Estipula o artigo 1.846 do nosso Código Civil que pertence aos herdeiros necessários metade da herança, ou seja, a legítima. Por seu turno, o § 6º do artigo 227 da Constituição Federal proclama a igualdade entre filhos, sejam eles naturais ou vindos por adoção.
Todavia, basta uma singela leitura da disposição insculpida no artigo 549 do Código Civil para denotar-se que ele abre um campo imenso a situações onde ascendentes possam prejudicar a legítima dos descendentes e vice versa, sempre que pretenderem beneficiar um (ou uns) em detrimento de outro(s). O texto legal retro declinado diz assim:
“Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento” (gn).
Com efeito, é preciso que o legislador repense urgentemente o texto legal supra mencionado e promova alterações no mesmo, fazendo inserir que o momento de apuração da legítima se dará na data do óbito ou antes, no caso do patrimônio do doador, mesmo ele vivo, ter aparentemente um valor inferior à legítima, levando—se em consideração ao(s) bem(ns) doado(s) em momento anterior a outro herdeiro necessário ou qualquer outra pessoa.
Isso porque, na forma como atualmente se encontra postada a redação do mencionado artigo 549, caso um genitor doe a um dos filhos bem de alto valor, que no momento da liberalidade não supere a metade ideal de seu patrimônio, más posteriormente passe a se desfazer da totalidade de seus demais bens, dilapidando todo o seu patrimônio ou, escondendo-o , muito bem escondido, a legítima que representa uma garantia dos demais herdeiros necessários restará comprometida.
Vamos a um exemplo prático de como um ascendente pode beneficiar algum (ou alguns) herdeiro(s) necessário(s) em detrimento de outro(s):
João é dono de 2 (dois) imóveis, um deles no valor de R$400.000,00 (quatrocentos mil reais) e o outro que soma R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais). Pois bem, João promove a doação do imóvel avaliado em quatrocentos mil reais ao filho Antônio e nada doa ao filho José.
Atenção! No momento da liberalidade João não avançou na legítima, porém, no transcorrer dos anos, ele vende o outro imóvel e gasta o dinheiro. Em face do texto atual, o filho preterido nada pode fazer, senão esperar o óbito do pai e requerer ao irmão donatário que traga o bem a colação no Inventário. Todavia, se no curso dos anos esse irmão se desfez do imóvel doado, não lhe restando nenhum patrimônio, operou-se evidente prejuízo ao filho que nenhuma doação recebeu durante a vida paterna.
Portanto, morto o pai doador, José, o filho preterido, ficou despido de qualquer herança, mesmo sendo herdeiro necessário.
Como se viu acima, o texto constitucional que determina a igualdade de direito dos filhos foi sobrepujado por um ato jurídico que pode ou não ter sido pretendido pelo ascendente, que, todavia, contrariou o principio da isonomia que rege a matéria em tela.
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*Antônio Ivo Aidar é advogado sócio e titular da equipe de Família e Sucessões do escriório Bonilha, Ratto e Teixeira Advogados.