A ética empresarial e o novo Código Civil
Joaquim Manhães Moreira*
Sabemos que a ética empresarial, em sua essência, é a determinação, às pessoas que integram uma organização, de agir sempre em conformidade com os valores da honestidade, verdade e justiça, em todas as atividades nas quais representem essas entidades jurídicas: nas compras, nas vendas, nos empréstimos, nas relações com empregados, com a concorrência, com o governo e com a comunidade, e em quaisquer outras.
A prática dos valores acima implica em agir sempre em boa-fé, consistente na prática de cada ato sem dolo e sem incorrer em fraude, revelando a verdade à outra parte e agindo sob a convicção de estar protegido pela lei, tomando também como verdadeiras e justas as declarações e exigências do outro contratante. A boa-fé significa também somente assumir obrigações com a possibilidade e a intenção verdadeiras de cumpri-las no prazo acordado.
Portanto, agir em boa-fé significa acima de tudo agir com ética. Ser ético nas relações obrigacionais (contratuais) deixou de ser uma opção sob o novo Código Civil. Passou a ser um dever cuja violação acarretará responsabilidades para a parte infratora.
Para se ter uma idéia de como o novo código valorizou a matéria, basta verificar que a expressão boa-fé foi nele citado 55 vezes, contra 30 vezes em que era citada pelo repositório antigo, revogado.
O principal dispositivo do novo Código Civil a respeito do assunto é o que estabelece que os contratantes são obrigados a observar a boa-fé tanto na celebração quanto no cumprimento dos contratos (artigo 422). E o código acrescenta também o dever da probidade, assim entendida a honestidade, ou seja, a prática de não lesar a outrem e, em conseqüência atribuir a cada um o que lhe é devido.
Outros dispositivos importantes que valorizam o aspecto ético e a boa-fé no novo código são: (a) os contratos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé e os usos do lugar em que forem celebrados (artigo 113). Esse dispositivo deve ser sempre aplicado em conjunto com o que determina que se deve atentar mais para a vontade das partes do que para a literalidade das palavras com que elas a expressam (artigo 112); (b) no caso de simulação de negócio jurídico, ficam ressalvados os direitos dos terceiros de boa-fé em face dos contraentes (artigo 167); (c) o titular de direito legítimo que ao exercê-lo excede os limites dos seus fins econômicos e sociais ou da boa-fé comete ato ilícito (artigo 187); (d) o devedor que paga a alguém julgando ser este último o credor, baseado em fundadas razões, libera-se da obrigação, mesmo que fique provado que faltava ao recebedor a legitimidade (artigo 309).
Há muitos outros dispositivos que requerem a prática da boa-fé nas diversas relações civis. Alguns deles já existiam nas relações de consumo e já eram vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Foram eles agora incorporados às demais relações civis e comerciais mantidas pelas empresas, alcançando aquelas que não estão protegidas pelo Código do Consumidor.
Com tais provisões, o novo código certamente desestimula as ações antiéticas, como, por exemplo: (a) a empresa compradora de bens ou contratante de serviços que atrasa o pagamento do fornecedor porque o contrato não prevê multa, ou quando prevê o valor desta é menor do que os juros pagos pelo mercado financeiro pelo investimento do montante durante o período de atraso; (b) a empresa fornecedora que entrega produto anunciado com características diferentes daquelas que de fato possui e com as quais se comprometeu perante a organização adquirente; (c) o devedor que assume dívida que sabe não poder honrar, ou quando de antemão não pretender pagar.
As penalidades pelo descumprimento dos deveres éticos são as previstas para a violação das obrigações contratuais. Em qualquer caso, a empresa que agir com má-fé, deixando de proceder de conformidade com os princípios éticos, como regra geral fica sujeita ao pagamento de perdas e danos, mais correção monetária e juros (artigos 389/395). As perdas e danos compreenderão os valores que a parte prejudicada tenha perdido, mais aqueles que razoavelmente tenha deixado de ganhar (artigos 402/405). No caso de descumprimento de obrigações de pagamento em dinheiro, se não houver no contrato previsão de multa o juiz poderá arbitrar juros a serem calculados por taxa que reflita a perda real do prejudicado, ou seja, aquelas praticadas pelo mercado financeiro.
________________
* Advogado do escritório Manhães Moreira Advogados Associados
____________________