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Direito ao crédito das contribuições de PIS e Cofins sobre custos e despesas incorridos com frota própria na atividade de comércio

O entendimento restritivo da Secretaria da Receita Federal do Brasil que vigia até a decisão do REsp 1.221.170 do STJ vem sendo revista pelos órgãos de julgamento, possibilitando aos contribuintes abrir nova discussão acerca da tomada de crédito das contribuições de PIS e Cofins sobre custos e despesas incorridos com frota utilizada para entrega de mercadorias vendidas.

17/2/2020

Dentro do contexto da não-cumulatividade das contribuições do PIS e Cofins há previsão legal da possibilidade de desconto de crédito sobre as aquisições de bens e serviços utilizados como insumos na produção ou fabricação de bens e produtos destinados à venda, conforme o inciso II, do artigo 3º, das leis 10.637/02 e 10.833/03, nos seguintes termos:

Art. 3º - Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

(...)

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004). Destacamos.

Referido dispositivo vem sofrendo interpretação restritiva por parte dos órgãos de fiscalização em relação aos gastos com veículos da frota própria, utilizados na distribuição de produtos revendidos entre os estabelecimentos do revendedor e do comprador, sob a alegação de que tais gastos não se conceituam como “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda.

Nesse sentido há diversas manifestações da Secretaria da Receita Federal do Brasil, como a solução de consulta 561 – Cosit:

Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep

NÃO CUMULATIVIDADE. GASTOS COM TRANSPORTE

PRÓPRIO NA COMERCIALIZAÇÃO DE BENS. INSUMOS.

CRÉDITOS. IMPOSSIBILIDADE.

Os gastos referentes aos veículos da frota própria, utilizados na distribuição de produtos revendidos entre os estabelecimentos do revendedor e do comprador, não são considerados insumos para fins de creditamento da Contribuição para o PIS/Pasep.

Dispositivos Legais: Lei nº 10.637, de 2002; Instrução Normativa SRF nº 247, de 2002. 

No caso das empresas revendedoras, interpreta-se que os veículos utilizados não seriam utilizados para prestação de serviço ou fabricação de bens, o que impediria o direito ao crédito sobre o valor dos encargos de depreciação incorridos no mês, combustível ou manutenção.

Norteando-se, entretanto, pela jurisprudência atual advinda de decisões do CARF e do STJ, vem se fixando o entendimento de que todo produto ou serviço que tenha caráter de essencialidade ou relevância para a atividade econômica do contribuinte pode ser classificado como insumo. Nesse sentido, a decisão do REsp 1.221.170 do STJ, proferida sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015), expressamente dispôs:

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.221.170 - PR (2010/0209115-0)

(. . .)

2. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte. 

Nesta conjuntura, entendemos que os gastos referentes aos veículos da frota própria, utilizados diretamente na distribuição de produtos revendidos entre os estabelecimentos do revendedor e do comprador, cumprem os critérios da relevância e essencialidade para o desenvolvimento da atividade econômica, uma vez que se faz necessário que essas mercadorias cheguem ao seu destino para que haja a efetiva venda. Nesse sentido, nas palavras de Fabio P. Calcini1:

“Do ponto de vista pragmático, ainda, podemos observar que seria uma contradição do legislador negar tal direito ao comerciante, sobretudo, nos tempos atuais, pois a atividade econômica desempenhada em tal setor também possui bens e serviços que são considerados insumos, com total vinculação e inerência na comercialização de bens a fim de se obter receita. Se no setor do comércio podemos identificar insumos relevantes e inerentes ao exercício de sua atividade empresarial, não há como negar este direito à luz da não-cumulatividade, apegando-se exclusivamente à omissão legislativa do emprego da expressão comercialização”.

Com base em tal entendimento, o CARF, que vinha se posicionando de maneira controversa sobre o tema, vem modificando seu entendimento, conforme decisão recentemente proferida pela Câmera Superior de Recursos Fiscais nos autos do Processo 19515.720157/2015-78:

PIS E COFINS. REGIME NÃO CUMULATIVO. CONCEITO DE INSUMO. CRITÉRIO DA ESSENCIALIDADE E RELEVÂNCIA. DIREITO AO CRÉDITO. DESPESAS INCORRIDAS COM COMBUSTÍVEIS E MANUTENÇÃO DE VEÍCULOS DE FROTA PRÓPRIA. POSSIBILIDADE.

De acordo com artigo 3º da Lei nº 10.833/03, que é o mesmo do inciso II, do art. 3º, da Lei nº 10.637/02, que trata do PIS, pode ser interpretado de modo ampliativo, desde que o bem ou serviço seja essencial a atividade empresária, portanto, capaz de gerar créditos de COFINS referente ao insumo hipoclorito de sódio.
PIS E COFINS. REGIME NÃO CUMULATIVO. CRITÉRIO DA ESSENCIALIDADE E RELEVÂNCIA. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INSUMOS À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA.
No presente caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp nº 1.221.170 - PR (2010/0209115-0), pelo rito dos Recursos Repetitivos, decidiu que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pela Contribuinte.
Nos termos do artigo 62, parágrafo 2º, do Regimento Interno do CARF, as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) em matéria infraconstitucional, na sistemática dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 - Código de Processo Civil, deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF.
NOTA TÉCNICA Nº 63/2018. DISPENSA DE APRESENTAÇÃO DE RECURSOS.
A Procuradoria da Fazenda Nacional expediu a Nota Técnica nº 63/2018, autorizando a dispensa de contestar e recorrer com fulcro no art. 19, IV, da Lei n° 10.522, de 2002, e art. 2º, V, da Portaria PGFN n° 502, de 2016, considerando o julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR- Recurso representativo de controvérsia, referente a ilegalidade da disciplina de creditamento prevista nas IN's SRF nºs 247/2002 e 404/2004, que traduz o conceito de insumo à luz dos critérios de essencialidade ou relevância.

Ao que nos parece, portanto, o entendimento restritivo da Secretaria da Receita Federal do Brasil que vigia até a decisão do REsp 1.221.170 do STJ vem sendo revisto pelos órgãos de julgamento, possibilitando aos contribuintes abrir nova discussão acerca da tomada de crédito das contribuições de PIS e Cofins sobre custos e despesas incorridos com frota utilizada para entrega de mercadorias vendidas.

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1 CALCINI, Fabio Pallaretti. PIS. COFINS. Não Cumulatividade, Créditos e os impactos no Setor do Comércio.  RDDT 234. P. 25, 2015.

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*Thiago Strapasson é advogado sócio de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, graduado em direito pela Unesp, em ciências contábeis pela universidade Moura Lacerda e especialista em direito tributário pelo IBET, professor de cursos de pós-graduação e extensão, consultor tributário.

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