É consenso que um bom ambiente de negócios é fator relevante para o desenvolvimento de um país. Do ponto de vista regulatório, isso envolve vários elementos, como a rapidez para se abrir um negócio, a facilidade de obtenção de crédito, o registro de propriedades, a proteção aos investidores minoritários e um eficiente sistema de insolvência empresarial. Segundo o relatório Doing Business 20201, de iniciativa Banco Mundial e que mede “como as leis e regulamentações promovem ou restringem as atividades empresariais”, o Brasil ocupa a posição 124ª de um total de 190 países. Estamos atrás até mesmo de economias como Papua-Nova Guiné (120ª), Gana (118ª), Butão (89ª) e Peru (76ª).
Neste contexto, deve-se destacar a importância dos registros empresariais, executados e mantidos em todo o Brasil pelas juntas comerciais. Como se lê na doutrina especializada, o escopo das juntas comerciais é "dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas (individuais e coletivas), cadastrando e atualizando suas informações."2 Adicionalmente, as juntas comerciais ajudam os agentes envolvidos no tráfico mercantil ao servirem como "banco de dados para o auxílio à atração de investimentos, gerando maior segurança e efetividade às atividades negociais."3
De acordo com o art. 1.150 do Código Civil, "o empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais [...]". No dispositivo subsequente - art. 1.151 -, lê-se que o registro dos atos societários deve ser requerido pela pessoa obrigada em lei, e, no caso de omissão ou demora, pelo sócio ou qualquer interessado. E, finalmente, o art. 1.154 prescreve que os atos societários sujeitos a registro só podem ser opostos a terceiros depois de devidamente registrados.
Nesta ordem de ideias, constata-se que as informações societárias destinadas ao Registro de Comércio tutelam primordialmente o interesse de terceiros: a oponibilidade a terceiros dos atos sujeitos a registro vincula-se à adequada entrada das informações no banco de dados mantido pela junta comercial.
Não obstante isto, é comum que, na prática, diversos atos constitutivos de sociedades fiquem desatualizados, mesmo que tenha havido a devida alteração contratual ou estatutária pelos sócios. Em caso de inércia ou omissão em se proceder ao registro de atos societários já existentes, o Código Civil, em seu art. 1.151, § 3o, traz uma sanção para os responsáveis: a possibilidade de responder por perdas e danos. No entanto, trata-se de dispositivo legal pouco aplicado na prática, além de que nem sempre pode ser fácil de se comprovar que houve danos emergentes ou lucros cessantes pela inércia ou omissão em se registrar uma alteração societária.
O quadro se agrava nos casos em que, mesmo à vista de alterações fáticas da empresa, os sócios, por ação ou omissão, decidem deixar o ato constitutivo da sociedade inalterado.
Além das possíveis consequências jurídicas, o registro mercantil não atualizado é passível de gerar diversas ineficiências de mercado, como, por exemplo:
I - o aumento de custos de transação, visto que, em um contexto de desatualização de atos constitutivos, não basta apenas correr os olhos sobre os instrumentos societários registrados na junta comercial;
II - a ineficiência do mercado de crédito, já que as instituições financeiras, conservadoras por natureza, ao descobrirem que o registro da sociedade está desatualizado, estarão propensas a encarecer ou evitar o crédito;
III - o favorecimento de práticas ilícitas, em razão da falta de transparência.
O problema da atualização dos registros mercantis configura-se claramente como uma situação que introduz assimetria de informação no mercado, o que, em geral, promove distorções na alocação de recursos econômicos. Para efeitos de ilustração, considere a situação investigada por George Akerlof no artigo seminal “The Market for Lemons”4, publicado em 1970 e que, conjuntamente com outras contribuições, rendeu ao autor o Nobel de Economia em 2001.
Neste trabalho, Akerlof está interessado em explorar o mercado de carros usados, onde, naturalmente, o vendedor sabe mais a respeito do produto que o comprador. Como consequência desse fato, produtos de pior qualidade, os “lemons”, prosperam no mercado, pois os consumidores não possuem um mecanismo para averiguar melhor as características de cada carro.
