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O poder de polícia a partir das Resoluções 2020 do Tribunal Superior Eleitoral

Dentre as questões que encontram sua regência buscada no ramo administrativista, está o exercício do poder de polícia pelos magistrados eleitorais, cuja atuação cabe, preponderantemente, em todas as eleições (sejam gerais, sejam municipais), aos juízes eleitorais de primeira instância.

30/3/2020

O Direito Eleitoral possui largos vínculos com as demais disciplinas do Direito Público, que o permeiam e o entrelaçam, dada sua peculiar atuação multifacetada. Dentre as peculiaridades da Justiça Eleitoral, encontra-se a exacerbação, em relação aos demais órgãos de Justiça, da sua função administrativa, destacada em atividades como o controle e a gestão do cadastro de eleitores, a organização do processo eleitoral e outras que lhe são correlatas.

Portanto, mesmo integrando o Poder Judiciário, a função administrativa é, também, típica da Justiça Eleitoral, sendo, nesta senda, considerada mesmo administração pública.1

Dentre as questões que encontram sua regência buscada no ramo administrativista, está o exercício do poder de polícia pelos magistrados eleitorais, cuja atuação cabe, preponderantemente, em todas as eleições (sejam gerais, sejam municipais), aos juízes eleitorais de primeira instância.

A atuação fiscalizadora da propaganda eleitoral constitui-se em caráter unicamente administrativo, devendo ser separada de todo e qualquer traço da jurisdição: o Juiz Eleitoral, ainda que não perca a condição funcional de magistrado, atua, em sede de poder de polícia, tão somente como autoridade administrativa da Justiça Eleitoral.

O poder de polícia como função administrativa da justiça eleitoral

Como já mencionado, é importante reforçar o caráter típico da função administrativa da Justiça Eleitoral, à qual se alia a também típica função jurisdicional, sendo ambas complementares, mas inconfundíveis quando da atuação dos magistrados eleitorais em sede de poder de polícia. José Jairo Gomes assim enfatiza:

No âmbito administrativo, a Justiça Eleitoral desempenha papel fundamental, porquanto prepara, organiza e administra todo o processo eleitoral. No entanto, isso faz com que saia de seu leito natural, já que o administrador deve agir sempre que as circunstâncias reclamarem, não podendo manter-se inerte diante dos acontecimentos. Inaplicável, aqui, o princípio processual da demanda – nemo judex sine actore, ne procedat judex ex officio – previsto no artigo 2º do CPC, pelo que o juiz deve aguardar a iniciativa da parte interessada, sendo-lhe vedado agir de ofício.

Assim, nessa esfera de atuação, deverá o juiz eleitoral agir independentemente de provocação do interessado, exercitando o poder de polícia que detém. O que caracteriza a função administrativa é a inexistência de conflito ou lide para ser resolvida.2

Mas o que vem a ser o poder de polícia? No Direito Eleitoral brasileiro, emprega-se a definição legal contida no art. 78 do CTN c/c art. 41 da lei 9.504/97, que confere a moldura legal do exercício do poder de polícia pela Justiça especializada. No entanto, o que poucos lembram é que existentes preceitos aplicáveis ao exercício do poder de polícia também no Código Eleitoral (arts. 35, IV, V e XVII, e 249).

José Jairo Gomes, ao comentar o § 2º do art. 41 da Lei n. 9.504/97, faz uma observação que pode ser perfeitamente transposta para um bom entendimento do art. 249 do Código Eleitoral:

Nesse diapasão, o poder de polícia denota a faculdade que tem o Estado-Administração de intervir na ordem pública, limitando a liberdade, isto é, a ação das pessoas, em benefício da sociedade, o que é feito com a imposição de abstenções ou com a determinação de que certos comportamentos sejam realizados.3

Cabe destacar que o exercício do instituto jurídico do poder de polícia, no Poder Judiciário, é peculiaridade exclusiva da Justiça Eleitoral. A atuação do magistrado eleitoral como agente fiscalizador da propaganda eleitoral, utilizando-se dos ditames do Direito Administrativo, é uma complementação muito salutar ao processo eleitoral, uma vez que tal atribuição recai sobre um terceiro desinteressado, dotado das garantias e das vedações do art. 95 da Constituição, dentre as quais a necessária imparcialidade para o arbitramento das disputas eletivas, as quais são absolutamente suscetíveis a interesses e a paixões políticas.

