Introdução
Dentre as normas regulamentadoras do direito de energia, tem-se a Resolução Normativa 414/10, da ANEEL que define todos princípios e normas norteadoras da relação de consumo entre distribuidor de energia e consumidor.
A partir da resolução são definidas as características, obrigações e responsabilidades dos participantes da relação jurídica quanto ao consumo de energia. Necessariamente, como em todo o meio jurídico, irão haver litígios dentro daquele contrato entre as partes. O conflito poderá se dar por causa do consumidor ou pela distribuidora de energia.
Mister destacar que apesar de ambas as partes possuirem direitos e deveres, a jurisprudência brasileira vem com a tendência de superproteção ao consumidor, bem como a propensão em aplicação de multas pelo descumprimento das obrigações de fazer para religamento/reestabelecimento do serviço de energia elétrica.
No Brasil, apesar de para alguns ser uma realidade distante, existem áreas que são dominadas pelo tráfico de drogas, por bandidos, onde sequer as forças policiais estariam habilitadas para entrar sem receio. Neste ponto existe um grande dilema para as distribuidoras de energia em face as obrigações estabelecidas pela Resolução 414 da Aneel e pelo judiciário: como realizar serviços nestas áreas?
Não existe uma norma, tampouco um artigo que delimite o que seria “área de risco” ou como deverá ser feita a comprovação da tentativa de realização do serviço de religamento, conforme prazos da legislação ou determinação da decisão judicial. Pela inexistência especificação, as distribuidoras de energia estão sendo extremamente prejudicadas financeiramente, sendo alvo de multas administrativas, bem como multas judiciais (astreintes).
Necessário, portanto, realização de estudo e elaboração de estratégias para a modificação deste entendimento, como única forma de tornar o direito justo para ambas as partes.
Da dificuldade em cumprimento de obrigação de fazer referente a religação de energia elétrica em áreas de risco e a necessidade de alteração do entendimento jurisprudencial pátrio
O Direito de Energia pode ser definido, em breves linhas, como o ramo que regulamenta o fornecimento de energia. Assim como o Código Penal é a base do direito para especificação do que seria estabelecido como crime ou não, para o Direito de Energia, tem-se a Resolução Normativa 414/10.
Em sendo o instrumento basilar para o ordenamento do Direito de Energia, a Resolução Normativa 414/10, em seus 229 artigos, é a regra geral referência para estabelecimento da relação de consumo no fornecimento de energia. Nela são estabelecidos prazos, definições de todos os termos necessários dentro da relação de consumo, limites e ajustes de tarifas a serem cobradas ao consumidor, classificações a respeito de distribuidor, tipos de consumidor, sanções, obrigações e demais fatores.
No artigo 2º da Resolucão 414 da ANEEL constam definições dos participantes e objetos da relação de consumo estabelecida. Interessante ressaltar, conforme a legislação, o que é tido como CONCESSIONÁRIA e CONSUMIDOR, tombados nos incisos XVI e XVII, respectivamente:
XVI - concessionária: agente titular de concessão federal para prestar o serviço público de distribuição de energia elétrica, doravante denominado "distribuidora"; (Redação do inciso dada pela Resolução Normativa ANEEL Nº 479 DE 03/04/2012).
XVII - consumidor: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, legalmente representada, que solicite o fornecimento, a contratação de energia ou o uso do sistema elétrico à distribuidora, assumindo as obrigações decorrentes deste atendimento à(s) sua(s) unidade(s) consumidora(s), segundo disposto nas normas e nos contratos, sendo: (Redação dada pela Resolução Normativa ANEEL nº 418, de 23.11.2010, DOU 01.12.2010 )
Desta forma, tem-se a definição das partes existentes na relação de consumo para o fornecimento de energia elétrica. Importante salientar que o consumidor possui três subcategorias que fazem referência ao tipo que será enquadrado, a saber, consumidor especial, consumidor livre e consumidor potencialmente livre.
