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Algumas reflexões acerca da alegação de nulidade de direito de propriedade industrial como questão prejudicial

Os entendimentos do STJ sobre todas essas questões processuais parecem estar consolidados, mas há uma questão processual relacionada ao direito de propriedade industrial, no entanto, que ainda nos parece controversa no âmbito do STJ

20/3/2020

De acordo com o art. 2º da lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial – LPI), os bens protegidos pelo direito de propriedade industrial são os seguintes: a invenção e o modelo de utilidade, protegidos mediante a concessão de patente, e a marca e o desenho industrial, protegidos mediante a concessão do registro.

Esses direitos de propriedade industrial são concedidos, no Brasil, pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, que é uma autarquia federal com sede na cidade do Rio de Janeiro.

Por ser integrante da Administração Pública, o INPI pode ter suas decisões questionadas perante o Poder Judiciário, em função do conhecido princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.1

Como o INPI integra a estrutura administrativa da União, as ações contra ele são de competência da Justiça Federal, devendo ser ajuizadas na seção judiciária do Rio de Janeiro, local da sede do instituto. No entanto, havendo pluralidade de réus, como ocorre nos casos em que a ação é ajuizada contra o INPI e um particular, o Superior Tribunal de Justiça – STJ entende que cabe ao autor da ação ajuizá-la no Rio de Janeiro ou no foro do domicílio do outro réu (REsp 346.628 e REsp 721.614).

Por outro lado, eventual ação de indenização por perdas e danos contra particular por violação de um direito de propriedade industrial, na qual o INPI não é parte, deverá ser julgada pela Justiça Estadual (REsp 1.336.164 e AgInt no CC 160.351). Assim, uma ação anulatória de patente ou registro no INPI não pode ser cumulada com ação de indenização, uma vez que a cumulação só é admitida pelo Código de Processo Civil quando o mesmo juízo é competente para conhecer todos os pedidos (REsp 1.188.105)2.

Nesse sentido, a Segunda Seção do STJ, em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, firmou importante tese no sentido de que “as questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da Justiça Estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória” (REsp 1.527.232).

Os entendimentos do STJ sobre todas essas questões processuais mencionadas nos parágrafos anteriores parecem estar consolidados, mas há uma questão processual relacionada ao direito de propriedade industrial, no entanto, que ainda nos parece controversa no âmbito do STJ: possibilidade de a Justiça Estadual declarar incidentalmente3, como questão prejudicial, a nulidade de patente ou registro.

A Terceira Turma do STJ tem diversos precedentes nos quais o colegiado decidiu que a Justiça Estadual não pode, nem mesmo incidentalmente, reconhecer a nulidade de um registro ou uma patente vigentes:

Processo civil e direito de propriedade intelectual. Registro de desenho industrial e de marca. Alegada contrafação. Propositura de ação de abstenção de uso. Nulidade do registro alegado em matéria de defesa. Reconhecimento pelo tribunal, com revogação de liminar concedida em primeiro grau. Impossibilidade. Revisão do julgamento. Nulidade de patente, marca ou desenho deve ser alegada em ação própria, para a qual é competente a Justiça Federal. Recurso provido.

1. A alegação de que é inválido o registro, obtido pela titular de marca, patente ou desenho industrial perante o INPI, deve ser formulada em ação própria, para a qual é competente a Justiça Federal. Ao juiz estadual não é possível, incidentalmente, considerar inválido um registro vigente, perante o INPI. Precedente.

2. A impossibilidade de reconhecimento incidental da nulidade do registro não implica prejuízo para o exercício do direito de defesa do réu de uma ação de abstenção. Nas hipóteses de registro irregular de marca, patente ou desenho, o terceiro interessado em produzir as mercadorias indevidamente registradas deve, primeiro, ajuizar uma ação de nulidade perante a Justiça Federal, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Assim, todo o peso da demonstração do direito recairia sobre o suposto contrafeitor que, apenas depois de juridicamente respaldado, poderia iniciar a comercialização do produto.

3. Autorizar que o produto seja comercializado e que apenas depois, em matéria de defesa numa ação de abstenção, seja alegada a nulidade pelo suposto contrafeitor, implica inverter a ordem das coisas. O peso de demonstrar os requisitos da medida liminar recairia sobre o titular da marca e cria-se, em favor do suposto contrafeitor, um poderoso fato consumado: eventualmente o prejuízo que ele experimentaria com a interrupção de um ato que sequer deveria ter se iniciado pode impedir a concessão da medida liminar em favor do titular do direito.

