A pandemia do coronavírus é um fato notório que vem afetando o Brasil nas mais diversas áreas que não apenas a saúde pública. Educação, transporte, convívio social, relação de trabalho e economia são como áreas igualmente afetadas pela situação.
Inobstante a importância vital de cada uma delas, indubitavelmente a economia é uma das mais afetadas. O fechamento obrigatório de muitas empresas combinado com necessário isolamento social das pessoas, trazem reflexos diretos nas transações comerciais e, consequentemente, na própria sobrevivência das empresas..
Há, por um lado, diminuição do capital circulante no país, redução drástica do faturamento das empresas tendo, como contraponto, a manutenção das despesas correntes empresariais, tais como folha de pagamento, impostos, encargos, insumos, etc.
Conquanto diversas destas despesas tenham tido seu pagamento diferido por atos do Executivo e Legislativo, é certo que esta conta terminará por chegar e ter de ser paga. Malgrado o anúncio de crédito emergencial para manutenção dos salários durante o período de isolamento social, este crédito é justamente isso: um crédito, ou seja, algo que deverá ser pago futuramente.
Inobstante tais atitudes existe uma realidade da qual não se poderá escapar: em quase todos os setores da economia haverá redução do faturamento sem previsão de retomada da normalidade a curto prazo.
Por certo isso deverá afetar diretamente o fluxo de caixa das empresas, situação já ruim mas que revela-se ainda mais difícil para as empresas que possuem reclamações trabalhistas em trâmite.
Neste comenos, conquanto a Justiça do Trabalho tenha tido suspensa a contagem de prazos e realização de audiências e sessões presenciais, com retomada destas novas despesas se avizinham para as empresas: depósitos recursais e em garantia.
Ou seja, as empresas acionadas na justiça do trabalho se vêm hoje diante do seguinte cenário:
a) malgrado a já existente retração da economia – que somente tende a piorar diante do quadro pandêmico – necessitam manter suas atividades essenciais e, principalmente, o pagamento das despesas correntes;
b) o cenário econômico que se desenha mesmo para após o surto é de demora para retomada do crescimento; e
c) mesmo com as prováveis renegociação de dívidas e dilação de prazos para pagamento, existem despesas que continuarão se fazendo necessárias e serão imediatas, tais como pagamento da folha salarial, vale transporte, pagamento de fornecedores, investimentos, dentre outros.
É certo, portanto, que as empresas deverão ter criatividade e assertividade na tomada de diversas atitudes com fins a conseguir melhorar o seu capital de giro. Uma das sugestões é a utilização efetiva do seguro garantia judicial.
Conhecido como seguro de caucion na Argentina e surety bond nos Estados Unidos, o seguro garantia, como o próprio nome está a inferir é uma espécie de seguro cuja finalidade é garantir o pagamento e débitos que estão sendo discutidos judicialmente.
É uma espécie de garantia que já era reconhecida como equivalente a dinheiro no âmbito cível conforme disposição expressa do CPC (art. 835, §2º)1 e pela jurisprudência trabalhista, conforme Orientação Jurisprudencial nº 59 da Subseção de Dissídios Individuais II do TST2.
Com o advento da denominada “Reforma Trabalhista” – lei 13.467/2017 – o seguro garantia judicial passou a ser reconhecido também pela legislação laboral brasileira, estando sua aceitação prevista expressamente no art. 899, §11 da CLT3 e sua utilização no curso dos processos trabalhistas foi regulamentada pelo Ato Conjunto TST/CSJT/CGJT Nº 1 DE 16/10/2019.
Pelo referido Ato Conjunto a única objeção polêmica dos Tribunais Trabalhistas para sua utilização no processo trabalho era a determinação de sua não aceitação para substituir depósitos em dinheiro previamente existentes nos autos processuais.
Esta objeção, contudo, foi alvo de Procedimento perante o Conselho Nacional de Justiça4, o qual, sessão realizada no último dia 26/03/2020 manteve os efeitos da liminar deferida em 03/02/2020, tendo declarado a nulidade dos arts. 7º e 8º do multicitado Ato Conjunto.
