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Empresas podem pleitear a revisão de Termos de Ajustamento de Conduta – TACs quando publicadas novas leis ou alteração da jurisprudência

O TAC é uma modalidade de negócio jurídico e, por isso, rege-se pelo princípio jurídico do tempus regit actum (o tempo rege o ato), que impõe sua disciplina pela lei vigente ao tempo de seu ajuste.

6/2/2020

O direito brasileiro outorga aos órgãos públicos a tomada, dos interessados, de compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais (TAC), mediante cominações, que terá eficácia de título executivo (art. 5º, § 6°, da lei 7.347/85 – Lei de Ação Civil Pública).

O TAC é uma modalidade de negócio jurídico e, por isso, rege-se pelo princípio jurídico do tempus regit actum (o tempo rege o ato), que impõe sua disciplina pela lei vigente ao tempo de seu ajuste.

Mas uma lei nova pode ter incidência imediata sobre as relações jurídicas continuativas (ou de trato sucessivo) que contemplam obrigações que se protraem no tempo.

Essa regra elementar de direito intertemporal constitui, assim, premissa essencial para determinar os efeitos de uma lei nova ou de uma alteração de entendimento na jurisprudência sobre as obrigações estipuladas nos TACs firmados anteriormente.

A situação pode ser exemplificada a partir da recente publicação da Medida Provisória 905 de 2019, a chamada MP do Contrato Verde e Amarelo, que trouxe substanciais mudanças na CLT, sobretudo no que se refere ao prazo máximo de vigência dos TACse aos valores máximos das multas pelo seu eventual descumprimento.

O novo art. 621-A, § 1º, da CLT, incluído pela MP 905, dispõe, em suma, que os TACs em matéria trabalhista terão prazo máximo de 2 (dois) anos, renovável por igual período, desde que fundamentado por relatório técnico, e que os valores das penalidades dele constantes devem estar atrelados aos valores das infrações capituladas na CLT e/ou em legislação esparsa, hipótese em que caberá, em caso de descumprimento, a elevação das penalidades que forem infringidas 3 (três) vezes.

Essa regra estabeleceu, portanto, eficácia temporal máxima para o TAC firmado. Daí que nos casos de: i) jus superveniens (direito novo) e/ou ii) de alteração de diretriz ou jurisprudência consolidada no âmbito dos tribunais superiores que induziu ou influenciou a celebração do TAC no mesmo sentido, afigura-se perfeitamente cabível a revisão do que foi convencionado nesse instrumento.

A propósito, o Tribunal Superior do Trabalho – TST, órgão de cúpula da Justiça do Trabalho, deliberou que “nas relações jurídicas de trato sucessivo, entre as quais se inserem as constituídas por meio da celebração de um TAC em que previstas obrigações de fazer e não fazer com efeitos permanentes e prospectivos, a alteração do estado de fato ou de direito autoriza a retificação do quanto ajustado [...]”.1

Nesse julgamento os ministros do TST analisaram a possibilidade de revisão da cláusula de um TAC que proibiu a revista de bolsas, mochilas e sacolas dos empregados e, ao final, acolheram o pedido formulado pelo empregador para revisar a cláusula, sob o fundamento de que a jurisprudência “fixou o entendimento de que o procedimento de revista aos pertences dos empregados, sem contato físico, de forma impessoal e genérica, sem caráter discriminatório e sem exposição da intimidade do trabalhador, não configura ato ilícito”.2

Diante desse veredicto, entendemos que a aplicação da nova legislação aos TACs firmados antes de sua vigência, inclusive quando objeto de execução em trâmite na Justiça do Trabalho, depende do ajuizamento de ação revisional perante o juízo competente.

Não é aconselhável, portanto, o descumprimento de TAC eventualmente firmado sem obter, antes, uma decisão nesse tipo de demanda que suspenda a eficácia do TAC, ainda que sob a forma de tutela provisória, inclusive para a limitação do valor das multas fixadas, em respeito à segurança jurídica e à proteção da confiança, evitando-se, assim, a configuração de venire (comportamento contraditório), o que, diga-se de passagem, não é tolerado pelo nosso direito.

Por sua vez, as autuações e multas lavradas pelos órgãos de fiscalização do trabalho antes da vigência da lei nova encerram atos jurídicos de efeito instantâneo, ou seja, que não se protraem no tempo, de modo que não vislumbramos nenhuma medida judicial para sua revisão ou revogação com base, p. ex., nos novos critérios de dupla visita, que também foram modificados pela MP 905.

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1 Autos do processo nº RR-1030-74.2010.5.08.0001, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 16/11/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2016.

2 Idem.

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*Roberto Dórea Pessoa é mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP e advogado sócio do escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados.

*Raphael Miziara é mestrando em direito do trabalho e das relações sociais, especialista em direitos humanos laborais e governança global pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), advogado sócio do escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados e professor de Direito do Trabalho na Faculdade Baiana de Direito.

 

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