Da mesma forma, a incerteza com relação à situação registrária das empresas prejudica a tomada de decisão dos agentes econômicos. Se a informação é transparente, estes possuem mais recursos para julgar a situação de cada empresa e irão investir seus recursos de maneira compatível com suas preferências. Quando a informação é turva, há incerteza com relação à qualidade das empresas, por conseguinte, aumenta-se a probabilidade de cometimento de erros. No limite, é possível, inclusive, que o agente econômico caia em alguma fraude ou golpe, devido ao desconhecimento da situação real.
Felizmente, neste caso é possível, por meio de uma pequena alteração de regras jurídicas, permitir o funcionamento do mercado mais próximo do ideal. Atualmente, o art. 60 da lei 8.934/94 prescreve que a sociedade que não proceder a qualquer arquivamento no período de 10 (dez) anos consecutivos deverá comunicar à junta comercial que deseja se manter em funcionamento. Ocorre que tal prazo de 10 (dez) anos é muito longo no contexto econômico atual e a referida norma abarca qualquer arquivamento, o que significa que o registro de uma mera reunião de sócios, sem qualquer implicação ao contrato societário, pode fazer reiniciar o prazo de 10 (dez) anos. Ao introduzir a necessidade de se manter o registro mercantil atualizado, especialmente o contrato societário, com uma periodicidade menor (seis meses a um ano, por exemplo), conseguir-se-ia aumentar a oferta de informação no mercado, sem onerar de maneira significativa as empresas.
Vale notar que essa linha de raciocínio é compatível até com os economistas mais favoráveis à não-intervenção do Estado. De fato, desde Adam Smith, reconhece-se que uma base institucional sólida, na qual se destacam as instituições jurídicas, é necessária para que se garanta o bom funcionamento do mercado, na medida que este é composto por indivíduos que reagem aos incentivos presentes no ambiente.
Independentemente de alteração legislativa, é possível de se sustentar que efetivamente há, no ordenamento jurídico brasileiro, um dever, imposto aos sujeitos inscritos no Registro de Comércio, de atualização do registro mercantil. Isto se extrai da legislação, especialmente com apoio no princípio geral da boa-fé. Este, com todos os seus consectários, determina a prática de condutas corretas, em contraposição a atos que impliquem abusos, mentiras e falta de consideração com os demais agentes. Disto decorre o dever de informação, que, aplicado ao Registro de Comércio, impõe a periódica atualização dos dados mercantis.
Esta interpretação favorece a segurança jurídica, a qual, aplicada ao Registro Mercantil, tutela o mercado, reduzindo a assimetria informacional. A segurança jurídica5, como direito fundamental extraível da Constituição, é sinônimo de estabilidade e possibilidade de um certo grau de calculabilidade, gerando, ao fim, um sentimento de confiabilidade para os cidadãos. No caso do Registro de Comércio, as informações constantes do banco de dados de cada junta comercial devem ser suficientes para que os agentes econômicos possam minimamente se guiar no dia a dia negocial. Em outros termos, as juntas comerciais devem ser capazes de proporcionar, com a constante atualização dos registros, estabilidade, calculabilidade e confiabilidade nos agentes econômicos.
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1 THE WORLD BANK. Doing Business. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 09 de março de 2020.
2 ROVAI, Armando Luiz; MASSO, Fabiano Dolenc Del. Registro empresarial: da constituição das empresas, suas alterações e distratos – Incertezas e burocracia que emperram o desenvolvimento e contribuem para insegurança jurídica. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 77/2017, p. 129 - 142, Jul - Set / 2017, item 2.
3 Idem, ibidem.
4 AKERLOF, George A. The Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanisms. Quarterly Journal of Economics, n. 84 (August), 1970, p. 488-500.
5 Sobre a segurança jurídica, vide ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.
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*Bruno Tostes Corrêa é mestrando em Direito Comercial pela USP.
*Rafael Pereira Alves é mestrando em Economia pela PUC-Rio e consultor externo da FH Advisors.
*Samuel Santos Heringer Lisboa é advogado, economista, sócio fundador da FH Advisors.