Das disposições da resolução 23.610/19 (propaganda eleitoral) 

O poder de polícia foi tratado, nos atos normativos regulamentares das eleições (agora com caráter permanente), principalmente no art. 6º da resolução TSE 23.610/19, salientando-se que a atuação da Justiça Eleitoral na fiscalização dos atos de propaganda eleitoral, tal como informados no Código Eleitoral e na lei 9.504/97, baliza-se pela preservação das condutas em conformidade com as regras estabelecidas e pela inibição daquelas realizadas em desacordo com os padrões legais.

Portanto, ao atuar, por exemplo, no sentido de evitar, inibir, determinar a retirada ou fazer cessar determinada conduta, em sede de poder de polícia, o Juiz Eleitoral não estará tolhendo direitos individuais ou coletivos, mas sim estabelecendo, para a situação concreta, qual a conformação juridicamente permitida pela legislação eleitoral para o exercício daquela liberdade pública quando revestida de manifestação de propaganda eleitoral.

O caput do art. 7º trouxe o disciplinamento geral da fiscalização relativa à rede mundial de computadores, salientando que a legislação eleitoral, em leitura conjunta com o Marco Civil da Internet, permite apenas a fiscalização das formas empregadas para a propaganda eleitoral, não podendo adentrar no mérito dos conteúdos postados.

É muito importante destacar o teor trazido pelos §§ 1º e 2º do art. 7º: somente através de ordem judicial, ou seja, de decisão interlocutória ou final em sede de representação (RP), conforme fixado no art. 19 da lei 12.965/15 (Marco Civil da Internet), poderá ocorrer a determinação de remoção de conteúdo postado na internet. Desse modo, caso haja a notícia da irregularidade em sede de poder de polícia (classe processual processo administrativo – PA), tal expediente deve ser encaminhado ao Ministério Público Eleitoral, a fim de que, em sendo caracterizada a ilegalidade, o órgão ministerial tenha a iniciativa de propor a ação judicial com o pedido de remoção correspondente.

O art. 8º traz disposições específicas para o exercício do poder de polícia, na internet, pelas unidades jurisdicionais no âmbito das respectivas eleições (municipais ou gerais), conforme o caso, em razão de, como já mencionado, a resolução TSE 23.610/19 possuir aplicação genérica aos pleitos vindouros.

Portanto, há uma fixação bastante estanque em relação à temática: quando se tratar de propaganda eleitoral na internet em eleições gerais, caberá apenas aos Juízes Auxiliares designados pelos TREs e pelo TSE o conhecimento de procedimentos relativos ao exercício do poder de polícia. Assim sendo, para as Eleições 2020, nada muda: a fiscalização da adequação dos meios de propaganda utilizados pelos partidos e pelos candidatos na internet segue sendo (e assim continuará) atribuída aos Juízes Eleitorais.

Das disposições da resolução 23.608/19 (representações e reclamações)

Há de ser prestar atenção ao que seria a atuação repressiva da Justiça Eleitoral em sede de poder de polícia, pois a Súmula n. 18 do TSE é explícita ao vedar a imposição de penalidade de multa na atuação administrativa:

Súmula n. 18: Conquanto investido de poder de polícia, não tem legitimidade o juiz eleitoral para, de ofício, instaurar procedimento com a finalidade de impor multa pela veiculação de propaganda eleitoral em desacordo com a lei 9.504/97.

