Estão as partes obrigadas ao cumprimento da obrigação se, em decorrência da pandemia, tiveram suas atividades prejudicadas?
Em 11 de março do corrente ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto do coronavírus, conhecido como Covid-19, como uma pandemia global. Devido às medidas de precaução da difusão do vírus, diversos setores da economia estão tendo de paralisar suas atividades. O Coronavírus está causando disrupção nos negócios, desde o descumprimento de entregas até o cancelamento de eventos.
Importante é analisar o que a legislação brasileira diz respeito em caso de eventos assim, imprevisíveis, que levam à inoperância das atividades em vários setores. Qual é a responsabilidade da parte que não cumpre as obrigações, seja a entrega de bens ou de serviços?
O Código Civil brasileiro prevê a prerrogativa da parte justificar o não cumprimento de uma obrigação em caso de força maior. Força maior é quando se está diante de um acontecimento, um evento imprevisível, que cria a impossibilidade de se cumprir a obrigação assumida contratualmente, impossibilidade esta não atribuível, nem à vontade daquele que tinha a obrigação, nem à vontade daquele que receberia o bem ou serviço. O fato imprevisível foi inevitável. Como exemplo, são os desastres da natureza.
Desta forma, a parte que não cumprir a obrigação por motivo de força maior, não responde pelos prejuízos resultantes. A força maior se verifica no acontecimento se a parte provar que o efeito era impossível de evitar ou impedir (art. 393, do Código Civil), desde que também prove que agiu com prudência e que, ainda assim, não era possível evitar o dano.
Cabe recordar que em 2010, na época da epidemia H1N1, houve entendimento dos tribunais brasileiros de que o evento se inseriu de força maior, nos termos na legislação brasileira1.
Uma consequência de ter a força maior prevista no Código Civil é que o governo brasileiro pode determinar que um evento constitua força maior, sem depender de cláusula contratual, assim como o governo Chinês fez em resposta ao Covid-2019, emitindo um certificado de Força Maior.
O governo chinês, anunciou o CCPIT - Conselho da China para a Promoção do Comércio Internacional, o qual oferece certificados de força maior para auxiliar as empresas chinesas nas disputas com parceiros estrangeiros decorrentes do inadimplemento dos contratos. Por esse certificado emitido, as empresas brasileiras não poderão cobrar o descumprimento de contratos de fornecimento por empresas chinesas.
Resta saber se o Brasil vai tratar a pandemia como força maior. Pela leitura da jurisprudência existente, é possível acolher a pandemia do coronavírus como um fato imprevisível. Mas com prudência, é preciso demonstrar a relação de causa e efeito que tem a impossibilidade de cumprir com a obrigação com as medidas tomadas para combater o Covid-19.
Para fins de comparação, vale trazer a divergência de entendimento do nosso sistema jurídico brasileiro (civil law) do sistema jurídico americano (commom law). No sistema americano a força maior não está prevista em lei. Assim, será necessário verificar se na relação interpartes estas firmaram um contrato onde é previsto uma cláusula específica de força maior, que justifique o não cumprimento em caso de eventos imprevisíveis.
No ordenamento jurídico americano se exige previsão expressa, ja em outros outros países é diferente, então em casos de contratos internacionais, será preciso verificar qual a legislação aplicável. Grande parte dos contratos internacionais tem cláusula com a informação de que a força maior é excludente da responsabilidade.
E, em caso de contratos da jurisdição brasileira, se for devidamente comprovada a relação causa e efeito entre a suspensão da execução dos serviços e entrega de bens e a suspensão das atividades, poderá a parte alegar a força maior como excludente de responsabilidade, nos termos do artigo 393, do Código Civil. O caos causado pelo coronavirus, pode ser considerado evento que cria a impossibilidade de se cumprir com a obrigação contratada, cuja impossibilidade não pode ser atribuída à vontade dos fornecedores de bens e serviços.
Mesmo assim, ainda que a lei brasileira preveja a inexecução do contrato, para que a parte haja com prudência e para evitar o risco de judicialização, quem não puder cumprir com sua obrigação, recomenda-se efetuar uma notificação imediata, com a justificativa da força maior.
Vale aqui as presentes considerações também para alertar aqueles que, já instaurada a pandemia, continuam com suas atividades. Com o coronavirus no centro das atenções do mundo inteiro, se forem firmadas novas obrigações e novos serviços e, ainda, houver um risco real de a obrigação não puder ser cumprida em decorrência da pandemia, a mais sensata opção pode ser expressamente prever no contrato a cláusula de Força Maior. Prever expressamente esta possibilidade pode dar maior segurança jurídica aos contratantes e estes, ainda, e podem prever quais remédios podem ser tomados em caso de descumprimento. Como exemplo, poderão as partes optar pela suspensão do contrato ou poderão estas preferir desistir do negócio e encerrar as obrigações.
Assim, resta evidenciado o entendimento de que, instaurada a pandemia do Covid-19, poderão as partes que não puderem cumprir com suas obrigações, estarem resguardadas pela legislação civil brasileira que, através da previsão de inexigibilidade do cumprimento do contrato em decorrência de força maior, haverá a prevenção de inexistência de culpa. A exclusão da responsabilidade não é certa, devendo ser demonstrado a relação de causa e efeito.
Realizada as considerações, cabe lembrar por fim que o Coronavírus é uma pandemia que causa comoção mundial. Apesar de todos estarem preocupados com suas obrigações, e com o risco de demandas judiciais que postulem indenizações, é perfeitamente oportuno lembrar que em estando o mundo num estado assim, em que a paralisação das atividades está fora do nosso controle, haverá prudente tolerância de todas as partes. Ao menos, é assim que se espera.
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1 (TJSP; Apelação Cível 0038945-82.2009.8.26.0053; Relator (a): Lineu Peinado; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 3ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/11/2010; Data de Registro: 30/11/2010)
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*Heloisa Korb Bondan é advogada, especialista em Direito dos Negócios pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.