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O caráter alimentar dos honorários advocatícios e a possibilidade de aplicação do artigo 791-a, §4º, da CLT, aos processos em trâmite fora do âmbito da justiça do trabalho

Temos que o artigo em questão (791-A, §4º, da CLT) deve ser aplicado aos processos de natureza civil e a outros fora do âmbito da Justiça do Trabalho, sob pena de afronta ao artigo 5º da Constituição Federal, mais precisamente ao princípio da isonomia.

7/2/2020

É de conhecimento geral, especialmente no meio jurídico, que a lei federal 13.467/17, intitulada de “reforma trabalhista” estabeleceu profundas mudanças na legislação do trabalho, entre elas, a possibilidade de o beneficiário da gratuidade judiciária, sucumbente, pagar honorários advocatícios aos advogados da parte contrária, desde que tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, conforme se depreende da leitura do artigo 791-A, §4º, da CLT1.

A mudança é polêmica.

A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho remeteu, recentemente, ao Tribunal Pleno a discussão sobre a constitucionalidade desse dispositivo da CLT, introduzido pela reforma trabalhista, conforme decisão proferida no julgamento do RR-10378-28.2018.5.03.01142.

Outras Turmas do Tribunal Superior do Trabalho também já tiveram a oportunidade de debater o tema. Por exemplo, a Terceira Turma, que no julgamento do AIRR-2054-06.2017.5.11.00033 entendeu pela constitucionalidade da norma em questão.

Com efeito, de acordo com o parágrafo 4º do artigo 791-A da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, a parte vencida deve pagar ao advogado da parte contrária honorários de 5% a 15% da condenação ou do valor da  causa. O parágrafo 4º do dispositivo admite, no caso de a parte vencida ser beneficiária da gratuidade judiciária, a utilização dos créditos provenientes da ação em que houve a condenação e/ou de outras, para o pagamento dos honorários. Caso não haja créditos, a execução será suspensa.

Nada obstante, a margem desse importante debate, surge outra relevante discussão, tendo como base o disposto no artigo 85, § 14, do CPC4.

Isso porque decorre desse dispositivo legal que “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.

Dessa forma, na medida em que o § 14, do artigo 85, do CPC, reconhece o caráter alimentar dos honorários advocatícios e lhes garante "os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho”, deve, pois, ser aplicado o aludido dispositivo legal acima apontado, e oriundo da reforma trabalhista, em qualquer processo de natureza civil, ainda que fora do âmbito da Justiça do Trabalho, para garantir ao advogado o direito de receber os honorários advocatícios alimentares, descontando-o dos eventuais créditos obtidos pelos beneficiários da gratuidade judiciária, que em muitas das demandas, inclusive, são créditos que não possuem natureza alimentar.

Como exemplo, ligado ao ramo do direito imobiliário, podemos citar uma situação muito comum envolvendo loteamentos focados em famílias de baixa renda. No cenário de crise econômica atual, inúmeros são os ajuizamentos de demandas pelos compromissários compradores objetivando a rescisão do contrato de compromisso de compra e venda do lote mediante a devolução das parcelas pagas.

É muito comum nessas demandas que o compromissário comprador obtenha o benefício da gratuidade judiciária e, não raramente, acabe sendo derrotado em parte, quando não na totalidade, já que em muitas ocasiões a loteadora/compromitente vendedora, não deu causa à rescisão do contrato, sendo cediço que os honorários advocatícios estão atrelados à causalidade e não à sucumbência.

Nesse contexto, uma vez reconhecido o direito à rescisão contratual, o compromissário comprador obtém crédito em juízo, fruto do reembolso de parte das parcelas pagas à compromitente vendedora, créditos estes que não possuem caráter alimentar.

Dessa forma, não há razoabilidade em se admitir o desconto de créditos alimentares do trabalhador que seja beneficiário da gratuidade judiciária para pagar os créditos também alimentares do advogado e não se admitir o desconto de créditos de outra natureza (não alimentares) de beneficiários da gratuidade em outros processos civis, como o apontado no exemplo dos compromissos de compra e venda de imóvel, sonegando injustamente o direito dos advogados de receberem os honorários obtidos nestes processos.

