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Revenge porn – qual a tutela para esse tipo de ato?

Essa modalidade de “vingança” nada tem de nova, mas, com a dinâmica das redes sociais, adquiriu contornos de alcance e publicidade inéditos e, por isso, maior capacidade de causar lesão drástica às vítimas e, muitas das vezes, irreparáveis.

30/3/2020

Em virtude de uma recente mudança cultural e tecnológica, tornou-se um hábito fotografar todo e qualquer tipo evento e momento vivenciado rotineiramente pelas pessoas. A postagem dessas fotografias em redes sociais, inclusive de outros indivíduos, também faz parte desse atual comportamento.

O que se observa, contudo, é que algumas pessoas vêm fazendo uso dessa prática de forma dolosa, causando danos psicológicos e lesões à imagem, memória, honra (objetiva e subjetiva), vida privada e intimidade alheias. É o caso, por exemplo, daqueles que divulgam, sem autorização prévia, fotografias ou vídeos de momentos íntimos de outras pessoas, tendo tomado posse dessas mídias, seja porque fotografaram, seja porque receberam ou, de alguma forma não consentida, invadiram o arquivo da pessoa que aparece nas imagens.

Em algumas situações específicas, aquele que faz a divulgação da imagem alheia é a própria pessoa com quem o fotografado se relacionou afetivamente, como um ex-namorado, ex-companheiro, ex-noivo, ex-cônjuge ou, até mesmo, alguém com quem manteve algum contato superficial, mas tem motivos torpes para fazer tal disseminação não autorizada de imagem íntima.

O ordenamento jurídico tem denominado esse tipo de ato como “Revenge Porn” (pornografia de vingança), diferenciando-o da sextorsão (sextortion), utilizado como forma de extorquir o protagonista das imagens, ou seja, sem qualquer cunho pessoal, como também do sexting, que está relacionado ao ato de compartilhar materiais de cunho sexual, sem motivação de vingança ou humilhação, e, diferentemente dos termos acima, é o único não tipificado como delito no ordenamento jurídico brasileiro.

Essa modalidade de “vingança” nada tem de nova, mas, com a dinâmica das redes sociais, adquiriu contornos de alcance e publicidade inéditos e, por isso, maior capacidade de causar lesão drástica às vítimas e, muitas das vezes, irreparáveis, apesar de o direito ao recebimento de indenização por danos morais já ser tido como inequívoco, o que pode ser agravado com a perda de emprego, oportunidades ou saída de uma instituição de ensino ou rompimento de relações. Em situações de menor extensão, o valor tem sido fixado entre o patamar médio de R$10 mil a R$30 mil e, em situações de maior impacto, até de 130 salários mínimos.

Além do pagamento de indenização por danos morais, para a qual se dispensa qualquer tipo de comprovação do dano experimentado (in re ipsa), a condenação que vem sendo usualmente aplicada para esse tipo de violação de direitos inclui a obrigação de fazer, no sentido de impedir a continuidade do compartilhamento das imagens, sob pena de multa.

A alegação contrária, no sentido de que a vítima da divulgação teria consentido com a exploração da sua imagem, nos termos do artigo 46, I, alínea ‘d’ da lei 9.610/98, contudo, não vem sendo acatada jurisprudencialmente como forma de excluir a ilicitude do ato. Se a fotografia ou o vídeo ocorrer de forma clandestina, por sua vez, o mero ato da captação da imagem (não consentida), independentemente da divulgação, por si só, já implica lesão do direito à imagem e justifica o dever de indenizar.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do acórdão do RE 1.650.725/MG, consignou que "ao disponibilizarem informações, opiniões e comentários nas redes sociais na internet, os usuários se tornam os responsáveis principais e imediatos pelas consequências da livre manifestação de seu pensamento, a qual, por não ser ilimitada, sujeita-lhes à possibilidade de serem condenados pelos abusos que venham a praticar em relação aos direitos de terceiros, abrangidos ou não pela rede social".

Via de regra, a responsabilidade civil não pode ser estendida aos aplicativos e provedores, nos termos dos artigos 18 e 19 do Marco Civil da Internet (lei 12.965/14).

Muitas das vezes, as imagens íntimas são de adolescentes ou crianças, divulgadas também por outros incapazes, atraindo, nesse caso, o dever de indenizar dos pais daquele que as disseminou, como, por exemplo, decidiu a 9ª câmara Cível do TJ/SP. Em relação aos disseminadores, podem ser condenados, inclusive, por ato tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 241-A).

Diante desse contexto, o pacto de convivência ou antenupcial e até o contrato de namoro podem ser utilizados como meios para prever responsabilidades e penalidades específicas para esse tipo de violação de direitos e prever negócio jurídico processual, no qual as regras do trâmite de eventual ação judicial podem ser previamente ajustadas, como forma de tornar a persecução do direito da vítima mais célere e eficaz.

Quanto ao aspecto penal, a lei 13.718/18 tipificou especificamente o Revenge Porn, incluindo no CP brasileiro o artigo 218-C. A previsão legal determina que o indivíduo que oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio, mídia (fotografia, vídeo, áudio, etc) que contenha cena de estupro, de vulnerável ou não, ou de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da vítima, será condenado a pena de reclusão de 1 a 5 anos. Há, também, a previsão de aumento de pena, de 1/3 a 2/3, se o crime for praticado por um agente que mantém (ou manteve) relação íntima de afeto com a vítima ou agido com o fim de vingança ou humilhação.

Importante salientar que há hipóteses de exclusão do crime, caso a divulgação tenha sido feita com o consentimento do envolvido, ou se publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima. Nos casos de imagens que sejam relativas a menores de 18 anos, em qualquer hipótese, a divulgação sempre será considerada crime, independentemente de haver o consentimento de vítima.

No caso do crime de sextortion, não foi necessária a criação de nova tipificação no CP. Isso porque o artigo 158 desse ordenamento, que define os atos da extorsão, engloba, também, qualquer tentativa de obtenção de vantagem indevida ao constranger alguém sob a grave ameaça de publicação de mídias íntimas de cunho sexual. Para este delito a pena prevista é de reclusão de 4 a 10 anos, e multa.

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*Bernardo José Drumond Gonçalves é advogado sócio e coordenador do departamento Empresarial de Homero Costa Advogados.

*Mariana Cardoso Magalhães é advogada sócia e coordenadora do departamento Criminal de Homero Costa Advogados.

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