Destarte, a fim de que se possa considerar o exercício da fiscalização pelo Juiz Eleitoral como dotado de caráter repressivo, é mister adotar o conceito trazido por Antônio Hermes da Rosa Marques, que afirma:

Assim, pode-se dizer que o poder de polícia tem caráter preventivo, quando visa ao impedimento da veiculação de propaganda, e repressivo, quando comporta a determinação de cessação e retirada de propagandas ilegais ou abstenção de condutas que possam atentar contra o equilíbrio e o perfeito andamento do processo eleitoral.4

Reforça tal entendimento a sinalização da Corte Superior, através das disposições da resolução TSE 23.608/19, que trata das representações, das reclamações e do direito de resposta, de que, em matéria eleitoral, o viés repressivo do poder de polícia não comporta a fixação de sancionamentos tipicamente jurisdicionais, destacando-se o art. 54, § 2º: “No exercício do poder de polícia, é vedado ao magistrado aplicar sanções pecuniárias, instaurar de ofício a representação por propaganda irregular ou adotar medidas coercitivas tipicamente jurisdicionais, como a imposição de astreintes (Súmula nº 18/TSE).”

O intuito é, claramente, salientar, sem meias palavras, a separação entre as atividades administrativa (fiscalização e controle das condutas ao longo da propaganda eleitoral) e jurisdicional (sancionamento através de multas e coerção através de astreintes), acabou por abalar sólidos posicionamentos doutrinários, os quais percebiam a possibilidade de fixação de multa diária por descumprimento de ordens emanadas em sede de poder de polícia.

Desta forma, somente quando o Juiz Eleitoral estiver em sua atividade jurisdicional, exercendo sua competência no julgamento de representação, é que lhe será possível aplicar penalidade pecuniária ao responsável por uma irregularidade na propaganda eleitoral.

Torna-se, pois, de vital importância a assimilação das seguintes premissas, relativas à propaganda eleitoral: (a) o Juiz Eleitoral funciona como autoridade administrativa fiscalizadora da propaganda enquanto estiver no exercício do poder de polícia, o que, geralmente, ocorrerá sob a forma de procedimento administrativo (PA) autuado; (b) o Juiz Eleitoral funciona como autoridade judiciária quando estiver conduzindo a atividade jurisdicional relativa a (ir)regularidade de propaganda, isto é, ao instruir e julgar representação (RP) autuada.

Contudo, caso ocorra situação em que o Juiz Eleitoral seja instado a atuar, no mesmo caso, administrativa e jurisdicionalmente, deve haver todo o zelo para que não haja confusão entre as suas esferas de atuação.

Das disposições da resolução 23.600/19 (pesquisas eleitorais)

O art. 23 da resolução TSE 23.600/19, que regulamenta as pesquisas eleitorais, contém disposição muito semelhante àquela prevista pelo § 2º do art. 54 da resolução TSE 23.608/19, afirmando, em seu § 3º, que “O poder de polícia não autoriza a aplicação de ofício, pelo juiz eleitoral, de multa processual ou daquela prevista como sanção a ser aplicada em representação própria (Súmula-TSE n. 18).”

Veja-se que houve o cuidado em destacar, também em relação às enquetes em período vedado pela legislação, a ressalva que expressa a separação entre os âmbitos administrativo e jurisdicional do munus eleitoral: desborda do exercício do poder de polícia a aplicação de multas processuais ou de sanções pecuniárias, as quais somente estão previstas, respectivamente, no Código de Processo Civil e na Lei n. 9.504/97, para os processos de representação eleitoral.

Por isso, Jose Jairo Gomes indica as providências a serem tomadas pelo magistrado enquanto atua como autoridade fiscalizadora:

Além disso, pode ser determinada a cessação da realização da enquete, providência essa situada no âmbito do poder de polícia do juiz eleitoral. Nesse caso, o descumprimento da ordem judicial (que deve ser específica e dirigida a pessoa determinada) pode significar a realização do tipo penal do artigo 347 do Código Eleitoral, que prevê o crime de desobediência.5

