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O sistema majoritário uninominal para eleição dos deputados federais nos Estados Unidos

No próximo dia 7 de novembro, o eleitorado norte-americano vai eleger a nova Câmara dos Deputados (House of Representatives) e renovar um terço do Senado federal. O sistema eleitoral para eleição dos deputados federais nos Estados Unidos é majoritário uninominal, chamado erroneamente entre nós de sistema distrital.

1/11/2006

 

O sistema majoritário uninominal para eleição dos deputados federais nos Estados Unidos

 

Olivia Raposo da Silva Telles*

 

No próximo dia 7 de novembro, o eleitorado norte-americano vai eleger a nova Câmara dos Deputados (House of Representatives) e renovar um terço do Senado federal. O sistema eleitoral para eleição dos deputados federais nos Estados Unidos é majoritário uninominal, chamado erroneamente entre nós de sistema distrital. Sendo assim, cada Estado é dividido em tantos distritos quantos são os deputados a eleger, e cada distrito elege um único deputado. Para vencer a eleição, basta obter a maioria simples. Os deputados federais nos Estados Unidos são eleitos para exercer um mandato de dois anos, podendo se recandidatar.

 

Muito se tem discutido no Brasil sobre as vantagens e desvantagens desse sistema. Nos Estados Unidos, malgrado o sistema de governo presidencial, procurou-se assegurar a formação na Câmara dos Deputados de maiorias estáveis, por meio da instituição do sistema majoritário uninominal.

 

O número de deputados federais é fixado por lei e é de 435 desde <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1912. A">1912. A Constituição norte-americana de 1787 determina que cada um dos cinqüenta Estados tem direito a pelo menos uma cadeira na Câmara; as restantes são distribuídas entre os Estados proporcionalmente à sua população, de acordo com um censo populacional realizado a cada dez anos.

 

Nos EUA o sistema majoritário uninominal padece de um grave vício, que é o casuísmo no desenho dos distritos. Esse desenho é feito pelo partido dominante na Assembléia Legislativa dos Estados de modo a concentrar os eleitores do candidato do partido e dividir os eleitores do candidato do partido adversário. Essa manobra, apelidada de gerrymandering, tem ocorrido nos Estados Unidos no momento da redistritalização, que é feita a cada dez anos com base nos resultados do censo decenal. Isso porque a Suprema Corte consagrou, na primeira metade da década de 1960, o princípio "uma pessoa, um voto", e seu corolário, a regra de que os distritos devem ter o mesmo número de habitantes.

 

O termo gerrymandering surgiu em 1812, quando o governador de Massachusetts era Elbridge Gerry e seu partido controlava o legislativo estadual. Os legisladores da sua base de apoio redesenharam as divisas dos distritos senatoriais do Condado de Essex, de modo a forjar um distrito longo e estreito, esperando obter um número maior de cadeiras. Gerry não apreciou o mapa mas sancionou a lei assim mesmo. O novo formato do distrito lembrou ao chargista do jornal Boston Gazette uma salamandra. O jornal passou então a chamar o resultado daquela redistritalização de gerrymander, um trocadilho com o nome do governador. O neologismo entrou definitivamente para o vocabulário político do país, graças à repetição da prática ao longo desses quase duzentos anos.

 

A generalização do gerrymandering tem sido objeto de duras críticas nos Estados Unidos e também fora do país. Em 2001, um livro escrito pelo geógrafo Mark Monmonier1 demonstra como o sinuoso distrito desenhado em 1812 pelos correligionários do então governador Elbridge Gerry é bem menos problemático em sua forma, se não na intenção, do que as manipulações cartográficas encorajadas pelo Departamento de Justiça na administração Bush, com a ajuda de sofisticados programas de computador.

 

Em 2002, uma percuciente matéria publicada na revista The Economist demonstrou, com expressivos exemplos, que enquanto na maior parte das democracias os eleitores escolhem seus representantes, nos Estados Unidos cada vez mais é o contrário que acontece: os representantes desenham os distritos de forma a escolher seus eleitores. A crescente supressão da concorrência eleitoral nas eleições legislativas tem levado, como expõe a revista, a reeleições sucessivas e praticamente certas dos deputados, que se perpetuam no poder pelo efeito combinado da redistritalização manipulada e da maior facilidade para quem já está no cargo de levantar fundos de campanha.

 

Outros países em que vigora o sistema majoritário uninominal não padecem do mesmo mal. É o caso da França, onde o desenho dos distritos acompanha as divisões administrativas. Tal solução não é aplicável aos Estados Unidos, em razão do referido princípio "uma pessoa, um voto" e da regra de que os distritos devem ter todos o mesmo número de habitantes. Na França, o problema é justamente esse: os distritos são "naturais" mas por isso mesmo há distritos que são mais populosos do que outros.

 

Felizmente, como informa o Economist, alguns Estados, como Iowa, têm buscado moralizar o sistema, transferindo a atribuição de redesenhar os distritos a servidores públicos, que devem fazê-lo sem levar em conta os titulares de mandato eletivo nem os mapas eleitorais. Cinco outros Estados atribuíram a missão a comissões bipartidárias em que um membro independente tem o voto de Minerva. E, de fato, esses Estados têm tido eleições mais competitivas do que os demais. Só a pressão popular, conclui com razão a revista, poderia levar os políticos a renunciar ao poder de redesenhar distritos, o que se espera que aconteça até a próxima redistritalização, em 2010.

 

Em 2005, um editorial do jornal The New York Times posicionou-se a favor de um projeto de lei de iniciativa de um deputado federal do Tennessee, o democrata John Tanner, pelo qual a redistritalização ficaria a cargo de comissões não partidárias por força de lei federal, aplicável a todos os Estados. Nas palavras do jornal, nessas maquinações partidárias, os eleitores são os que perdem; a aprovação dessa medida iria aperfeiçoar grandemente a democracia americana.

 

No Brasil, em caso de eventual adoção de sistema que exija a redistritalização periódica (seja ele majoritário ou proporcional), a fixação do contorno dos distritos ou circunscrições teria forçosamente que ficar a cargo da Justiça Eleitoral, e não do Poder Legislativo, federal ou estadual.

 

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1Bushmanders & Bullwinkles – How Politicians Manipulate electronic Maps and Census Data to Win Elections, The University of Chicago Press, Chicago, 2001, 208 p.

 

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*Advogada (do escritório Silva Telles Advogados), doutora pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne) e autora da pesquisa “Direito Eleitoral Comparado – Brasil, Estados Unidos, França”, realizada sob os auspícios do IDPE (Instituto de Direito Político e Eleitoral).

 

 

 

 

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