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A nova lei de franquia e suas principais alterações

A Nova Lei adotou terminologias tecnicamente mais adequadas, tanto do ponto de vista jurídico quanto mercadológico, mas permaneceu com viés principiológico, sem prejudicar o dinamismo do mercado de franchising.

30/3/2020

A nova Lei de Franquia, 13.966, de 26 de dezembro de 2019 (“Nova Lei de Franquia” ou “Nova Lei”) entrou em vigor no dia 26 de março de 2020, trazendo algumas inovações importantes quanto ao sistema de franquias, como resultado de dificuldades antes enfrentadas pelos franqueadores e franqueados diante de carências que a antiga lei apresentava, em especial inovações no âmbito de propriedade industrial e contratual.

A Nova Lei adotou terminologias tecnicamente mais adequadas, tanto do ponto de vista jurídico quanto mercadológico, mas permaneceu com viés principiológico, sem prejudicar o dinamismo do mercado de franchising.  

Neste cenário, vale mencionar a conceituação de franquia empresarial, que consiste no sistema pelo qual o franqueador “autoriza a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento” (Artigo 1º da Nova Lei).

Partindo deste conceito, faz-se necessário destacar a utilização do termo “autoriza” em vez de “cede o direito de uso de marca ou patente”, posto que o direito de uso, de fato, não é cedido, mas sim autorizado ou licenciado, o que conceitualmente, do ponto de vista de propriedade industrial, é mais adequado. Inclusive, também substituiu a expressão “semiexclusiva” por “não exclusiva”, esclarecendo a total liberdade das partes quanto à questão da exclusividade.

Já o artigo 2º da Nova Lei de Franquia dispõe expressamente que somente o titular ou requerente, ou pessoa autorizada pelo titular, de direitos marcários e outros objetos de propriedade industrial, pode deles dispor na qualidade de franqueador, visando reforçar apenas a proteção advinda das leis de propriedade industrial.

A Nova Lei também esclarece de forma expressa o vínculo contratual, no sentido de se afastar definitivamente não somente o cenário de uma relação de trabalho, como também a hipótese de relação de consumo, fazendo lei o que já era entendimento majoritário da nossa doutrina e jurisprudência e ratificando o caráter sui generis da relação.

A Nova Lei inclui dispositivo acerca da possibilidade de adoção do sistema de franquia não apenas por empresas privadas, mas também estatais e entidades sem fins lucrativos, independentemente do segmento de atividades, ao passo que, por outro lado, restou vetado pelo presidente outro artigo do mesmo diploma que dispunha acercar das regras de licitações para esse modelo de negócio quando da adoção do sistema de franquias por empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e municípios, mas que, de acordo com o presidente, ensejaria insegurança jurídica, pois que  continha uma incongruência com a Lei das Estatais, nº 13.303/2016. Ainda sobre o sistema de franquias por órgão público, este fica obrigado a entregar a Circular de Oferta de Franquia (“COF”) logo no início do processo de seleção, e não no mesmo prazo de até dez dias antes da assinatura do contrato, como no caso de entidades privadas.

Aliás, quanto à COF, a Nova Lei trouxe maior proteção aos franqueados, ao determinar diversos outros itens que deverão ser obrigatoriamente previstos no referido documento emitido pelo franqueador. Dentre eles, destacam-se as regras de concorrência territorial entre unidades próprias e franqueadas, as informações sobre obrigações do franqueado de adquirir bens, serviços ou insumos apenas de fornecedores indicados pelo franqueador, incluindo a relação completa destes fornecedores, e a indicação do que é oferecido ao franqueado com relação à incorporação de inovações tecnológicas. Houve cuidado, ainda, de incluir menção não somente à situação de objetos de propriedade intelectual perante o INPI, como também de cultivares perante o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares.

Também passa a ser obrigatório constar na COF: (a) regras de transferência ou sucessão; (b) situações em que são aplicadas penalidades, multas ou indenizações e os respectivos valores; (c) existência ou não de cotas mínimas de compra pelo franqueado junto ao franqueador, ou a terceiros por este designados, e sobre a possibilidade e as condições para a recusa dos produtos ou serviços exigidos pelo franqueador; (d) indicação da existência de conselho ou associação de franqueados, com as atribuições, os poderes e os mecanismos de representação perante o franqueador, e detalhamento das competências para gestão e fiscalização da aplicação dos recursos de fundos existentes; (e) regras de limitação à concorrência entre o franqueador e os franqueados, e entre os franqueados, e detalhamento da abrangência territorial, do prazo de vigência da restrição e das penalidades em caso de descumprimento; (f) especificação precisa do prazo contratual e das condições de renovação; e (g) local, dia e hora para recebimento da documentação proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, quando se tratar de órgão ou entidade pública.

Mais uma inovação relevante refere-se à inclusão de disposições específicas para as hipóteses em que o ponto comercial do franqueado será sublocado do próprio franqueador, caso em que ambos poderão propor ação renovatória, ressalvados os casos de inadimplência, e o valor do aluguel somente poderá ser superior ao valor do contrato principal de locação se essa possibilidade estiver expressa na COF e no contrato, bem como que o valor pago a maior ao franqueador na sublocação não implique excessiva onerosidade ao franqueado, garantida a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da sublocação na vigência do contrato de franquia.

Modernização não menos importante foi a atenção dada aos contratos internacionais, incluindo sua conceituação em consonância com a Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro e a possibilidade de as partes elegerem como lei regente e foro competente aqueles do domicílio de qualquer uma delas.

Ainda no que toca aos contratos internacionais, pode gerar um impasse, uma vez que os contratos devem ser redigidos em idioma português ou terão tradução certificada. Em relação à tradução, atualmente, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) não solicita apresentação de documentos com tradução juramentada, porém a Nova Lei trouxe o conceito de “tradução certificada”, sem dar uma definição precisa. Uma alternativa eficaz será a apresentação de um contrato bicolunado, em que a prevalência do idioma seja o nacional.

Da mesma forma, visando legitimar entendimento já adotado em nosso país, a Nova Lei de Franquia permitiu expressamente a opção pela solução de conflitos por via arbitral. Necessário alertar que, tratando-se de um contrato com cláusulas de padrão pré-estabelecido majoritariamente pelo franqueador, para garantir sua validade, recomenda-se que a cláusula arbitral esteja destacada em documento anexo ou em negrito, com assinatura ou visto especial para a cláusula, observado o quanto prevê a Lei de Arbitragem, 9.307/96.

Por fim, apesar de a Nova Lei de Franquia não citar de forma expressa a questão atrelada à proteção de dados pessoais, em razão da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Federal 13.709/2018 – “LGPD”), o franqueador - na qualidade de detentor da marca, do produto ou serviço - poderá ser impactado pelo descumprimento da LGPD por parte de algum franqueado, e com isso sofrer uma desvalorização da sua franquia no mercado, tanto nacional ou internacional. Muito embora seja intrínseco o franqueado cumprir com as leis em vigor, é importante que os contratos de franquia ou COF disponham de forma expressa as responsabilidades e obrigações inerentes com os dados coletados, armazenados e tratados durante a relação contratual.

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*Tiago Silveira Camargo é sócio da área de direito digital e proteção de dados do IWRCF e também atua na área de contratos.

*Talita Sabatini Garcia é coordenadora das áreas propriedade intelectual e legal marketing & advertising do IWRCF e também atua na área de contratos.

*Juliana Camargo Sydow é advogada sênior nas áreas de contratos, direito digital e proteção de dados e legal marketing & advertising do IWRCF.

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