Há, pois, que se fazer uma interpretação sistemática do artigo 85, § 14, do CPC em conjunto com o artigo 791-A, § 4º, da CLT, levando em conta, inclusive, que a lei federal 13.467/17, que introduziu o aludido artigo na CLT, é posterior ao Código de Processo Civil e que, portanto, derrogou o artigo 98, § 3º, do CPC/15.

E mais, mesmo que analisemos a questão sob todos os critérios de antinomia (cronológico, especialidade e hierárquico), temos que outra interpretação não se pode chegar (derrogação).

Vejamos um a um, começando do mais fraco dos critérios ao mais forte deles5:

Cronológico= norma posterior prevalece sobre norma anterior.

Especialidade= norma especial prevalece sobre norma geral.

Hierárquico= norma superior prevalece sobre norma inferior.

Dentro dos critérios estabelecidos, temos, portanto, que o artigo 791 –A, §4º da CLT é norma posterior ao artigo 98, §3º, do CPC, devendo, portanto, com base no critério cronológico, prevalecer.

Quanto ao princípio da especialidade, nos parece que não há sequer que se cogitar a sua incidência, vez que ambos os artigos dizem respeito a honorários advocatícios, razão pela qual, embora disciplinados em diplomas diversos, a matéria tratada é idêntica. Ademais, mesmo que admitamos a incidência do referido critério de antinomia, temos que a norma especial a ser considerada é a prevista na CLT.

Admitir o referido princípio (da especialidade) no caso em análise, a fim de afastar a incidência do artigo da CLT, configurará discriminação negativa, vedada em nosso ordenamento jurídico. Ora, o trabalhador, hipossuficiente por natureza, ficará em situação desfavorável à do litigante comum, o que não é razoável e não pode ser admitido. Mais adiante, veremos essa questão mais a fundo.

Ademais, não há hierarquia entre eles (artigos), sendo ambos provenientes de leis federais. Ou seja, independentemente do critério de antinomia adotado, temos que o artigo 791, §4º da CLT, deve prevalecer.

Assim, deve ser aplicado ao caso sob análise, o artigo 2º, §1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro6, já que numa análise sistêmica, o artigo 791-A, §4º, da CLT é incompatível com o artigo 98, §3º, do CPC.

Outra questão a ser enfrentada é o artigo 5, LXXIV, da CF, que dispõe que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Uma análise rasa do referido artigo pode nos levar à uma equivocada interpretação, como se este direito individual jogasse uma “pá de cal” na discussão, inclusive com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 791-A, §4º da CLT. Mas, não.

Primeiro ponto que devemos observar é que a assistência jurídica integral e gratuita não é o mesmo que justiça gratuita. Se, de um lado, temos a assistência jurídica no sentido de serviço gratuito prestado pelo Estado àquele que não possui condições de contratar um advogado, temos, de outro lado, a gratuidade  da justiça (justiça gratuita) no sentido de dispensa de despesas processuais e extraprocessuais, sendo irrelevante, para esta última, ser o advogado que defende a parte do Estado (Defensor Público) ou conveniado a ele (convênio OAB/DEFENSORIA).

Ou seja, a Constituição Federal, ao se referir a assistência jurídica integral e gratuita não estava se referindo à dispensa de pagamento de honorários advocatícios. Tanto é verdade que o artigo 134 da Constituição Federal7, que trata da Defensoria Pública, faz menção expressa ao artigo 5º, LXXIV, da CF.

Em outras palavras, tendo em vista que a doutrina diferencia as referidas expressões, não há que se falar em inconstitucionalidade do referido artigo 791- A, §4º da CLT.

E mais do que isso, mesmo que admitamos que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LXXIV tenha tratado, ainda que implicitamente dos honorários advocatícios, o artigo 791-A, §4º da CLT, nem de longe afronta o referido dispositivo, vez que o acesso à justiça continuará sendo integral e gratuito, já que o beneficiário da gratuidade, na pior das hipóteses, não terá que desembolsar valor algum.

