Migalhas de Peso

O cuidado que o empresário deve ter com a nova lei de franquias

Cautelas imprescindíveis à eficácia contratual e ao sucesso do franchising diante das modificações trazidas pela lei 13.966/19.

27/2/2020

É indiscutível a importância de um qualificado e eficiente trabalho preventivo e de gestão de riscos em qualquer modelo de negócio, mesmo que focado exclusivamente nos instrumentos contratuais da atividade

Parece óbvio, mas não raras vezes alguns bons negócios, com ótimos indicativos de faturamento, lucro, escala e expansão, infelizmente, findam em rompimento traumático e sob litígio, apenas porque as partes não desenvolveram um trabalho preventivo jurídico-contratual.

Isso parece óbvio e claro, correto? Será mesmo que é tão evidente assim?

E aquela prática comum de replicar, de forma automática e indistinta, modelos de contratos e instrumentos de oferta de negócio? Essa prática é muito comum no cotidiano dos negócios e, aparentemente, parece inofensiva; esse “copia e cola”, todavia, é extremamente ao ramo das franquias, em vista do surgimento da Nova Lei de Franquias. Entenda os motivos!

A franquia é um modelo de negócio cuja atividade empresarial traz, de maneira embutida, direta ou indiretamente, diversas interações contratuais acessórias e correlatas ao Franchising – tais como: questões imobiliárias e locatícias, vinculações contratuais com atividade subjacentes ao negócio (uso de marca e outros elementos de propriedade intelectual), relações do consumo e empregatícias, publicidade e marketing etc.

Essa complexidade que emerge da franquia empresarial, portanto, não cabe na simplicidade, para não dizer irresponsabilidade, da reprodução indiscriminada dos instrumentos contratuais normais ao negócio de franquia, sob risco de irreversível danos financeiros e prejuízo ao negócio.

A Circular de Oferta de Franquia (COF), o Pré-contrato de Franquia e o Contrato (“Definitivo”) de Franquia são os instrumentos típicos dessa relação empresarial, e com a Nova Lei da Franquia (lei 13.966/19) houve diversas implicações ao conteúdo destes veículos de acerto. E, justamente, por conta dessas inovações trazidas pela nova lei que o “copia e cola” se mostra, verdadeiramente, como uma armadilha ao invés de um atalho para a relação contratual.

É importante que o empresário do ramo tenha a exata e necessária percepção de que um eficiente trabalho preventivo - de adaptação dos mencionados instrumentos e enquadrando da rede às novas imposições da lei nova - é imprescindível.

Vejamos, na prática, de forma objetiva, os pontos de adaptação que o empreendedor da franquia precisará implementar para afastar as referidos riscos e danos.

Considerando o intuito deste trabalho, que é prevenir o empresário, a principal alteração se deu na ampliação no conteúdo da COF. Na Lei antiga se observava a presença de 15 (quinze) itens na Circular, mas com o advento da lei 13.966/19 a COF terá um total de 23 (vinte e três) itens, que acaso não sejam atendidos motivará a anulabilidade ou nulidade do contrato.

Assim, de início, antes mesmo da assinatura do Pré-Contrato e do Contrato final da franquia, o franqueador deverá ter extremo cuidado com a COF.

Deste modo, a partir de agora, o franqueador deverá promover cuidadosa análise e atualização da COF, que deverá ser confeccionado em língua portuguesa (essa definição expressa do idioma é inovação) (I) indicando as regras, quando necessárias, de sucessão e transferência; (II) prevendo a multa, penalidades e indenização; (III) especificando o prazo da relação, as condições de eventual renovação e respectivos valores, tal como a taxa; (IV) devendo retirar da COF a exigência do valor (taxa) de caução; (V) prevendo, ademais, a remuneração pelo uso dos elementos de propriedade intelectual (antes só se exigia pelo uso da marca).

O franqueador, ainda no âmbito da COF, deverá (VI) expor relação dos franqueados e subfranqueados que se desligaram da rede nos últimos 24 meses (antes eram 12 meses), com nome, endereço e telefone; (VII) explanar as regras de concorrência territorial entre unidades próprias e franqueadas; (VIII) alargar o rol da indicação do que o franqueador oferta ao franqueado para abertura, instalação e funcionamento da unidade; (IX) especificar mais detalhadamente as informações e o status da marca e objetos da propriedade intelectual, junto ao INPI e a outras entidades/órgão de proteção e registro.