Dos direitos e deveres do consumidor segundo a ANEEL 414/10
A REN 414 é dividida em dezessete capítulos, que separam os assuntos a serem abordados pelos artigos. Esses capítulos vão desde as definições referentes ao direito de energia, passando pela forma dos contratos, pelo método de medir a energia, pelos direitos e deveres do consumidor, findando nas disposições finais do regulamento.
Os capítulos XII e XIII são voltados para as responsabilidades das distribuidoras e dos consumidores, respectivamente.
Tratam-se capítulos que versam sobre o novo consumidor. A partir do art. 134, verifica-se as providências a serem adotadas pela distribuidora para correta instalação e cobrança de valores ao consumidor.
Em se tratando de deveres e responsabilidades do consumidor, interessante citar o CAPÍTULO X, que faz referência a obrigatoriedade de pagamento tempestivo da fatura de energia e ao inadimplemento e aos acréscimos moratórios, através da redação do Art. 126:
Art. 126. Na hipótese de atraso no pagamento da Nota Fiscal/Conta de Energia Elétrica ou Fatura emitida pela distribuidora, sem prejuízo da legislação vigente, faculta-se a cobrança de multa, atualização monetária com base na variação do IGP-M e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês calculados pro rata die.
Demonstrada, de forma exemplificativa, a obrigação do consumidor em adimplir a sua fatura de energia tempestivamente sob pena de pagamento de multa.
Sobre a necessidade de aumento de carga, existe a obrigatoriedade de solicitação prévia a distribuidor, sendo também de responsabilidade única do consumidor manter a adequação técnica e das instalações elétricas internas da unidade consumidora, conforme disposto no Art. 166, veja:
Art. 166. É de responsabilidade do consumidor, após o ponto de entrega, manter a adequação técnica e a segurança das instalações internas da unidade consumidora.
§ 1o As instalações internas que ficarem em desacordo com as normas e padrões a que se referem as alíneas “a” e “b” do inciso I do art. 27, vigentes à época da primeira ligação da unidade consumidora, devem ser reformadas ou substituídas pelo consumidor.
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§ 2 Na hipótese de a distribuidora constatar o disposto no § 1 , ela deve notificar o consumidor na forma do art. 142.
Além disto, no Art. 167 são delimitadas outras responsabilidades do consumidor, veja:
Art. 167. O consumidor é responsável:
I – pelos danos causados a pessoas ou bens, decorrentes de defeitos na sua unidade consumidora, em razão de má utilização e conservação das instalações ou do uso inadequado da energia;
II – pelas adaptações na unidade consumidora, necessárias ao recebimento dos equipamentos de medição decorrentes de mudança de grupo tarifário, exercício de opção de faturamento ou fruição do desconto tarifário referido no art. 107;
III – pelos danos causados aos equipamentos de medição ou ao sistema elétrico da distribuidora, decorrentes de qualquer procedimento irregular ou deficiência técnica da unidade consumidora; e
IV – pela custódia dos equipamentos de medição ou do TCCI da distribuidora, na qualidade de depositário a título gratuito, quando instalados no interior de sua propriedade. (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)
Parágrafo único. A responsabilidade por danos causados aos equipamentos de medição externa não pode ser atribuída ao consumidor, salvo nos casos de ação comprovada que lhe possa ser imputada.
Quanto aos deveres do fornecedor de energia elétrica, interessante destacar a obrigatoriedade de aferição dos medidores de energia elétrica, quando solicitada pelo consumidor. O prazo para o efetivo cumprimento da solicitação é de 30 dias, devendo a visita ser previamente combinada com o consumidor. A determinação está regulamentada no art. 137, verbis:
Art. 137. A distribuidora deve realizar, em até 30 (trinta) dias, a aferição dos medidores e demais equipamentos de medição, solicitada pelo consumidor.
São diversas determinações referentes a responsabilidade da fornecedora de energia, como por exemplo na Seção III, parte em que tratam das Diretrizes para a Adequada Prestação dos Serviços, se iniciando através do Art. 138, bem como na Seção XIV, que trata sobre a Duplicidade no Pagamento, mais especificamente no Art.112, até discorrer sobre os prazos a serem cumpridos pela distribuidora, como por exemplo o prazo mínimo para vencimento da fatura deve ser de 5 (cinco) dias úteis, contados da data da respectiva apresentação, redação do Art. 124 da citada Resolução.