Desse modo, é dever da autoridade administrativa (Juiz Eleitoral), bem como do serviço administrativo que lhe é correlato (Cartório Eleitoral), primar pela escorreita descrição do fato a ser inibido ou cessado e pela correta e precisa identificação da pessoa que deve dar cumprimento à ordem exarada em sede de poder de polícia, a fim de que seja possível a sua responsabilização penal, caso o comando do Juiz Eleitoral seja desrespeitado. Se houver falha na elaboração do documento (via de regra, denominado mandado), é possível que o processo administrativo (PA) reste inócuo, sem a interrupção da conduta ilegal ou irregular e sem qualquer consequência ao agente infrator da ordem fiscalizatória emanada pelo Juiz Eleitoral.

Ao final do presente estudo, um questionamento relevante que poderia restar seria: se ao Juiz Eleitoral não é dado se utilizar do principal meio de coerção disponibilizado ao Poder Judiciário para determinar obrigações de não fazer (as astreintes), de que adianta sua atuação puramente administrativa?

Sintética e abreviadamente, a resposta pode ser encontrada no magistério de Frederico Franco Alvim:

No âmbito eleitoral, o poder de polícia constitui ferramenta jurídica de ampla aplicação, sobretudo no que diz respeito à propaganda eleitoral, em que muitas vezes, em defesa da normalidade das eleições, a retirada de expediente irregular urge, não se podendo aguardar a burocracia do trâmite processual, ou mesmo a provocação de parte interessada, que aqui se dispensa pelo fato que a atividade administrativa, ao revés da jurisdicional, não se submete ao princípio da inércia.6

É necessário enfatizar que, para autores como Francisco Dirceu Barros7, o poder de polícia compete também ao Ministério Público Eleitoral, ou seja, o Promotor de Justiça Eleitoral estaria igualmente embasado a expedir notificações e, em caso de inércia do candidato beneficiário e/ou partido político e/ou coligação, ajuizar a representação eleitoral para o sancionamento pecuniário do responsável pela propaganda irregular.

Desse modo, é perceptível a maior das virtudes do poder de polícia aplicado ao Direito Eleitoral é a agilidade da resposta institucional às ilegalidades e às irregularidades detectadas ao longo do período eleitoral. No entanto, a virtude da celeridade sofre o contrapeso da impossibilidade da utilização dos mecanismos judiciais de controle destas condutas. Portanto, para uma maior efetividade do exercício do poder de polícia pela Justiça Eleitoral, uma vez entendidas as restrições legais em sede de atuação administrativa, adquire vital importância o cumprimento das formalidades do procedimento, a fim de que o art. 347 do Código Eleitoral possa, caso necessário, servir como salvaguarda à autoridade administrativa do magistrado investido na função eleitoral.

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1 - COSTA, Rafael Antônio. O poder de polícia do Juiz Eleitoral. Portal Eleitoral Brasil, 2016. Disponível em: https://www.eleitoralbrasil.com.br/noticias/o-poder-de-policia-do-juiz-eleitoral. Acesso em: 30 jan. 2019.

2 - GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 116.

3 - Op. cit., pp. 116-117. Em outras palavras, RODRIGO LÓPEZ ZILIO também fornece leitura apta a esclarecer o teor do mesmo dispositivo: “O poder de polícia regulamenta a prática de atos ocorridos no processo eleitoral, com vista a evitar dano ou prejuízo a candidato, partido ou coligação.” (ZILIO, Rodrigo López. Direito eleitoral. 6. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, p. 353.) 

4 - MARQUES, Antônio Hermes da Rosa. Poder de Polícia in Revista do TRE-RS. Porto Alegre: TRE-RS, n. 47, julho-dezembro de 2019, pp. 209-210.

5 - Op. cit., p. 489.

6 - ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 340.

7 - BARROS, Francisco Dirceu. O poder de polícia no direito eleitoral. Revista Jus Navigandi. Teresina, ano 19, n. 4075, 28 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30629. Acesso em: 29 jan. 2020.

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Ângelo Soares Castilhos é advogado e membro da ABRADEP - Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

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