Uma questão sempre presente e que causa preocupação é a de como proceder à distinção entre namoro e união estável, uma vez que a cada dia os elementos que configuram essas diferentes situações se assemelham.
Ao contrário do instituto do casamento, a união estável independe de formalidades para sua configuração. Daí sua semelhança com os namoros praticados na atualidade, onde cada vez mais os namorados vivem uma relação de intimidade mais próxima, muitas vezes passando a falsa impressão de estarem constituindo de fato um núcleo familiar.
O artigo 1.723 do Código Civil (CC) estatui que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição familiar”.
É de se lembrar que atualmente não há mais espaço para distinções entre relações hetero ou homoafetivas, de maneira que os apontamentos aqui feitos têm aplicação independentemente de haver ou não diversidade de sexos nos relacionamentos.
Pois bem, voltando à caracterização da união estável, é imprescindível que entre o casal haja uma convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família.
Por ter como objetivo a constituição de família é que a lei previu expressamente (§ 1º do art. 1.723 do CC) que “a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”.
Portanto, para comprovação da união estável, inexiste qualquer obrigação de comprovação de período mínimo de relacionamento, muito menos da existência de filhos havidos do relacionamento. Nem mesmo se exige a convivência na mesma residência.
Assim, não resta dúvida de que o núcleo central que caracteriza a união estável é a convivência com objetivo de constituir família, o que nem sempre é fácil de se comprovar.
Em razão da dificuldade de comprovação, em alguns casos, de ser objetivo comum do casal a constituição de família, é recomendável que seja feita, em cartório, uma escritura pública que declare e regulamente a união estável vivida entre o casal. Isso gera conforto no relacionamento e, mais ainda, segurança jurídica para os envolvidos.
E como caracterizar o namoro, uma vez que a linha divisória deste com a união estável se mostra tão tênue?
De maneira geral, pode-se simplificar o conceito de namoro como sendo a união afetiva entre pessoas que, mesmo sendo pública, contínua e duradoura, não possui a intenção de constituição imediata de família. Essa é a singela diferenciação que distingue na atualidade a união estável do namoro.
Para ilustrar essa diferenciação, cabe seguir o exemplo utilizado pelo professor Flávio Tartuce, que no artigo “União estável e namoro qualificado”, publicado em 2018 no portal Migalhas, destacou decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“Justamente por tais dispensas de formalidades, ao contrário do que ocorre com o casamento, tem variado muito a jurisprudência no enquadramento da união estável. Gosto sempre de citar, com o fim de ilustrar as dificuldades existentes na configuração da união estável, aresto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que afastou a sua caracterização no caso em que duas pessoas namoravam havia cerca de oito anos, mas que não chegaram a constituir família. O relator do acórdão entendeu pela inexistência da união estável e pela presença de um namoro, pois "faltou um requisito essencial para caracterizá-lo como união estável: inexistiu o objetivo de constituir família. Com efeito, durante os longos anos de namoro mantido entre os litigantes, eles sempre mantiveram vidas próprias e independentes. Realizaram várias viagens juntos, comemoraram datas festivas e familiares, participavam de festas sociais e entre amigos, a autora realizava compras para a residência do réu – pagas por ele –, às vezes ela levava o carro dele para lavar, e consta que ela gozou licença-prêmio para auxiliar o namorado num momento de doença. Contudo, ainda que o relacionamento amoroso tenha ocorrido nesses moldes, nunca tiveram objetivo de constituir família" (TJ/RS, Embargos Infringentes 70008361990, 4º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, decisão de 13/8/2004)”.