Também é tido como responsabilidade do distribuidor a responsabilidade pela religação de energia elétrica. A Resolução Normativa estabelece prazos para cada tipo de religação, na Seção VII, no tópico denominado "Da Religação da Unidade Consumidora”, em seu Art. 176:
Art. 176. A distribuidora deve restabelecer o fornecimento nos seguintes prazos, contados ininterruptamente:
I – 24 (vinte e quatro) horas, para religação normal de unidade consumidora localizada em área urbana;
II – 48 (quarenta e oito) horas, para religação normal de unidade consumidora localizada em área rural;
III – 4 (quatro) horas, para religação de urgência de unidade consumidora localizada em área urbana; e
IV – 8 (oito) horas, para religação de urgência de unidade consumidora localizada em área rural.
Neste mesmo artigo também estão estampados os prazos para cumprimento do religamento, indicando o momento do início da contagem até a sanção em caso de descumprimento.
Assim, tem-se que ambas as partes possuem seus direitos e deveres, como em toda relação jurídica.
Do religamento em áreas de risco e de difícil acesso
Pelo acima narrado, percebe-se em se tratando da relação jurídica, ambas as partes possuem obrigações e direitos. No tocante a responsabilidade das distribuidoras é claro e evidente que a responsabilização sobre a ausência de religamento tempestiva de energia recai de maneira bem mais gravosa do que a ausência de pagamento da fatura pelo consumidor.
Ocorre que, em cidades como a do Rio de Janeiro, existem áreas que são consideradas de risco e/ou de difícil acesso. Áreas de risco são, comumente, delimitadas pelos Correios. Seriam áreas onde não conseguem chegar e/ou fazer entregas devido a falta de segurança.
Para saber se determinado endereço está enquadrado, pelos Correios, em "Área Com Restrição de Entrega de Encomendas (Are)", basta acessar: clique aqui. De acordo com a Portaria 6.206, do Ministério das Comunicações, um dos critérios para que os Correios possam realizar a entrega externa é que as vias e os logradouros ofereçam condições de acesso e de segurança aos carteiros.
Este mesmo raciocínio se pode trazer para o efetivo cumprimento da obrigação de religamento pela distribuidora de energia em áreas de difícil acesso. Como o técnico poderá entrar no local para realizar o serviço sem o devido auxilio policial? Se a área para realização é dominada pelo tráfico? O judiciário atualmente vem entendendo que é de responsabilidade da distribuidora a religação, não fazendo qualquer menção a efetiva a dificuldade de acesso e risco em determinadas áreas.
Segundo as regras da Resolução Normativa 414, as distribuidoras precisam pagar compensações aos consumidores quando interrupções no serviço têm duração ou frequência maiores que indicadores definidos pela Aneel. A Enel Rio pagou cerca de 27,5 milhões de reais em compensações aos consumidores pelo descumprimento dos índices de qualidade em 2017, enquanto a Light pagou aproximadamente 27 milhões de reais, segundo informações no site da Aneel.
O judiciário permanece aplicando multas pela não cumprimento tempestivo das obrigações de fazer. Tal fato é perceptível através das recentes decisões sobre as condenações em danos morais/perdas e danos aplicadas em face das distribuidoras de energia.
