejam: (I) proteção de sua mão de obra; (II) estabilização da cadeia de suprimentos; (III) proteção dos clientes; (IV) testes a dificuldades financeiras; e (V) centralização das questões emergenciais13.

No cotidiano comum, pode se apurar também que muitas foram as mudanças principalmente na forma de delivery e de execução dos serviços à distância. Os aplicativos passaram a oferecer produtos para higienização e aprimoram as formas de entrega para que se possibilite o recebimento dos produtos sem contato físico. Além disso, criaram opções de doação de cestas básicas a famílias carentes pelo próprio app. No setor alimentício, destaca-se ainda campanha de relevância que foi feita com a criação de vouchers para uso futuro, de forma a garantir o fluxo de caixa dos estabelecimentos14.

Essas adaptações, acompanhadas das necessidades que surgiram com a impossibilidade de plena locomoção nos tempos de quarentena, fizeram ainda com que muitas pessoas – mais idosas principalmente - que não utilizavam tais serviços remotos passassem a adotá-los, de forma que surge nesse nicho um novo desafio ao setor privado: manter essa clientela.

Por fim, deve ser dado enfoque aos vários “encontros virtuais” realizados nesse período. Desde chamadas com familiares e reuniões de trabalho a até mesmo julgamentos, eventos jurídicos e shows musicais. Nesse aspecto destaca-se a excelente qualidade que as diversas plataformas têm proporcionado e o maior poder de acesso das pessoas comuns em diversos setores.

Muitas vezes os advogados despendem enormes custos com passagens e hospedagem para despachar, por exemplo, processos em outras cidades, o que poderia facilmente ser feito por videoconferências. Na mesma linha, os mesmos custos são incorridos para comparecimento a eventos que poderiam também, muitas vezes, ser supridos por webinars.

Para concluir, esclarece-se, de antemão, que não se espera, e nem se deseja, que o contato pessoal seja reduzido tal qual ocorre hoje, mas sim que ele seja revalorizado. Isso para que a sociedade repense o que realmente é necessário e o que pode ser melhor adaptado de outras maneiras, de forma a superarmos essa pandemia e sairmos dessa crise melhor do que quando nela entramos e com algumas lições por ela proporcionadas.

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1 WHO announces Covid-19 outbreak a pandemic. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

2 De acordo com definição publicada pela Câmara dos Deputados, calamidade pública seria a “[s]ituação de emergência provocada por fatores anormais e adversos que afetam gravemente a comunidade, privando-a, total ou parcialmente, do atendimento de suas necessidades ou ameaçando a existência ou a integridade dos elementos que a compõe.”. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

3 Coronavírus: um terço da população mundial está sob quarentena; veja 4 tipos de restrição. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

4 Senado Federal. Projeto de lei 1.179/20. Autoria Senador Antonio Anastasia.

5 Várias foram as medidas divulgadas, estando elas categorizadas no site do governo. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

6 A Alemanha chegou a aprovar em um dia o pacote de regras para amenizar os efeitos do coronavírus. FRITZ, Karina Nunes. Lei alemã para amenização dos efeitos do coronavírus altera temporariamente o direito de locação. Disponível em: Clique aquiAcesso em 31.03.20.

7 UK: COVID-19 Law Puts Rights of People with Disabilities at Risk. Scrutiny Needed to Ensure Rights of People with Disabilities, Older Persons. Disponível em: Clique aquiAcesso em 31.03.20.

8 The Discretionary Support (Amendment) (COVID-19) Regulations (Northern Ireland) 2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

9 Dados obtidos em: STJ realizou mais de 31 mil decisões e despachos em duas semanas de teletrabalho. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

10 Dados obtidos em: STF realizará as primeiras sessões de julgamento por videoconferência de sua história. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

11 Informação obtida em: Juízes e defensores conseguem aumento de produtividade durante pandemia. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

12 A Microsoft e a Zee Dog são as pioneiras em referida iniciativa no Brasil. Dados obtidos em: Depois da Microsoft, Zee.Dog será a 1ª no Brasil a testar semana de 4 dias. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

13 Covid-19: Briefing note, March 30, 2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

14 A iniciativa já existe em várias cidades, como exemplo tem-se a seguinte reportagem. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 31.03.20.

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*Caroline Gomes de Moura é colaboradora do escritório Tolentino Advogados.

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