4. Recurso especial provido, com o restabelecimento da decisão proferida em primeiro grau.

(REsp 1.132.449)

PROCESSO CIVIL E COMERCIAL. MARCA. NULIDADE. DECLARAÇÃO. COMPETÊNCIA. CONTRAFAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROVA.

1. A alegação de que é inválido o registro, obtido pela titular de marca perante o INPI, deve ser formulada em ação própria, para a qual é competente a Justiça Federal. Ao Juiz estadual não é possível, incidentalmente, considerar inválido um registro vigente perante o INPI.

(...)

3. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1.322.718)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INPI. MARCA. NULIDADE INCIDENTAL. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES.

1. Esta Corte Superior firmou entendimento de que, embora a Lei nº 9.279/96 preveja, em seu art. 56, § 1º, a possibilidade de alegação de nulidade do registro como matéria de defesa, a melhor interpretação desse dispositivo indica que ele deve estar inserido numa ação própria, na qual que discuta, na Justiça Federal, a nulidade do registro.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 254.141)

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA. NULIDADE DE REGISTRO. MATÉRIA DE DEFESA. DECLARAÇÃO INCIDENTAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSÁRIA AÇÃO AUTÔNOMA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E PARTICIPAÇÃO DO INPI. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 56, §1º; 57; 175 E 205, da Lei 9.279/96.

(...)

2. Discussão relativa à possibilidade de reconhecimento incidental de nulidade ou ineficácia de registro de marca, alegada como matéria de defesa.

3. Não obstante exista a previsão legal expressa de que o ajuizamento da ação de nulidade de registro de marca se dará "no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito" (art. 175), não há qualquer disposição acerca da possibilidade de arguição da nulidade como matéria de defesa, como se dá na hipótese de ação cujo objeto seja a nulidade de patente.

4. Ainda que a lei preveja, em seu art. 56, §1º, a possibilidade de alegação de nulidade da patente como matéria de defesa, a melhor interpretação de tal dispositivo aponta no sentido de que ele deve estar inserido no contexto de uma ação autônoma, em que se discuta, na Justiça Federal, o próprio registro.

5. Não faria sentido exigir que, para o reconhecimento da nulidade pela via principal, seja prevista uma regra especial de competência e a indispensável participação do INPI, mas para o mero reconhecimento incidental da invalidade do registro não se exija cautela alguma. Interpretar a lei deste modo equivaleria a conferir ao registro perante o INPI uma eficácia meramente formal e administrativa.

6. A discussão sobre a validade de um registro de marca, patente ou desenho industrial, nos termos da LPI, tem de ser travada administrativamente ou, caso a parte opte por recorrer ao judiciário, deve ser empreendida em ação proposta perante a Justiça Federal, com a participação do INPI na causa. Sem essa discussão, os registros emitidos por esse órgão devem ser reputados válidos e produtores de todos os efeitos de direito.

7. Recurso especial provido.

(REsp 1.281.448)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. TUTELA INIBITÓRIA. DEMANDA PROCEDENTE. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V E IX, DO CPC/1973. NULIDADE DA MARCA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. JULGADOS DESTA CORTE SUPERIOR. ILEGITIMIDADE ATIVA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. IRREGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. SANATÓRIA GERAL.

1. Controvérsia acerca da rescisão de sentença que condenou a empresa ora recorrente a se abster de usar a marca "Café da Roça", de titularidade da ora recorrida.

2. Negativa de prestação jurisdicional não verificada na espécie.

3. Incompetência da Justiça comum estadual para apreciar, ainda que em caráter incidental, alegação de invalidade de marca, por se tratar de controvérsia que envolve interesse de autarquia federal, o INPI. Julgados desta Corte Superior.

(...)

(REsp 1.738.014)

Mais recentemente, no final de 2019, a mesma Terceira Turma reafirmou esse entendimento, conforme demonstra o seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS.

1. PEDIDO CONTRAPOSTO DECLARATÓRIO DA NULIDADE DAS PATENTES. COMPETÊNCIA. HARMONIZAÇÃO DA REGRA ESPECIAL E COMPETÊNCIA ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO PEDIDO POR JUÍZO DE DIREITO ESTADUAL.

2. ALEGAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA. CONFIGURAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 265, IV, DO CPC/1973. SUSPENSÃO DO PROCESSO. NECESSIDADE. 3. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Debate-se a possibilidade jurídica de formulação, como matéria de defesa, de pedido contraposto de nulidade de patente no Juízo estadual, bem como a necessidade de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa.