Ainda na COF, o franqueador deverá (X) informar a existência de cotas mínimas de compra pelo franqueado, junto ao franqueador/terceiros indicados e as ocasiões/condições de recusa do produto/serviço exigido pelo franqueador; (XI) indicar (não é criar) eventual conselho/associação de franqueados, se existir, com detalhes institucionais da entidade; (XII) expor regras sobre concorrência e limite territorial, com especificação do prazo e penalidades; (XIII) especificar, de modo preciso, o prazo do contrato e condições de renovação.

Na Circular também deverá se fazer presente, de modo expresso e claro, acaso seja da finalidade e interesse do negócio, a sublocação do ponto (do franqueador para o franqueado) em valores acima do valor da locação (do locador para o franqueador); isso será possível se previsto na COF e desde que o valor da sublocação não resulte em excessiva onerosidade ao franqueado.

Se a rede de Franquia, representada pelo franqueador, omitir alguma dessas informações (acima relacionadas) da COF ou inserir na Circular informação falsa, por consequência, haverá espaço para anulabilidade ou nulidade da relação e, ainda, com a devolução de qualquer quantia paga (seja taxa, antecipação ou até royalties). Destaque-se, uma coisa aqui: a nulidade.

A incidência da nulidade (além da anulabilidade, que já era prevista na lei antiga) surgiu expressamente com nova da lei 13.966/19 e isso não foi à toa. Mas, qual o efeito prático da figura da nulidade para o negócio e para o empresário do setor?

Os Poderes Executivo e Legislativo Federais estão dando sinais de que a atividade empresarial, a iniciativa privada e a livre concorrência são uns dos focos desse novo Governo, e como exemplo temos da Reforma Trabalhista, a Lei da Liberdade Econômica, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a alteração na Lei da S/A etc. É normal, portanto, que o Governo visando proteger e viabilizar esse foco, garantindo a eficácia prática das normas, faça uso de institutos de maior tutela e flexibilização do objeto do negócio.

É justamente esse o espírito dado à Nova Lei de Franquias, como no caso da colocação da previsão da Nulidade pela desobediência da formatação, requisitos e conteúdo da COF. Na prática, indo direito ao ponto, a nulidade demonstra que o bem/direito protegido ostenta interesse que vai além do mero interesse das partes, ou seja, fica claro que é de interesse público que o negócio empresarial franquia dê certo, seja seguro juridicamente e cresça, gerando riqueza, empregos e contribuindo com geração de renda.

É por isso que a nulidade se apresenta na Nova Lei de Franquias, pois é uma consequência mais grave do que a anulabilidade (ainda presente na nova lei) que figurava sozinha na lei anterior.

A nulidade da relação contratual, portanto, deve ser encarada pelo empresário do ramo da franquia como um sinal de alerta, considerando-se o art. 166, V, VI e VII do Código Civil, na medida em que o efeito prático da nulidade é contribuir para preservação do modelo negocial da franquia em detrimento do franqueador que simula falsa relação de Franchising, que fragiliza a relação ou cria extremo desequilíbrio contratual com o fraqueado.

Uma das principais consequências da nulidade é que a qualquer tempo o negócio poderá ser desfeito judicialmente, dada a imprescritibilidade inerente ao instituto da nulidade. Por isso, aquele prejudicial, que tiver interesse em entrar na justiça, fará (neste aspecto) uso da mera Ação Declaratória - que terá efeitos retroativos de, por exemplo, impor o fim o acerto e a devolução de todo o dinheiro investido e gasto pelo franqueado ou subfranqueado no negócio. Além de outras questões que circundam a nulidade.

Perceba-se, deste modo, a magnitude dos prejuízos que a não realização de um trabalho preventivo de análise contratual pode causar, ficando, assim, cristalino, que todas as redes de franquias deverão fazer um esforço intenso de adaptação dos seus instrumentos contratuais à nova realidade imposta pela lei 13.966/19. Não é hora de usar modelos, chegou a hora de proteger o negócio.

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*Díbulo Calábria C. da Silveira é advogado do Calábria e Veloso Advogados sediado em Recife/PE e com atuação preventiva e judicial em Direito Empresarial, Civil, Imobiliário, Securitário, Trabalhista e Administrativo. Procurador do município de Olinda e Idealizador do Projeto Digital.

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