Noutra análise do referido dispositivo, temos que o artigo 5º, LXXIV da CF é destinado ao Estado e não aos advogados. Ora, os peritos judiciais, por exemplo, recebem do Estado os seus honorários periciais a fim de assegurar a gratuidade de justiça aos hipossuficientes. Assim, não parece sequer ter lógica essa suspensão, com a consequência quase que fatal da extinção da obrigação (art. 98, §3º, do CPC).

Ao que nos parece, restringir a aplicação do artigo 791-A, §4º, da CLT aos processos que tramitam na especializada (Justiça Trabalhista), seria de flagrante inconstitucionalidade.

Ora, o artigo 5º da CF, em seu caput, prevê que todos são iguais perantea lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Certo é que a Constituição Federal, ao prever o referido princípio (da igualdade) visou assegurar a isonomia material. Assim, ao admitir tratamentos desiguais, por certo que a legislação admite a chamada discriminação positiva, aquela que visa favorecer pessoas em situações de desvantagem.

Não nos parece, portanto, correto restringir a aplicação do artigo 791-A, §4º, da CLT ao âmbito da Justiça do Trabalho, uma vez que o trabalhador, hipossuficiente por presunção legal, ficaria em situação mais vulnerável do que a de um cidadão que pleiteia em juízo comum um crédito qualquer.

Por fim, estabelecer condicionantes, como a compensação dos valores de pagamento dos honorários com os créditos auferidos, não se mostra inconstitucional/ilegal, pelo contrário, visa, tão somente, diminuir aventuras jurídicas, que a prática forense nos mostra serem patrocinadas, na maioria das vezes, por beneficiários da gratuidade. O próprio STF vem reconhecendo a constitucionalidade de condicionantes para o exercício da atividade jurisdicional, como a necessidade de prévio requerimento administrativo (RE 6312408).

Nesta esteira, temos que o artigo em questão (791-A, §4º, da CLT) deve ser aplicado aos processos de natureza civil e a outros fora do âmbito da Justiça do Trabalho, sob pena de afronta ao artigo 5º da Constituição Federal, mais precisamente ao princípio da isonomia.

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1 CLT. Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

§ 4o Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

2 Tribunal Superior do Trabalho, 6ª Turma, RR-10378-28.2018.5.03.0114.

3 Tribunal Superior do Trabalho, 3ª Turma, AIRR-2054-06.2017.5.11.0003.

4 CPC. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. 

§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

5 TARTUCE, Flávio. Breve Estudo das Antinomias ou Lacunas de Conflito. Disponível em: <Clique aquiAcesso em 30.11.2019.

6 Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

7 CF. Artigo 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita,  aos  necessitados,  na  forma  do inciso  LXXIV  do  art.  5º  desta  Constituição Federal . (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

8 Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 631240/MG. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 09/12/2010, DJe-072 DIVULG 14-04- 2011 PUBLIC 15-04-2011 EMENT VOL-02504-01 PP-00206.

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*Fabrício Mark Contador é advogado em Jaú/SP, graduado em direito pela Faculdade de Direito de Bauru - Instituição Toledo de Ensino, especialista em direito público, trabalhista e previdenciário e pós-graduando em direito imobiliário aplicado pela Escola Paulista de Direito e é membro da Comissão de Loteamentos e Comunidades Planejadas do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário-IBRADIM.

*João Otávio Spilari Góes é advogado em Jaú/SP, graduado em direito pela Faculdade de Direito de Bauru - Instituição Toledo de Ensino, pós- graduando em direito processual civil pela Universidade de São Paulo - FDRP, pós-graduando em direito civil pela Escola Paulista de Direito, presidente da Comissão de Cultura e Eventos da 20ª Subseção – OAB/Jaú-SP, professional & self coaching pelo Instituto Brasileiro de Coaching e sócio do escritório Goes, Pedroso e Reginato Advogados Associados.

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