2. A previsão legal para formulação de pedido incidental de nulidade de patente como matéria de defesa, a qualquer tempo (art. 56, § 1º, da Lei n. 9.279/1996), deve ser interpretada de forma harmônica com as regras de competência absoluta para conhecimento da matéria.

3. O mesmo diploma legal estatui a obrigatoriedade de atuação do INPI (autarquia federal) em demandas que versem sobre a nulidade de patentes (art. 57 da Lei n. 9.279/1996), de modo que o interesse federal legalmente estabelecido enseja a competência absoluta do Juízo federal.

4. A observância das regras de competência absoluta é pressuposto intransponível para a cumulação de pedidos, razão pela qual o pedido incidental declaratório de nulidade de patente não pode ser julgado pelo Juízo de direito estadual.

5. Configura prejudicialidade externa a pendência, em um processo extrínseco ao presente caso, de ação judicial na qual se debate a nulidade das patentes em que se funda o objeto principal da desta ação, ainda que a recorrente não faça parte das demandas.

6. A prejudicialidade externa induz à necessidade de sobrestamento desta ação, a fim de resguardar a efetividade da prestação jurisdicional e a racionalidade lógica das decisões judiciais.

7. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1.558.149)

A despeito de sua importância para o direito empresarial, o entendimento firmado pela Terceira Turma do STJ suscita importantes reflexos no campo do direito processual civil, notadamente o concernente à questão prejudicial.

Primeiramente, o julgado nos revela a importância de bem compreendermos a denominada questão prejudicial. Trata-se de questão que “condiciona o conteúdo do julgamento de outra questão, que nessa perspectiva passa a ser encarada como questão subordinada”4. A questão prejudicial, assim como a questão preliminar, é questão prévia, porque sua análise antecede o exame do mérito. A diferença, contudo, reside no fato de que enquanto o acolhimento de uma questão preliminar (ex.: ilegitimidade passiva, litispendência, coisa julgada etc.) obsta a que o juiz avance para o exame do mérito, o acolhimento de questão prejudicial não impede o exame do mérito, mas apenas modifica a sua forma de ser.

Com efeito, a alegação de nulidade de direito de propriedade industrial como matéria defensiva em ação objetivando indenização pela utilização não autorizada de invenção patenteada ou marca registrada, por exemplo, é clara hipótese de questão prejudicial, na medida em que se apresenta como uma condicionante do resultado da questão principal. A questão prejudicial, portanto, tem por objetivo a realização do acertamento de uma premissa do julgamento do mérito.

O acento tônico da questão prejudicial reside no fato de que ela também pode ser apresentada como questão principal em um processo autônomo. Valendo-se, como exemplo, do tema objeto da presente análise, aquele que é demandado em ação envolvendo utilização indevida de invenção patenteada ou marca registrada pode alegar a nulidade da patente ou do registro como matéria defensiva nesta ação ou, ainda, propor, na qualidade de autor, ação autônoma objetivando a declaração de nulidade. No primeiro caso, a nulidade do respectivo direito de propriedade industrial apresenta-se como questão prejudicial. No segundo caso, como questão principal.

O tema ganha contornos mais dramáticos quando o juízo onde e suscita a questão prejudicial é absolutamente incompetente para conhecê-la caso seja apresentada como questão principal. Há, aqui, três soluções possíveis, em tese: (I) remessa dos autos ao juízo competente para o julgamento integral da ação (questão prejudicial e questão principal); (II) remessa dos autos ao juízo competente apenas para o julgamento da questão prejudicial, retornando os autos ao juízo originário para o julgamento da questão principal; (III) julgamento integral da ação pelo juízo originário (questão prejudicial e questão principal).

A última solução é a que ocorre com mais frequência. Os exemplos são vários: (a) análise, de forma incidental, da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por qualquer juiz ou tribunal (controle difuso de constitucionalidade), sem que ele tenha competência para apreciá-la caso seja apresentada como questão principal; (b) análise, pelo juiz federal, da alegação incidental de existência de união estável (questão prejudicial) como condicionante para o julgamento do pedido de concessão de pensão por morte5; (c) análise, pelo juízo criminal, de questão prejudicial de competência do juízo cível (art. 93, § 1º, do CPP).

Especificamente no caso da alegação de nulidade de patente (ou registro) como questão prejudicial, a sua admissibilidade decorre, como visto, da previsão contida no § 1º do art. 56 da lei 9.279/96, que prevê que “a nulidade da patente poderá ser argüida, a qualquer tempo, como matéria de defesa”.

