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IPCA x TR

A MP 905/19 aponta o índice IPCA a ser aplicado aos débitos oriundos da Justiça do Trabalho. Contrariando um dos pontos da lei 13.467 em que trazia como correta a aplicabilidade dos índices TR.

19/3/2020

No mês passado, a decisão monocromática proferida pelo ministro Gilmar Mendes, trouxe à tona mais uma vez a discussão quanto a correção monetária dos débitos trabalhistas.

No dia 26 do último mês foi publicada a decisão dando provimento ao Recurso Extraordinário com Agravo 1.247.402, cassando decisão do Tribunal Superior do Trabalho que determinou a aplicação do IPCA-E. Sustentou o ministro que “...diante da constatação de que a conclusão do Tribunal de origem a respeito da utilização do IPCA-E ou da TR sobre débitos trabalhistas se fundou em errônea aplicação da jurisprudência desta Corte, cujos julgados no Tema 810 e ADI 4.357 não abarcam o caso concreto para lhe garantir uma solução definitiva, é de rigor oportunizar àquela Corte eventual juízo de retratação no caso. Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, com base nos artigos 21, § 2o, do RISTF e 932, VIII, do NCPC e, assim, ao cassar o acórdão recorrido, determinar que outro seja proferido.”

Tal fato, vem no mesmo momento em que a MP 905/19 aponta o índice IPCA a ser aplicado aos débitos oriundos da Justiça do Trabalho. Contrariando um dos pontos da lei 13.467, de 2017 (a chamada ‘reforma trabalhista’) em que trazia como correta a aplicabilidade dos índices TR.

O ano de 2020 será decisivo para validar a reforma trabalhista no Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o primeiro semestre o julgamento dos principais pontos da lei 13.467, de 2017, questionados na Corte. Na pauta do dia 14 de maio estão previstas as ações que contestam o trabalho intermitente e a correção monetária dos processos trabalhistas. Sobre a atualização dos valores, no Supremo há duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIns 6021 e 5867) que tratam do tema, além de Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 58 e 59.

O assunto é polêmico e tem um longo histórico. No ano de 2015, a TR foi derrubada em julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que a substituiu pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) - mais vantajoso para os trabalhadores. Porém a reforma trabalhista (lei 13.467/17) em seu art. 879, § 7º declarou que “A atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil”. Para piorar ainda o cenário, em novembro do último ano, a Medida Provisória 905, estabeleceu o IPCA-E como índice de correção.

Assim, diante deste cenário, temos atualmente na Justiça do Trabalho quatro possíveis condenações: IPCA ou TR para todo período; TR até 24.03.15 e após IPCA; e IPCA entre período de 03/15 até 11/17 e demais períodos com TR.

É possível esbarrar com todas estas opções pelas Varas e Tribunais espalhados pelo Brasil. Cada condenação, um entendimento.

Para entender o caso:

O artigo 39, da lei 8.177/91, estabeleceu que os débitos trabalhistas de qualquer natureza, não satisfeitos pelo empregador na época própria, assim definida em lei, acordo, convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula de contrato individual de trabalho, sofrerão juros de mora equivalente à variação da TRD (Taxa Referencial Diária) acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação, até a data do seu efetivo pagamento.

Com o estabelecimento do § 6o, do artigo 27, da lei 9.069, de 29 de junho de 1995, ficou estabelecido que permanece aplicável aos débitos trabalhistas o quanto disposto no artigo 39, da lei 8.177, de 1/3/91, legitimando a aplicação da TRD para atualização dos débitos judiciais trabalhistas. O artigo 15 da lei 10.192/01, determinou que permaneciam em vigor, as disposições legais relativas à correção monetária dos débitos trabalhistas e de débitos resultantes de decisões judiciais.

Em 25/03/15, o Tribunal Pleno do C.TST julgou inconstitucional o uso da TR para a correção monetária dos débitos trabalhistas, entendendo que o índice que deveria ser utilizado seria o IPCA-E, mais favorável aos trabalhadores.

Na decisão proferida pelo Pleno do TST no ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, a expressão "equivalentes à TRD" do art. 39 da lei 8.177/91, foi substituído pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo-Especial (IPCAE). No citado julgado, a Corte Superior Trabalhista fundamentou-se na ratio decidendi adotada pelo STF no julgamento das ADIs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, no sentido de reconhecer a inadequação da remuneração oficial da caderneta de poupança (TR) como critério de correção monetária, por não se prestar à preservação o poder aquisitivo da moeda diante da desvalorização nominal provocada pela inflação, e, por conseguinte, contrariar o direito fundamental de propriedade, inscrito no art. 5º, XXII, da CF.