Os magistrados entendem que o descumprimento no previsto pela Resolução Normativa 414 gera dano moral e ainda merece a aplicação de multa diária por descumprimento da obrigação de fazer pelo juízo determinada, conforme se verifica através da recente decisão abaixo colacionada:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE CONHECIMENTO COM PEDIDOS DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA. EXIGÊNCIA DO PAGAMENTO DE DÉBITOS PRETÉRITOS CONTRAÍDOS POR TERCEIRO PARA QUE SE PROCEDA À ALTERAÇÃO DA TITULARIDADE DA CONTA JUNTO Á PRESTADORA DE SERVIÇOS. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA PARA RELIGAMENTO DA ENERGIA NO PRAZO DE 24 HORAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$200,00 (DUZENTOS REAIS). PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 300 DO CPC. MULTA APLICADA QUE POSSUI NATUREZA COERCITIVA. VALOR ADEQUADAMENTE ARBITRADO. PRAZO FIXADO PARA CUMPRIMENTO DA MEDIDA QUE SE MANTÉM INALTERADO EM RAZÃO DA ESSENCIALIDADE DO SERVIÇO E DA CONDUTA RECALCITRANTE DA CONCESSIONÁRIA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJ-RJ - AI: 00115875320198190000, Relator: Des(a). LUIZ ROLDAO DE FREITAS GOMES FILHO, Data de Julgamento: 10/04/2019, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL)
Em qualquer momento existe a ponderação referente ao cumprimento da obrigação de fazer em áreas de risco. Ainda, quando citam as áreas de risco, conseguem burlar o fato sob a alegação que a distribuidora deixou de solicitar dentro dos autos processuais o acompanhamento policial, conforme decisão abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELETRICA. SUBSTITUIÇÃO DE RELÓGIO MEDIDOR SOB PENA DE MULTA. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE POR SE TRATAR DE UNIDADE SITUADA EM ÁREA DE RISCO. CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS. VALOR FIXADO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. Ação indenizatória e obrigação de fazer, pelo procedimento comum, no qual foi rejeitada a pretensão da agravante de exclusão da obrigação de fazer no cumprimento de sentença, em razão da unidade consumidora estar situada em área de risco. Obrigação de fazer consistente na substituição do relógio medidor no prazo de 10 dias, sob pena de multa fixa no valor de R$2.000,00, que poderá ser majorada "de acordo com a atitude que o réu tomar". Evidencia de que prepostos da concessionária comparecem ao local e fazem a leitura do relógio medidor de outras unidades consumidoras sem nenhuma oposição. Residência situa próxima da Unidade Pacificadora (UPP) da Cidade de Deus. Agravante que não demonstrou esforços em solicitar auxílio policial, da associação de moradores e da própria agravada, interessada no cumprimento da obrigação. Conversão em perdas e danos cujo valor (R$5.000,00) se mostra razoável e compatível com os prejuízos experimentados pela agravada. Conhecimento e desprovimento do recurso.
(TJ-RJ - AI: 00718262320198190000, Relator: Des(a). ROGÉRIO DE OLIVEIRA SOUZA, Data de Julgamento: 28/01/2020, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL)
Nestes mesmos termos, a decisão, também do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que baseia toda sua opinião sob a alegação de que entrar "área não segura” é, simplesmente, um risco do empreendimento:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. RELAÇÃO DE CONSUMO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. RECUSA NA INSTALAÇÃO DE RELÓGIO MEDIDOR. ÁREA DE RISCO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA QUANTO À IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE DANOS MORAIS. ARTIGO 22 DO CÓDIGO DE PROTEÇÂO E DEFESA DO CONSUMIDOR. SERVIÇO ESSENCIAL. SUPOSTA INSEGURANÇA NO LOCAL. FORTUITO INTERNO. TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. ARTIGO 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. DANO MORAL IN RE IPSA. PRECEDENTES. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. 1- Restou incontroverso nos autos que a empresa ré, ora apelada, não realizou a instalação do relógio medidor para o fornecimento de energia elétrica na residência do autor, ora apelante. 2- Ocorrência de preclusão quanto ao ponto. 3- Apelação da parte autora requerendo a procedência do pedido de indenização por danos morais, em valor não inferior a R$ 20.000,00. 4- A simples a alegação de que o imóvel está localizado em área de risco não afasta a obrigação da concessionária de fornecer energia elétrica na residência do autor. 5- Artigo 22 do Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor: "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". 6- Eventual dificuldade em disponibilizar serviço essencial decorrente de suposta insegurança no local que constitui fortuito interno, inerente à própria atividade empresarial. 7- Indenização devida. Danos morais in re ipsa. 8- Quantum fixado em R$ 5.000,00. 9- Precedentes: 0015685-26.2014.8.19.0075 - APELAÇÃO - Des (a). MÔNICA FELDMAN DE MATTOS - Julgamento: 01/11/2017 - VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL e 0034254-09.2015.8.19.0021 - APELAÇÃO - Des (a). MARIANNA FUX - Julgamento: 07/06/2017 - VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL. 10- Parcial provimento do recurso.