Tartuce, no mesmo artigo, valendo-se da opinião do jurista Zeno Veloso, ao abordar a diferenciação entre união estável e namoro, destaca que:
"Nem sempre é fácil distinguir essa situação – a união estável – de outra, o namoro, que também se apresenta informalmente no meio social. Numa feição moderna, aberta, liberal, especialmente se entre pessoas adultas, maduras, que já vêm de relacionamentos anteriores (alguns bem-sucedidos, outros nem tanto), eventualmente com filhos dessas uniões pretéritas, o namoro implica, igualmente, convivência íntima – inclusive, sexual –, os namorados coabitam, frequentam as respectivas casas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos, demonstram para os de seu meio social ou profissional que entre os dois há uma afetividade, um relacionamento amoroso. E quanto a esses aspectos, ou elementos externos, objetivos, a situação pode se assemelhar – e muito – a uma união estável. Parece, mas não é! Pois falta um elemento imprescindível da entidade familiar, o elemento interior, anímico, subjetivo: ainda que o relacionamento seja prolongado, consolidado, e por isso tem sido chamado de 'namoro qualificado', os namorados, por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e não querem – ou ainda não querem – constituir uma família, estabelecer uma entidade familiar, conviver numa comunhão de vida, no nível do que os antigos chamavam de affectio maritalis. Ao contrário da união estável, tratando-se de namoro – mesmo do tal namoro qualificado –, não há direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os namorados. Não há, então, que falar-se de regime de bens, alimentos, pensão, partilhas, direitos sucessórios, por exemplo (VELOSO, Zeno. Direito Civil: temas. Belém: ANOREGPA, 2018. p. 313)".
Tais apontamentos reforçam o entendimento de que a distinção entre os institutos se concentra basicamente no núcleo “constituição de família”.
Daí a dificuldade muitas vezes de comprovar em sede de litígio que a intenção de constituição de família não se fazia presente no relacionamento, independentemente da forte relação afetiva existente entre as partes, o que por vezes caracteriza o chamado namoro qualificado, tal como denominado por Zeno Veloso e hoje reconhecido em decisões judicias.
Da mesma forma que se recomenda na união estável uma escritura pública retratando a convivência entre as partes, por igual segurança jurídica também é aconselhável o mesmo em relação ao namoro.
Assim, para se evitar surpresas futuras, principalmente de ordem patrimonial, casais que não têm a intenção de constituir família, mas convivem de forma que sua relação se encaixa perfeitamente no considerado “namoro qualificado”, devem fazer uma escritura pública confirmando essa condição. Ou seja, uma declaração de relacionamento afetivo, caracterizado exclusivamente como namoro, sem repercussões jurídicas, embora com reflexos afetivos e emocionais. É evidente que no documento deve constar obrigatoriamente a expressa menção de que os declarantes não possuem intenção de constituírem família.
Ainda, para que não pairem dúvidas futuras, recomenda-se que a escritura seja renovada com certa periodicidade, até que as partes se decidam se haverá ou não intenção de modificar a situação.
Essa escritura de declaração traz segurança ao relacionamento, principalmente entre pessoas mais afortunadas.
Apesar de entender que o contrato particular de namoro a ser firmado pelo casal seria o suficiente para gerar eficácia jurídica, a escritura pública de declaração de vontade celebrada perante um tabelião, agente que detém função pública, proporciona maior segurança, principalmente no que diz respeito a eventual alegação de vício de vontade de qualquer uma das partes declarantes.
Com isso, devidamente caracterizado pelos declarantes o tipo de relacionamento afetivo mantido entre eles, no caso do namoro, ficam afastados eventuais futuros questionamentos acerca de obrigações entre os pares, bem assim de comunicabilidade de bens, vínculos sucessórios, alimentos e outras consequências jurídicas.
Por todas essas razões, em especial o respeito à segurança jurídica que do relacionamento deve advir, devem os tribunais reconhecer efeitos jurídicos a esses instrumentos que visam declarar o namoro como sendo o relacionamento afetivo mantido pelo casal naquela data.
Como muito bem advertido por Leonardo Amaral Pinheiro da Silva, em artigo publicado na Revista IBDFAM Famílias e Sucessões, v. 36, Belo Horizonte, 2019, p. 54/69, sob o título “Qual a eficácia dos contratos de namoro?”:
“Ele – o contrato – representa uma prudência maior. Uma segurança a mais ao fazê-lo, notadamente aos namorados inveterados, mais ‘desconfiados’, em não dar azo a ver reconhecida, no futuro, uma união estável. Visa deixar o relacionamento bem claro e seguro, mostrando cristalinamente a situação em que as partes se encontram, ficando definidos os limites e os objetivos que desejam. Neste sentido, o contrato de namoro exterioriza o conteúdo, a extensão, o nível de vínculo afetivo que vivenciaram.”
Assim, feitas as distinções entre os dois institutos, recomenda-se que, em qualquer dos casos, seja devidamente documentada a real situação afetiva vivida pelo casal, o que gerará estabilidade e segurança para a relação.
_____________________________________________________________________