Para aceitação do seguro garantia basicamente exige-se que a apólice tenha sido emitida por seguradora devidamente registrada na Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, com garantia de 3 anos, que garanta o valor do débito atualizado acrescido de 30%, que tenha clausula assecuratória de pagamento mesmo em caso de inadimplência quanto ao prêmio e demais características previstas na Circular 477 da SUSEP e no seu Anexo VI.
Destarte o cenário atual é de prevalência pela aceitação do seguro garantia judicial em substituição aos depósitos recursais e depósitos em garantia perante a Justiça do Trabalho, ainda que estes já tenham sido feito em dinheiro e estejam nos autos.
Tal cenário se justifica por dois motivos básicos: (i) não há risco para o credor na medida em que o seu crédito está garantido e avalizado por seguradora devidamente registrada junto à SUSEP; e (ii) o tempo de tramitação do recurso – seja na fase de conhecimento ou execução – não justifica a imobilização de capital que poderia ser utilizado em outras espécies de investimento ou mesmo para pagamentos e manutenção do funcionamento das empresas.
Não é demais relembrar que se o credor tem direito a receber o seu crédito – e isso está garantido pela apólice do seguro garantia judicial – também é certo que a livre iniciativa é valor constitucionalmente garantido – vide art. 170 da Constituição Federal – bem como vige no país o princípio da preservação da empresa, com previsão legal no art. 47 da lei 11.101/20055.
Será mesmo necessário que uma empresa requeira uma recuperação judicial para tomarem-se atitudes que a preserve? A resposta negativa se impõe. O mais razoável é que seja possível a adoção de atitudes e posturas legais e judiciais que busquem equilibrar tais relações.
Ensina Fábio Ulhoa Coelho: “...o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste...”6
Neste diapasão, é cediço de todos a previsão no ordenamento jurídico pátrio no sentido de que ao aplicar a lei o Julgador deve pautar-se pela razoabilidade e pelos fins almejados pela lei, bem como exigência do bem comum, conforme disposto no art. 8º do CPC e art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Ao menos três vantagens se apresentam para as empresas: (i) não imobilização de numerário com sua utilização em outros setores da sua atividade; (ii) valor relativamente baixo de seu custo, que gira entre 0,5% a 2,5% do valor segurado ao ano7; e (iii) não afeta o limite de crédito da empresa em instituições bancárias.
Não à toa em reportagem de 11/11/2019 o jornal Folha de Londrina traz a informação de que com substituição do depósito recursal pelo seguro garantia o governo federal já possuía, àquela época, a expectativa de injetar R$ 65 bilhões de reais na economia brasileira, citação ratificada pelo jornal Valor Econômico em reportagem também do dia 11/11/2019, assinada por Edna Simão, Mariana Ribeiro, Estevão Taiar, Fabio Murakawa e Matheus Schuch.
Portanto, a utilização do seguro garantia judicial para substituição de depósitos na Justiça do Trabalho é medida não apenas autorizada mas igualmente necessária à manutenção da atividade empresarial e, em consequência, dos empregos gerados.
Sua utilização mostra-se útil e importante em todos os momentos, inclusive nos dias atuais onde se verifica redução ainda maior de faturamento por conta da pandemia do coronavírus.
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1 Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
(...)
§ 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.
2 A carta de fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito em execução, acrescido de trinta por cento, equivalem a dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 835 do CPC de 2015 (art. 655 do CPC de 1973).
3 Art. 899 - Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora.
(...)
§ 11. O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.
4 P. 0009820-09.2019.2.00.0000
5 Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
6 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 13
7 Extraído do sítio eletrônico https://legado.gbrasilcontabilidade.com.br/noticias/371/Seguro-garantia+judicial+ganha+mais+abrang%EAncia%3B+entenda+como+funciona
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*Bruno Brandão Lima é advogado com Especialização em Direito e Processo do Trabalho e atualmente associado ao escritório MoselloLima Advocacia.