(TJ-RJ - APL: 00012757220168190210, Relator: Des(a). JDS ISABELA PESSANHA CHAGAS, Data de Julgamento: 01/10/2019, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. AMPLA. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA, DETERMINANDO QUE A EMPRESA RÉ FORNEÇA ENERGIA ELÉTRICA NO PRAZO DE 05 (CINCO) DIAS, SOB PENA DE MULTA ÚNICA (R$ 5.000,00). DECISÃO QUE SE MANTÉM. Insurge-se a empresa ré (AMPLA), ao argumento de que o imóvel da parte agravada se situa em área de proteção ambiental permanente, não sendo possível qualquer tipo de construção no local, motivo pelo qual o fornecimento de energia vem sendo negado. Cediço que as tutelas de urgência se prestam a conceder célere efetividade ao processo, sendo certo que as antecipatórias, fundadas em um juízo de cognição sumária e de verossimilhança, e não de certeza, pelo que não há que se falar em valoração definitiva do conteúdo probatório. Portanto, para fins de exame da verossimilhança, os documentos juntados ao processo devem ser de tal ordem, que sejam capazes de permitir a configuração de um elevado grau de probabilidade de acolhimento da pretensão posta em Juízo. In casu, o juízo a quo após análise perfunctória das alegações autorais e elementos constantes dos autos, deferiu a antecipação da tutela pleiteada, entendendo presentes os pressupostos autorizadores (art. 300 NCPC). Frise-se que em acesso aos autos do processo de origem, verifica-se que as alegações da parte autora (agravada) se mostram verossímeis, tendo instruído o pedido com a Certidão de Anuência nº 148 do ano de 2017, expedida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura de Magé, certificando à AMPLA (agravante) que o endereço onde se encontra o imóvel da parte autora é localizado em ZONA URBANA, estando em CONFORMIDADE, o que permite a ocupação ordenada para a instalação de 01 (um) padrão de energia elétrica (fls. 23, índice 000022). Observe-se que a certidão supramencionada, trata-se, justamente, do documento exigido pela concessionária ré (agravante), não havendo, ademais, comprovação de que o imóvel em questão se encontre em área de preservação ambiental (APP). Em verdade, em cognição não exauriente, depreende-se que foi a empresa ré (agravante) que não diligenciou, em tempo razoável, no sentido de providenciar a instalação dos serviços solicitados pela parte autora (agravado). Além do mais não se vislumbra, no caso em apreço, a presença de perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão a justificar a sua revogação (§ 3º do art. 300 NCPC), não redundando em qualquer prejuízo para a parte agravante, até porque, com a instalação do medidor e o fornecimento do serviço a parte agravada, passará a arcar pelos serviços prestados. Deve ser relevado, outrossim, que o serviço de energia elétrica é considerado de natureza essencial, e, que, portanto, as concessionárias são obrigadas a fornecê-lo, conforme disposto no art. 22 CDC. Do mesmo modo, o tempo para cumprimento da medida (5 dias) e o valor da multa única imposta (R$ 5.000,00) não merecem qualquer alteração, visto que fixados em observância aos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, mormente considerando a natureza da obrigação a ser cumprida (fornecimento de energia elétrica), bem como, a urgência no seu cumprimento. Por fim, somente é admissível a modificação da decisão interlocutória que aprecia a concessão de antecipação de tutela, quando ilegal, teratológica ou contrária à prova dos autos, o que não se vislumbra na espécie (Súmula 59 TJRJ). Recurso conhecido ao qual se nega provimento.