Entretanto, em outubro de 2015, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em decisão de pedido de medida cautelar na Reclamação 22.012, ajuizada pela Federação Nacional dos Bancos (FENABAN), suspendeu a decisão proferida pelo C.TST.

Posteriormente, em dezembro de 2017, a mesma 2ª Turma do STF, ao julgar o mérito da Reclamação 22.012, cassou a liminar concedida e manteve a decisão do C.TST que determinou a adoção do IPCA-E como índice de atualização de cálculos trabalhistas.

Com o advento da lei 13.467/17, fixou-se a redação do artigo 879, §7º, da CLT, pela qual a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a lei 8.177/91.

Em recente decisão da 4ª Turma do C.TST , nos autos do Processo 10260-88.2016.5.15.0146, fixou-se que a aplicação do IPCA-E como índice de atualização de débitos trabalhistas será cabível apenas no período de 25/03/15 (dia da decisão proferida pelo Pleno do C.TST) a 10/11/17 (dia anterior à vigência da lei 13.467/17). Para os períodos compreendidos até 24/03/15 e a partir de 11/11/17, o índice de atualização a ser utilizado é o da Taxa Referencial (TR).

Por entender que o posicionamento da 4ª Turma do C.TST está consentâneo com o melhor direito, há decisões judiciais deferindo a aplicação do IPCA apenas entre o período de 25/03/15 a 11/11/17.

Na maioria das decisões, é possível vislumbrar do entendimento de que o índice de correção monetária IPCA é o que deve ser aplicado a partir de março de 2015 até os dias atuais.

Há a vertente ainda de que por enquanto, deve prevalecer a aplicação da Taxa Referencial Diária (TRD) para efeito de atualização monetária dos débitos trabalhistas, conforme Tabela Única de Atualização de Débitos Trabalhistas, instituída pelo CSJT-Res.8/05, cuja divulgação oficial continua sendo realizada mensalmente pelo TST. Com base na decisão proferida pelo ministro Luiz Fux suspendendo a aplicação da decisão da corte no RE 870947, no que diz respeito à correção monetária de débitos pelo IPCA-E, até que seja apreciado o pedido de modulação, conforme trecho transcrito:

“... Desse modo, a imediata aplicação do embargado pelas decisum instâncias a quo, antes da apreciação por esta Suprema Corte do pleito de modulação dos efeitos da orientação estabelecida, pode realmente dar ensejo à realização de pagamento de consideráveis valores, em tese, a maior pela Fazenda Pública, ocasionando grave prejuízo às já combalidas finanças públicas.

Ex positis, DEFIRO excepcionalmente efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais, com fundamento no artigo 1.026, §1º, do CPC/15 c/c o artigo 21, V, do RISTF. Publique-se.

Brasília, 24 de setembro de 2018. Ministro LUIZ FUX Relator

Além disso, foi expedido em 11 de junho de 2018, os termos do Ofício Circular do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, o qual aponta como válida a continuação da aplicação da TR. In verbis:

"Ofício Circular CSJT.GP.SG. 15/18 Brasília, 11 de junho cie 2018. AOS EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DESEMBARGADORES PRESIDENTES DOS TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO

Assunto: Disponibilização da tabela mensal de Índices de atualização monetária, com base no IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial).

Considerando que a decisão do Supremo Tribunal Federal na Reclamação Constitucional n° 22.012, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, ajuizada pela Federação Nacional dos Bancos em face de decisão do Tribunal Superior do Trabalho na Ação Trabalhista n° 0000479-60.2011.5.04.0231, ainda pende da definitividade própria do trânsito em julgado, bem como que a edição de atos administrativos de cunho geral e abstrato deve primar pela segurança jurídica, informo a V. Ex. que permanece válida a aplicação da TR como o índice de correção monetária. Destarte, a alteração da tabela mensal de Índices de atualização monetária com a utilização do índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E será efetuada após o trânsito em julgado da decisão proferida na aludida Reclamação. Atenciosamente, JOÃO BATISTA BRITO PEREIRA Ministro Presidente"

Com base em tal entendimento, houve algumas decisões recentes no TRT da 5ª Região favorável a permanência da aplicabilidade da TR, como nos processos ATOrd 0000669-31.2016.5.05.0001 e 0001175-63.2015.5.05.0026.

Vale ressaltar que os critérios de atualização e juros de mora não fazem coisa julgada, deverá ser observada a legislação vigente no momento da disponibilidade do crédito trabalhista. Assim, vislumbra Marcelo Arantes, discussão até a fase de liquidação e execução processual.

Diante de todo este cenário, com as divergências sobre o tema resta aguardar pelos próximos capítulos, que devem acontecer no dia 14 de maio de 2020.

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*Marcelo Arantes é sócio do Arantes e Serenini Cálculos Trabalhistas.

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