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STJ determina incidência de imposto de renda sobre verbas oriundas de pacto de não-concorrência

O pacto de não-concorrência (non-compete) é a estipulação que determina a abdicação voluntária do Direito ao Trabalho, cláusula pétrea da Constituição Federal que estipula como Direito Fundamental e parte dos direitos sociais o Direito ao Trabalho. Abrir mão de um direito é aceitar um gravame, uma perda.

10/3/2020

A primeira turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de dois votos a um, entendeu ser devida a incidência de Imposto de Renda Pessoa Física sobre verbas recebidas a título de obrigação de não-concorrência (conhecida na doutrina americana como non-compete), quando há encerramento do contrato de trabalho ou estatutário (nesse caso não se tratava de relação de emprego) com impedimento para que o profissional atue no mercado de trabalho por determinado período. Segundo os ministros relator Gurgel de Faria e Benedito Gonçalves, as referidas verbas representam acréscimo patrimonial e não possuem natureza indenizatória, dada a ausência de obrigação legal para o pagamento e a liberalidade da empresa em optar pelo pacto de não-concorrência e confidencialidade. Nesse sentido, os ministros ressaltaram que as hipóteses de outorga de isenção do IRPF estão previstas em legislação, que deverá ser interpretada de modo literal, conforme orientação do artigo 111, II, do Código Tributário Nacional, sendo vencido assim o voto da ministra Regina Helena Costa.

Tal decisão, no REsp 1679495/SP, que manteve a reversão da decisão da primeira instância da Justiça Federal, demonstra claramente um posicionamento confiscatório das instâncias superiores, deixando claro que cada vez mais atuam os tribunais superiores com viés político acima do viés técnico. Talvez seja por conta da ciência da repercussão que algumas teses poderão ter no erário público, fato este reforçado pela recém estabelecida proximidade demonstrada pelo ministro da Economia com os ministros de STJ e STF, contudo essa decisão soma-se à decisão de criminalizar o não recolhimento de ICMS, para arrepio do Estado de Direito.

Caso se tratasse de decisão técnica, haveria necessidade de profunda análise do instituto da não-concorrência e dos institutos coligados, como a não-solicitação e não-difamação. Esses pactos, nascidos do Direito Norte-Americano nunca foram totalmente absorvidos pela doutrina pátria, em especial pela sempre ultrapassada legislação trabalhista, sendo que a prática laboral escorava no artigo 444 da CLT sua permissividade, no direito de livre estipulação das partes, o que acreditava-se ter sido reforçado diante da reforma trabalhista e da Lei de Liberdade Econômica. Ledo engano.

O pacto de não-concorrência (non-compete) é a estipulação que determina a abdicação voluntária do Direito ao Trabalho, cláusula pétrea da Constituição Federal que estipula como Direito Fundamental e parte dos direitos sociais o Direito ao Trabalho. Abrir mão de um direito é aceitar um gravame, uma perda. Perda essa que demanda reparação, pelo instituto basilar da indenização, presente em todo ordenamento jurídico brasileiro. Ao retirar do mercado um profissional, a empresa está retirando dele não somente o proveito econômico e a chance de ganhar mais, mas muitas vezes a própria relevância desse profissional, que deixa de figurar entre seus pares. E tudo para que ele não reverta seu conhecimento contra a empresa que até então contava com seus serviços, agora em favor de um competidor terceiro.

O ponto fulcral da questão encontra morada nas discussões levantadas no acórdão de segundo grau, notadamente no seguinte trecho “O imposto de renda incide sobre "proventos de qualquer natureza" (art. 43, do CTN). Deve haver, portanto, um acréscimo ao patrimônio do contribuinte, sendo o fato gerador a aquisição da disponibilidade financeira. Pode ocorrer, porém, que um determinado pagamento não gere acréscimo patrimonial, não incidindo sobre tal verba o imposto de renda.” Correta a premissa, continua o acórdão “Resta analisar, assim, se as verbas apontadas pelo impetrante na inicial têm ou não caráter indenizatório e se estão ou não sujeitas à incidência do imposto de renda. Sendo verbas de natureza salarial, enquadram-se no conceito de renda, mas se forem recebidas como compensação em dinheiro pela perda de um direito qualquer, possuem natureza indenizatória, pois o patrimônio jurídico do indenizado, visto em seu aspecto global (bens e demais direitos), continua o mesmo, tendo sido o dano compensado com o ressarcimento em dinheiro.

Ora, a proposta da discussão seguia por linhas coerentes, até chegar na falaciosa síntese “Em relação à verba paga a título de "Pacto de não concorrência" ou "acordo de confidencialidade", que impõe inúmeras obrigações de não fazer ao impetrante, resta configurado o acréscimo patrimonial, pois só o fato de o empregador ter resolvido, por mera liberalidade, recompensar o trabalhador pelo período em que prestou serviços, não altera a natureza jurídica da verba recebida.” Em paráfrase à um sucesso de cinema, cada palavra nesta sentença está errada. Não se tratava de trabalhador, nem de empregador, muito menos de recompensa. Tão mal formulada está essa afirmação, que se contradiz ao dizer que são impostas inúmeras obrigações (dentre as quais a renúncia a direitos) e essas obrigações são feitas de bom grado, pelo qual o contratante recompensa os esforços pretéritos? Ora, ou se fala de contraprestação ou se fala de indenização. E a contraprestação por um trabalho chama salário, enquanto a contraprestação pela perda de um direito chama indenização.

Tal não fosse, uma reclamação trabalhista seria integralmente tributada com o mesmo imposto ora deflagrado sobre o contribuinte. Essa estapafúrdia possibilidade ganha força quando uma decisão teratológica põe em risco centenas (ou milhares) de contratos de natureza civil, que passam a estar em risco de autuação fiscal, contrariando uma vez mais a coisa julgada e o Estado democrático de Direito.

Único poder que passou incólume ao escrutínio da onda de limpeza, o Judiciário se coloca como um poder acima dos demais, voltando suas sanha de poder ilimitado contra o único setor que consegue bancar sua vaidade: o setor econômico, cada vez mais parasitado por um judiciário que se comporta com a sanha arrecadatória de um conselho administrativo de recursos fiscais, com a consequente repristinação da mentalidade tacanha da CLT de Getúlio que segurou por décadas o desenvolvimento econômico do país.

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 *Benedito Villela é gestor jurídico, professor do IBMEC FUTURELAW e palestrante.

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