Dito isso, o entendimento firmado pela Terceira Turma do STJ não está imune a críticas. Ora, se não fosse para permitir ao juízo estadual analisar a nulidade da patente como questão prejudicial, não haveria qualquer necessidade da inserção do § 1º no art. 56 da lei 9.279/96. Isso porque se a Justiça Federal é competente para as ações em que o pedido de nulidade de patente é questão principal (art. 57 do lei 9.279/966), é evidente que também o será quando tal alegação for apresentada como questão prejudicial. Aliás, nesta última hipótese, a questão prejudicial pode, inclusive, ficar acobertada pelo manto da coisa julgada, nos termos do art. 503, § 1º, do CPC. Sob esse ângulo, o entendimento da Terceira Turma do STJ, aparentemente, transformou o § 1º do art. 56 da lei 9.279/96 em letra morta.

Registre-se, ainda, que o art. 503, § 1º, do CPC estabelece os requisitos para a formação de coisa julgada material sobre questão prejudicial decidida expressa e incidentemente no processo. São eles: I – de sua resolução depender o julgamento do mérito; II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; e III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal. Vê-se, assim, que a competência do juízo não é requisito para a apreciação da questão prejudicial, mas apenas para que ela também fique acobertada pela coisa julgada. Dizendo de outra forma, ainda que o juízo não seja competente em razão da matéria ou da pessoa para o exame da questão como pedido principal, se ela for suscitada de forma incidental, não há qualquer óbice para a sua apreciação, mas tão-somente para a formação de coisa julgada material sobre ela.

Ademais, a vedação à apreciação incidental da alegação de nulidade da patente pela Justiça Estadual gera, por conseguinte, uma limitação ao exercício do direito de defesa do réu, obrigando-o a, quando demandado, ter que, necessariamente, propor uma ação autônoma perante a Justiça Federal. Sob esse prisma, há, em certa medida, violação não apenas ao princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF), mas também aos princípios da liberdade (art. 5º, caput, da CF) e acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF), este último sob a perspectiva do réu.

Impende destacar, também, que a análise da alegação de nulidade da patente como questão prejudicial pelo juízo estadual não produz qualquer efeito perante o INPI, limitando-se os efeitos da decisão de mérito aos particulares que compõem a relação jurídica processual. A presunção de legalidade e validade dos atos emanados pelo poder público e, consequentemente, sua eficácia erga omnes, não são afastadas, enquanto não for ajuizada a ação autônoma perante a Justiça Federal, com a participação do INPI, nos termos do art. 57 da lei  9.279/96.

Na linha das críticas ora formuladas ao entendimento da Terceira Turma do STJ, é imprescindível mencionar que há precedentes da Quarta Turma e até mesmo da Segunda Seção.

Com efeito, em julgamento realizado em 1990, a Quarta Turma do STJ assim decidiu:

MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ORDINARIO. CABIMENTO DO WRIT CONTRA ATO JURISDICIONAL.

(...)

Acórdão afirmado como nulo de pleno direito, por apontada incompetência absoluta da Justiça Estadual. Alegação improcedente, eis que a simples declaração incidente de nulidade de registro de marca não desloca a competência para a Justiça Federal. Causa entre pessoas jurídicas de direito privado, dela não participando o INPI como autor, réu, assistente ou oponente.

Recurso ordinário desprovido.

(RMS 625)

Posteriormente, em julgamento realizado em 2007, a Quarta Turma do STJ novamente decidiu que era possível o reconhecimento incidental da nulidade de direito de propriedade industrial como questão prejudicial pelo juízo estadual:

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Propriedade industrial. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Declaração da nulidade da patente como questão prejudicial. Possibilidade. Competência do juízo estadual.

(...)

3. Havendo autorização legal (art. 56, § 1.º, da Lei 9.279/96) para a arguição de nulidade da patente como matéria de defesa e, consequentemente, para o acolhimento da manifestação pelo Juízo cível, com a suspensão dos efeitos por ela gerados, não há como concluir que a patente só deixa de gerar seus regulares efeitos quando anulada em ação própria, perante a Justiça Federal.

4. A nulidade da patente, com efeito erga omnes, só pode ser declarada em ação própria, proposta pelo INPI, ou com sua intervenção, perante a Justiça Federal. Porém, o reconhecimento da nulidade como questão prejudicial, com a suspensão dos efeitos da patente, pode ocorrer na Justiça comum estadual. Precedentes.

(...)

6. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 526.187)

Esse entendimento foi confirmado pela Segunda Seção do STJ, em julgamento ocorrido em 2011, que citou expressamente como fundamento os dois julgados da Quarta Turma acima transcritos:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VISANDO À SUSPENSÃO DA COBRANÇA DE ROYALTIES. DECLARAÇÃO DA NULIDADE DA PATENTE APENAS COMO QUESTÃO PREJUDICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

A nulidade da patente, com efeito erga omnes, só pode ser declarada em ação própria, proposta pelo INPI, ou com sua intervenção – quando não for ele o autor –, perante a Justiça Federal (Lei 9.279/96, art. 57). Porém, o reconhecimento da nulidade como questão prejudicial, com a suspensão dos efeitos da patente, pode ocorrer na Justiça Estadual. Precedentes.

Agravo Regimental improvido.

(AgRg no CC 115.032)

No julgamento do RMS 625, em 1990, a Quarta Turma manteve acórdão do TJRJ que houvera reconhecido incidentalmente, no curso de processo entre particulares que tramitou perante a Justiça Estadual, a nulidade de marca registrada no INPI. Ao decidir o caso, a Quarta Turma deixou claro que “o INPI não foi parte na causa, nela não assumiu a posição de autor, réu, assistente ou oponente”, de modo que “a simples circunstância de o acórdão haver, incidenter e como fundamento do julgado, declarado nulo o registro obtido, não operou coisa julgada material a respeito do registro e não deslocou a causa para a Justiça Federal”.

Já no julgamento do AgRg no Ag 526.187, e, 2007, a Quarta Turma, fazendo expressa referência ao RMS 625 e citando doutrina no mesmo sentido, explicou a questão de forma ainda mais clara: “não vinga o argumento segundo o qual a Justiça comum seria incompetente para declarar a nulidade da patente. Aqui vale uma ressalva. A Justiça comum seria incompetente para o julgamento da questão da nulidade somente se esta fosse apresentada na forma de ação declaratória incidental, pois nesse caso, sua decisão estaria acobertada pelo manto da coisa julgada, impedindo a propositura da ação própria na Justiça Federal”.

Conforme já dito, esses dois julgados da Quarta Turma foram usados como fundamento para um precedente de maior peso, firmado pela Segunda Seção do STJ no julgamento do AgRg no CC 115.032. Nesse caso não se tratava, é verdade, de alegação de nulidade de direito de propriedade industrial como matéria de defesa, mas de situação em que os pedidos formulados na petição inicial se limitavam “à cessação ou à suspensão da cobrança de royalties”, de modo que “a eventual aferição da validade dos registros das patentes” foi feita “apenas de forma subsidiária, a fim de respaldar o acolhimento do pedido principal”.

Portanto, apesar das peculiaridades do caso, o fato é que existe precedente da Segunda Seção, fundamentado em dois julgados da Quarta Turma, que contraria o entendimento que a Terceira Turma vem consolidando: enquanto a Terceira Turma afirma categoricamente que “o pedido incidental declaratório de nulidade de patente [ou registro] não pode ser julgado pelo Juízo de direito estadual”, a Quarta Turma e a Segunda Seção já decidiram que “o reconhecimento da nulidade [de direito de propriedade industrial] como questão prejudicial, com a suspensão dos efeitos da patente [ou do registro], pode ocorrer na Justiça Estadual”, sendo certo que nessa situação não haverá a formação de coisa julgada material.

A par das reflexões e críticas ora apresentadas, há de se reconhecer que, de certa forma, o entendimento da Terceira Turma do STJ promove uma maior segurança jurídica no tocante à definição das questões que, independentemente da forma como se apresentam no processo (questão principal ou questão prejudicial), são de exclusiva competência da Justiça Federal. Entretanto, ainda por questões de segurança jurídica, parece-nos que o ideal é que a questão seja novamente decidida pela Segunda Seção, a fim de que se estabeleça um entendimento definitivo a ser seguido por ambas as Turmas que a compõem.

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1 “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

2 Nos termos do § 2º do art. 45 do novo CPC, “na hipótese do § 1º, o juiz, ao não admitir a cumulação de pedidos em razão da incompetência para apreciar qualquer deles, não examinará o mérito daquele em que exista interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas”.

3 A previsão do pedido incidental de nulidade consta do art. 56, § 1º da LPI, que assim dispõe: “a nulidade da patente poderá ser argüida, a qualquer tempo, como matéria de defesa”.

4 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 633.

5 CC 126.489.

6 “A ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito”.

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*André Santa Cruz é procurador Federal, doutor em Direito Empresarial pela PUC/SP e professor de Direito Econômico e Empresarial do Centro Universitário IESB-DF.

*Jaylton Lopes Jr. é juiz de Direito Substituto da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, mestrando em Ciências Jurídicas e professor de Direito Processual Civil.

 

 

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