(TJ-RJ - AI: 00468569020188190000, Relator: Des(a). JUAREZ FERNANDES FOLHES, Data de Julgamento: 29/01/2019, DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL)
Não se trata de um risco do empreendimento, mas sim de um risco para o técnico colaborador que terá que se deslocar até a área de difícil acesso, arriscar a vida para garantir o efetivo cumprimento de decisões judiciais. Neste momento importante ponderar o que valeria mais: o acesso da população ao seu direito básico ou a vida do colaborador que trabalha na distribuidora de energia que teria que arriscar a vida entrando em locais não seguros para realizar o serviço determinado??
Neste sentido, interessante destacar que o TJRJ possui entendimento consolidado, conforme disposto em SÚMULA 197, que possui a seguinte redação:
A ALEGAÇÃO DE CONCESSIONÁRIA, DESTITUÍDA DE PROVA DE QUE A ÁREA É DE RISCO, NÃO A EXIME DE REPARAR SERVIÇO ESSENCIAL, SENDO CABÍVEL A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PARA RESTABELECÊ-LO OU A CONVERSÃO EM PERDAS EM DANOS EM FAVOR DO USUÁRIO.
REFERÊNCIA: PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº. 0013662-46.2011.8.19.0000 - JULGAMENTO EM 22/11/2010 - RELATOR: DESEMBARGADORA LEILA MARIANO. VOTAÇÃO UNÂNIME.
De acordo com esta súmula, apenas com a efetiva comprovação de que o local para reparação/reestabelecimento do serviço essencial é que seria afastada a sua obrigatoriedade além do afastamento de conversão em perdas e danos.
Ocorre que, apesar disto, não restou delimitado o que seria a prova necessária para comprovação de área de risco para o real afastamento da obrigatoriedade da prestação do serviço.
Tal convicção das decisões precisam ser modificadas, ou, no mínimo alteradas, para que sejam esclarecido os fatos sobre o que seriam “áreas de risco”, bem como quais seriam as hipóteses para a não aplicação da exigência de reestabelecimento do serviço.
Deste modo, o combate a cada decisão desfavorável às distribuidoras de energia elétrica é importante para que, aos poucos, se consiga uma modificação dentro do cenário jurisprudencial. Não se pode deixar que a indústria do dano moral e das multas por descumprimento de obrigação de fazer continue a crescer de forma desenfreada, como vem ocorrendo atualmente.
Uma estratégia deve ser montada e seguida. Um grande avanço neste sentido será no tocante a cada decisão proferida para o cumprimento de obrigação de fazer, um estudo fosse realizado de imediato para verificação se o caso está englobado em “ÁREA DE RISCO”. Em se identificando, uma série de requerimento ao juízo poderá ser feito, como, por exemplo, tentar comprovar as ligações realizadas ao consumidor e mensagens enviadas a este para viabilizar o acesso a sua casa, ou notificar o advogado comunicando o ocorrido e solicitando alternativas para cumprimento desta obrigação de fazer ou talvez solicitar força policial ao juízo.
Para além disto, todo um trabalho institucional poderá ser feito em conjunto com o descrito acima.
Em e tratando de processos que tramitam em juizados especiais, tendo em vista o rito a ser seguido, exige-se a realização de audiência de instrução com a presença da parte autora. Como meio de prova para comprovação de "área de risco", será possível requerer o depoimento pessoal da parte autora e questionar sobre a localidade de residência. Fato este que ficaria estampado em ata de audiência, sendo relevante para o julgamento do feito.
Também, valioso o realizar despachos com os magistrados que julgam o feito em primeira instância para debate e esclarecimento da tese referente às áreas de risco, bem como entregar de memoriais em casos de julgamento pelo segundo grau de jurisdição e defesa através de sustentações orais em sessões de julgamento são estratégias que possuem ênfase em todo o trabalho para modificação deste entendimento pacificado.
O acompanhamento dos casos deve ser especifico e incisivo para que se possa conseguir uma modificação perante o judiciário, sendo esta a única forma de se fazer justiça.
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*Daniella Neves Nery da Fonseca é advogada do Urbano Vitalino Advogados e pós graduanda em Direito Contratual.
*Rodrigo Marcello Reis Coutinho é advogado do Urbano Vitalino Advogados e pós graduado em Processo Civil.